Aprovação de Cristina Kirchner sobe após operação na cabeça
Carlos Chagas
Helio Fernandes
Helio Fernandes
Gustavo Castanon – O eleitor corrupto: uma maldição da democracia brasileira
Por Gustavo Castanon(*), especial para sua coluna no QTMD?
É um lugar comum. Os políticos
brasileiros estão mais uma vez na condição de Judas universal. Segundo
parte majoritária da opinião pública, nossa classe política é
constituída de sociopatas. Também já se tornou lugar comum lembrar que
esses políticos não vieram de Marte. Nem dos EUA. Vieram todos da
sociedade brasileira. Diante disso, um terceiro lugar comum ainda
decreta que a corrupção é culpa da ignorância do povo brasileiro
votando. Mas não, meus caros. Há muito mais em jogo do que ignorância.
Primeiro, evidentemente, a natureza
humana. Somos (também) naturalmente egoístas, portanto, nenhum governo
ou sistema político jamais eliminará todas as formas de corrupção. A
crença de que a educação e o conhecimento permitiriam a escolha de
políticos honestos vem da ideia socrática de que todo erro moral é fruto
da ignorância. Isto muitas vezes está por trás de ingênuos debates de
família ou de facebook, no qual o interlocutor vaticina que uma posição
política ou econômica diferente da dele é fruto de “ignorância”, e não
de outro projeto de sociedade. Mas numa sociedade dividida em classes,
existem interesses antagônicos que definem as posições muito mais que o
conhecimento: essas últimas são muitas vezes fruto de uma ideologia,
entendida aqui como discurso organizado de justificação de interesses de
classe.
Segundo, temos a farsa da democracia no
regime capitalista. Atribuir aos agentes públicos a origem da corrupção é
menos um ato de ignorância do que de má fé. Sempre que um agente
público se corrompe, é porque um agente privado o corrompeu. Ora, o que é
a corrupção senão o desvio do bem público para benefício privado? O
poder esmagador do capital, que opera desde os veículos de informação de
massas até os grandes bancos e empreiteiras, tem o poder de subjulgar
governos, parlamentares e partidos. Financiando-os, chantageando-os e
finalmente difamando-os. Nesta ordem.
E é aqui que entra a terceira principal
causa da corrupção brasileira: o eleitor corrupto. Figura tradicional da
vida nacional, o eleitor corrupto nunca participou ativamente da vida
política e se orgulha disso. Tem um bizarro senso de moralidade no qual
decente é a pessoa que não se mete na vida pública e ocupa sua vida
tentando ficar rico.
Ganhar dinheiro dentro da lei é todo seu horizonte moral.
Complemento natural de sua mentalidade é
o discurso de que o sistema é bom, o problema são aqueles que não
obedecem a lei: os bandidos e os corruptos. É a redução hipócrita da
política ao moralismo conhecida no Brasil como “udenismo”. Degradar a
imagem da totalidade da classe política, de todos aqueles que
supostamente deveriam dedicar sua vida a melhorar a sociedade, é
altamente libertador para o eleitor corrupto, ajudando-o a sentir-se
mais confortável com suas opções de vida.
E nada melhor para degradar a classe e a
vida política do que permitir que bancos, indústrias, empreiteiras e
empresas de ônibus contribuam para campanhas eleitorais. São dois
coelhos com uma cajadada: garante que o capital controle a vida política
não permitindo mudanças estruturais nas leis e na sociedade e submete
todas as pessoas que se dedicam a vida política ao esgoto do
financiamento privado de campanha. O custo atual das campanhas políticas
na era da informação – inflacionadas pelo excesso de “doações” – não
para de crescer, o que obriga qualquer político com pretensões
eleitorais a se submeter a uma ciranda de súplicas por recursos que o
permitam sonhar com a disputa. Se eleito, não pode pensar em não
beneficiar seus doadores, pois nunca mais receberia recursos, isso se
não fosse ainda chantageado por denúncias, falsas ou verdadeiras, da
mídia.
