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domingo, dezembro 06, 2009

Brasília, capital da corrupção há 50 ano


Escândalo brasiliense


Capital da corrupção


Sementes do mensalão do DEM são da década de 90 e reforçam o histórico de suspeitas de irregularidades no Distrito Federal

| André Gonçalves,


Norte-americano naturalizado “brasiliense”, o cientista político David Fleischer costuma usar um episódio pessoal para explicar a corrupção na capital brasileira. Ele conta que em uma visita a parentes que moram em São Paulo, no fim dos anos 80, os dois filhos pequenos ficaram irritados com a provocação de que em Brasília só havia bandido. “Não, os bandidos são aqueles que vocês elegem e mandam para lá”, retrucaram as crianças.

O próprio Fleischer admite que o discurso familiar caiu por terra há dez dias. Não que a importação de corruptos tenha acabado. São os políticos produzidos no Distrito Federal que acabam de apresentar o mais bem documentado escândalo dos últimos anos, o mensalão que envolve o governador José Roberto Ar­­­ruda e o seu partido, o Demo­­cratas (DEM).

Um problema internacional

O sistema de administração das capitais é um dilema internacional. Assim como ocorre em Brasília, há dúvidas sobre a necessidade de autonomia política para os governantes dessas cidades.

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Costumes de Brasília assustam paranaenses

Um programa de rádio colocou Brasília, em 1959, na vida da curitibana Esther Gumz Xavier. Na época, a notícia de que a nova capital precisava de mão de obra em todas as áreas empolgou o marido dela, professor de Direito da Universidade Federal do Paraná. Ele escreveu uma carta para a Polícia Federal se colocando à disposição para trabalhar na cidade. Três meses depois, sem concurso público ou maiores burocracias, foi chamado.

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Espionagem marca relação de Arruda com o pivô do caso

Investigações da Operação Caixa de Pandora indicam que o denunciante do mensalão do DEM, o ex-delegado Durval Barbosa, teve o aval do ex-governador do DF Joaquim Roriz para pôr o suposto esquema de propina que operava na Codeplan – responsável pela administração dos gastos da máquina pública – a serviço da candidatura de José Roberto Arruda ao governo do Distrito Federal, em 2006.

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Sem saída

O escândalo do DEM no Distrito Federal e a aceitação da denúncia do mensalão tucano pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na semana que passou, colocaram a oposição ao governo Lula nas cordas.

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“É preciso entender que a corrupção aqui é dividida entre as esferas distrital e federal. As duas são muito pesadas e às vezes an­­dam juntas”, diz Fleischer, que é professor da Universidade de Bra­­sília (UnB). Embora os casos locais tenham passado quase despercebidos para os brasileiros nos últimos anos, eles não são novidade.

Contemporâneo de Fleischer, o também cientista político Octa­­ciano Nogueira desembarcou em Brasília nos anos 70 e prefere usar uma definição histórica para a cultura de corrupção no Distrito Fe­­deral: “É o caldo que saiu da mistura entre o cerrado, os candangos e os empreiteiros que construíram a cidade”.

50 anos polêmicos

A cinco meses de a capital completar 50 anos, polêmica sobre a trajetória da cidade é o que não falta. O primeiro ato concreto do ex-presidente Juscelino Kubitschek para tirar Brasília do papel foi a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), que começou os trabalhos em no­­vembro de 1956. De cara o presidente sofreu uma enxurrada de críticas coordenadas pela União Democrática Nacional (UDN) sobre a conduta da empresa. Para evitar dores de cabeça, Juscelino entregou o comando da companhia aos udenistas – o que diminuiu o conflito, mas aumentou a corrupção.

Cinco décadas depois, a No­­vacap continua na linha de tiro. Vídeos divulgados na semana passada mostram uma cena em que o empresário Alcir Collaço diz que ela estaria envolvida no pagamento de propina a lideranças nacionais do PMDB – entre elas, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Todos negaram as acusações e prometeram processar Collaço.

