A Lei nº 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção, recuperação, organização e o funcionamento dos serviços de saúde, regulamentando o capítulo específico da Constituição Federal que trata da saúde.
A referida Lei, estabelece os princípios e diretrizes que orientam o acesso aos serviços de saúde, em todos os níveis de assistência, a integralidade da assistência, participação da comunidade, a descentralização dos serviços para os municípios, além da regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde, entre outros.
Assim, considerando a necessidade de garantir acesso de pacientes de um Município a serviços assistenciais de outro Munícipio e a importância da operacionalização de redes assistenciais de complexidade diferenciada, é que foi editada a Portaria nº 55, de 24 de fevereiro de 1999 que instituiu a rotina do tratamento fora de domicílio (TFD) no Sistema Único de Saúde – SUS.
O tratamento fora de Domicílio é um instrumento legal que permite, por intermédio do SUS – Sistema Único de Saúde, o encaminhamento de pacientes a outras unidades de saúde, a fim de realizar tratamento médico, desde que esgotados todos os meios de tratamento na localidade de residência e caso haja possibilidade de cura total ou parcial, limitado ao período necessário e aos recursos orçamentários existentes.
O programa oferece consulta, tratamento ambulatorial/hospitalar, previamente agendados; passagens de ida e volta - aos pacientes e se necessário, a acompanhantes, para que possam deslocar até o local onde será realizado o tratamento e após, retornarem a sua cidade de origem; além de uma possível ajuda de custo para alimentação e hospedagem do paciente e do acompanhante enquanto durar o tratamento, que, conforme dito, irá depender de cada caso.
Caso o Ente Público se negue a prestar tal serviço, há a possibilidade de exigir na justiça que o órgão municipal ou estatual, a depender da natureza do procedimento, forneça as condições para que o tratamento seja realizado fora do Município de origem.
Existem várias decisoes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nesse sentido, conforme transcrição das seguintes ementas:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REEXAME NECESSÁRIO - CONHECIMENTO DE OFÍCIO - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TRANSPORTE ESPECIAL - TRATAMENTO FORA DE DOMICÍLIO - NECESSIDADE COMPROVADA - FRALDA DESCARTÁVEL - MENOR COM DIAGNÓSTICO DE MIELOMENINGOCELE, PARAPLEGIA E BEXIGA NEUROGÊNICA - FORNECIMENTO GRATUITO DO INSUMO - DIREITO À SAÚDE - GARANTIA CONSTITUCIONAL - RECONHECIMENTO - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO.
- O art. 196, da CF/88, assegura que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
- Considerando que o direito à saúde, em razão de sua natureza - direito fundamental - se sobrepõe a qualquer tipo de regulamentação ou burocracia a inviabilizar o seu pleno exercício, não pode o ente público se eximir do cumprimento de seu dever, inclusive no fornecimento de transporte para tratamento fora de domicílio (TFD).
- Comprovada a necessidade do uso contínuo de fraldas pela menor interessada, bem assim sua hipossuficiência financeira, impõe-se a confirmação da sentença que cominou ao Município de Ribeirão das Neves o dever de dispensá-las.
- Sentença confirmada. (TJMG - Apelação Cível 1.0231.18.011076-0/002, Relator (a): Des.(a) Carlos Levenhagen, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/05/2020, publicação da sumula em 24/07/2020)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO. MUNICÍPIO DE CARMO DO PARANAÍBA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ARTIGO 37, § 6º, DA CR/88. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE FORA DO DOMICÍLIO / TFD. CONDUTA OMISSIVA DO MOTORISTA DA PREFEITURA. ABANDONO DOS AUTORES APÓS PROCEDIMENETO CIRÚRGICO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
I. Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público é objetiva, respondendo pelos danos causados pelos seus agentes.
II. Em conformidade com a Portaria SAS nº 055/1999, o Município é responsável pelo deslocamento dos pacientes e acompanhantes que são transportados de suas cidades para tratamento médicos em outras localidades.
III. Devidamente demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão da Administração Pública e o episódio vivenciado pelos autores, que foram abandonados na capital sem recursos financeiros para arcar com hospedagem após procedimento cirúrgico, sendo obrigados a retornarem de madrugada para a cidade onde residem com auxílio de "carona", impõe-se a manutenção do dever de indenizar, a título de danos morais, imposto à municipalidade.
IV. Atentando-se às condições econômicas das partes e à finalidade da reparação, revela-se adequada a manutenção do valor da indenização arbitrado na sentença, já que o foi de forma condizente com transtorno vivenciado, sem representar enriquecimento ilícito por parte dos ofendidos. (TJMG - Apelação Cível 1.0143.18.000638-7/001, Relator (a): Des.(a) Washington Ferreira, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/02/2020, publicação da sumula em 28/02/2020)
Dá análise do teor dessas decisões, infere-se que é pacífica a jurisprudência, ao considerar que o direito à saúde, em razão de sua natureza - direito fundamental - se sobrepõe a qualquer tipo de regulamentação ou burocracia que inviabilize o seu pleno exercício, não podendo o ente público se eximir do cumprimento de seu dever, inclusive no fornecimento de transporte para tratamento fora de domicílio (TFD).
Portanto, se o paciente preencher os requisitos para fazer jus ao TFD, os órgãos públicos devem, o quanto antes, providenciar o atendimento do paciente pelo programa. Caso assim não ocorra, o paciente pode recorrer ao judiciário para pugnar seu direito assegurado pelo Constituição Federal, ressaltando que a obrigação dos entes públicos é solidária, tendo em vista ser a responsabilidade mútua entre os entes da Federação para o custeio da saúde pública.
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