Carlos Chagas
Crise não é, por enquanto. Mas perspectiva de crise, sem dúvida. Ironicamente o que não interessa às forças armadas, ainda que, com certeza, possa favorecer ao governo. Primeiro, os militares protestaram contra o decreto dos Direitos Humanos, aquele que o presidente Lula assinou sem ler e recuou, prometendo modificá-lo. Depois, por iniciativa do ministro da Aeronáutica, deixaram o primeiro-companheiro de saia curta com a divulgação da preferência técnica pela compra dos caças produzidos na Suécia, deixando a opção presidencial dos caças franceses para o fim da fila.
Pode ser coincidência, mas é bom prestar atenção, importando menos saber quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Os militares tem razão quando sustentam haver sido o governo a provocá-los com o decreto que revoga a Lei da Anistia, assim como com a decisão que os atropelou, meramente política, em favor dos aviões franceses. Na realidade, são eles que vão pilotá-los.
No reverso da medalha o governo também tem razão, porque o decreto dos Direitos Humanos objetiva apurar, investigar e divulgar quais os responsáveis por práticas de tortura, mesmo anistiados. Não faltam argumentos, também, para justificar a decisão presidencial pela França como matriz de material bélico. A Constituição é clara ao delegar-lhe a atribuição de decidir.
O que se torna perigoso, no caso, é o momento do confronto entre os militares e o poder civil. Parece claro que dentro dessa discutível prática de opinar a respeito de iniciativas governamentais, as forças armadas estão devendo. Nenhum dos comandantes pronunciou-se, pelo menos de público, sobre a entrega de áreas fronteiriças do território nacional a essa estranha parceria entre índios e ONGs interessadas na internacionalização da Amazônia. Alguém soube de protestos castrenses contra o assalto à soberania nacional expresso nas privatizações de setores estratégicos, das telecomunicações ao subsolo?
Por que só agora a voz estridente dos quartéis se faz ouvir? Há quem suponha coincidência entre aquilo que os generais chamam de revanchismo e a possibilidade de o país vir a ser governado por uma ex-terrorista. O presidente Lula teria sido o limite, pois jamais ligou-se à luta armada. Mas Dilma Rousseff disporia de condições para receber as continências do Exército, Marinha e Aeronáutica, sem que seus comandantes aumentassem o nível de um perigoso inconformismo?
De que forma o governo seria favorecido com essa elevação de temperatura? Elementar. Dilma Rousseff não decolou, continua mal nas pesquisas. Perderá a eleição, se as coisas não mudarem. Como entregar o poder aos tucanos seus atuais detentores jamais entregarão, e dada a altíssima popularidade do presidente Lula, no bojo de uma crise fatalmente recrudescerá a proposta de sua continuação no governo. E a crise, se não chegou ainda, dá a impressão de estar batendo à porta…
Obras de fachada
Tem raízes profundas e antigas o dilúvio que assola todo o território nacional e vem causando uma tragédia atrás da outra, nas grandes cidades e no interior. Por que, de repente, avenidas transformam-se em rios, morros desabam sobre casas, pontes se desfazem e gente morre aos montes?
Não adianta argumentar que a culpa é de São Pedro, que jamais choveu como agora. O problema está na desídia e na incompetência de governos atuais e anteriores, municipais, estaduais e federal. Deve-se ao olímpico crescimento demográfico, à ampliação urbana desordenada e ao descaso do poder público para obras de saneamento e infra-estrutura, daquelas que não aparecem ou ficam longe dos holofotes. De repente, percebe-se a ausência do estado e dos políticos cuja missão seria prever e prover a nação de mecanismos capazes de enfrentar a natureza. Galerias pluviais insuficientes, rios sem dragagem, estradas e viadutos construídos para enriquecer empreiteiras, licenças para a construção de frágeis residências no alto e nas encostas dos morros – tudo contribui para o caos. Fica, porém, o diagnóstico que os governos deixam de reconhecer: dedicaram-se apenas a obras de fachada.
Fonte: Tribuna da Imprensa