Passado que condena

Para os brasilienses, porém, lembrar do passado de corrupção no Distrito Federal é uma espécie de tabu, assim como qualquer declaração que ofenda Juscelino é tratada como heresia pelos candangos. “Essa história de corrupção do povo daqui é novidade. Nos tempos de JK o negócio (o combate à corrupção) não era brincadeira e ficou ainda mais duro com os militares”, diz o presidente do Clube dos Pioneiros de Brasília, Roosevelt Dias Brandão.

Fleischer, no entanto, diz que os fatos nunca foram bem assim. “A grande diferença é que, naquela época, especialmente na ditadura, a imprensa não divulgava nada do que acontecia.”

O professor cita o caso da compra de um sistema telefônico que integrava as asas Sul e Norte de Bra­­sília durante o governo de Artur Costa e Silva (1967-1969). O negócio milionário teria sido intermediado pela esposa do ex-presidente Costa e Silva, Yolanda. Só que o sistema nunca funcionou e o dinheiro foi pelo ralo. Como o Brasil vivia os anos de chumbo, tudo ficou por isso mesmo.

Sistemas de administração

Ao longo das décadas, o Distrito Federal teve diferentes sistemas de administração. Entre 1960 e 1967, nove prefeitos indicados pelo go­­verno federal administraram a capital. De 1967 a 1991, a gestão foi atribuição de governadores no­­meados pelo presidente da Repú­­blica. Brasília também não tinha representação no Congresso.

Foi a partir da Constituição de 1988 que o Distrito Federal passou a ter autonomia administrativa local. Os brasilienses ainda ganharam o direito de escolher oito de­­putados federais, três senadores e 24 deputados para a recém-criada Câmara Legislativa local. Também passaram a votar para governador, a partir de 1990.

Dessa transição nasceu a crise que explode agora. Joaquim Roriz foi o último governador nomeado pelo então presidente, José Sarney. Durante sua gestão, entre 1988 e 1990, incentivou o inchaço da periferia de Brasília e foi o pai de novas cidades-satélite. Com novos eleitores, Roriz foi o primeiro governador eleito, em 1991.

Nesse primeiro governo eleito, surgiu um promissor apadrinhado de Roriz, o secretário de Obras José Roberto Arruda. Nas mãos dele ficou a construção do polêmico metrô de Brasília, obra embargada posteriormente por suspeitas de irregularidades. As escavações começaram em 1992 e o metrô ficou parcialmente pronto apenas em 2001.

Com o apoio de Roriz, Arruda elegeu-se senador em 1994. Come­­çava um longo ciclo de escândalos que colocou os políticos distritais no cenário nacional. O primeiro deles foi a cassação do senador Luiz Estêvão (PMDB), em 2000, por denúncias de envolvimento com o juiz Ni­­colau dos Santos Neto no desvio de verbas para a construção do Tri­­bunal Regional do Trabalho de São Paulo. Estêvão é o único parlamentar cassado de toda a história do Senado. Logo depois, Arruda teve de renunciar porque violou o sigilo do painel da votação que definiu a perda de mandato do colega.

Em 2006, após a terceira gestão no DF, Roriz elegeu-se senador. Ficou apenas dois meses no mandato e também renunciou para escapar da cassação. Ele era acusado de quebra de decoro após a divulgação de conversas telefônicas nas quais negociava a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco de Brasília, Tarcísio Franklin de Moura.

Apesar de ter deixado o governo, um dos principais articuladores de Roriz prosseguiu na administração Arruda (eleito em 2006) – o secretário de Relações Institucio­­nais, Durval Barbosa. É ele o pivô das denúncias do pagamento de propina aos aliados do atual governador.

“Toda vez que eu vejo esses políticos de Brasília eu me pergunto se eles estão se candidatando para administrar o Distrito Federal ou o Presídio da Papuda (localizado no DF)”, ironiza o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Segundo ele, casos de corrupção são quase inerentes à história das capitais do Brasil e também foram comuns em Salvador e Rio de Janeiro. “O problema é que chegamos a um nível em que a intervenção federal parece inevitável.” Afinal, Brasília continua sendo a capital de todos os brasileiros.

Fonte: Gazeta do Povo

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