Os meios de comunicação ajudam na
construção deste discurso só falando em políticos corruptos (os que os
desobedecem), mas nunca em corruptores, seus anunciantes. O massacre
midiático diário reforça a opinião de ingênuos e o discurso de
hipócritas de que o problema é o caráter do político, e não o sistema
político. Quando chega a eleição no entanto, o eleitor corrupto vota em
candidatos notoriamente corruptos, beneficiados por avalanches de
doações do sistema. Hipócrita, afirma que não tem opção, porque todos
são desonestos. Todos são iguais. Mas curiosamente, ele nunca vota
naqueles “iguais” que teme oferecerem uma longínqua possibilidade de
mudança no sistema econômico.
O eleitor corrupto sabe muito bem que
enquanto planos de saúde financiarem campanhas, nunca haverá grandes
investimentos no SUS. Ele sabe que o financiamento privado é o juro da
dívida pública que come seus impostos, é seu rio poluído, sua estrada
inacabada, seu engarrafamento, sua falta de metrô, o ônibus lotado. Mas
ele sabe também que isso é a melhor forma de manter o sistema – onde
acha que se dá bem – intacto. Trabalhando muitas vezes nas próprias
empresas corruptoras, justifica-as como vítimas de extorsão da classe
política. O corruptor é a vítima. O político, o vilão.
Este mês, por cinco dias, milhares de
eleitores corruptos saíram às ruas desse país lado a lado com outros
milhares de cidadãos indignados com o estado da política nacional.
Extasiados, sentiram o gosto da rua e bradaram aos céus seu ódio à
política. Mas numa das reviravoltas que só a vida política oferece, eles
ficaram nus. Ao propor exatamente aquilo que, consciente e
inconscientemente, a maioria dos manifestantes brasileiros exigia – a
reforma desse sistema político apodrecido – a Presidente Dilma levou os
eleitores corruptos de um estado de delírio a um estado de estupor.
Abandonando as ruas, esse câncer
brasileiro está agora em casa preocupado, assistindo movimentos sociais
dando a linha dos protestos e exigindo um plebiscito que pode, pela
primeira vez, dar um verdadeiro golpe na corrupção brasileira se proibir
o financiamento privado de campanhas. Erraticamente, afirmam que
plebiscito é autoritário, que consultar o povo é ditadura da maioria e
outras hipocrisias semelhantes.
Mas se este plebiscito de fato se
realizar, teremos a oportunidade de ver estes tristes personagens da
vida nacional desmascarados à nossa volta. Eles falarão que o estado
terá mais despesas ainda com o financiamento público de campanhas,
fingindo ignorar que o Brasil gasta muitas vezes mais com o
financiamento privado “retribuindo” com a corrupção às “doações” das
empresas. Eles falarão que ele não acabará com o caixa dois, fingindo
ignorar que os limites que serão estabelecidos às campanhas serão muito
mais estreitos e que denúncias de caixa dois (por alguns, finalmente,
sem rabo preso) serão muito mais frequentes. Eles falarão que isso não
acabará com a corrupção, fingindo não saber que o que se quer é somente
tornar possível a um político que não quer se corromper continuar na
vida pública.
E finalmente, sabendo que nada corrompe
mais a política do que as doações de empresas, ele votará contra o
financiamento público de campanhas. Mas a partir desse dia, uma coisa
estará conquistada na política brasileira, ganhando ou perdendo o
financiamento público. O direito sagrado de classificar qualquer
exemplar dessa classe de hipócritas com seu adjetivo predileto: o de
corrupto.
*Gustavo Arja Castañon é
doutor em psicologia e professor de filosofia da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde
mantém a coluna “Non abbiate paura“.
http://quemtemmedodademocracia.com/2013/06/29/gustavo-castanon-o-eleitor-corrupto-uma-maldicao-da-democracia-brasileira/