Sábado, 11/05/2024 - 19h00
Por João Gabriel | Folhapress
Uma semana antes das primeiras mortes no contexto das chuvas no Rio Grande do Sul, o Cemadem (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) alertou que o estado poderia sofrer com alagamentos e inundações em regiões urbanas.
O órgão é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
No dia em que o estado de calamidade nos municípios gaúchos foi reconhecido pelo governo federal, na segunda-feira (6), uma nota técnica do Cemadem apontava que a falta de estrutura de Porto Alegre para enfrentar as consequências das mudanças climáticas é conhecida desde há pelo menos um ano.
"A falta de resiliência de Porto Alegre frente aos extremos de clima e mudança climáticas foi detectada em 2023, e este é o caso de outras grandes cidades que podem não estar preparadas para extremos climáticos como os ocorridos em 2023 ou nas próximas décadas", diz o documento, obtido pela Folha.
Procurado, o Governo do Rio Grande do Sul elencou uma série de ações realizadas desde o último ano, incluindo o empenho de R$ 579 milhões para enfrentamento de desastres naturais e o incremento do orçamento da Defesa Civil.
Desde 2023, a gestão Eduardo Leite (PSDB) afirma que foram destinados quase R$ 40 milhões em auxílio para as famílias atingidas, R$ 120 milhões aos municípios afetados, R$ 20 milhões para urgências de saúde, R$ 2 milhões à escolas, R$ 60 milhões para reconstrução de estradas e mais R$ 200 milhões emergenciais no contexto da atual tragédia.
Também foram criados programas sociais, linhas de crédito e financiamento, cursos de capacitação, planos de ação de combate às mudanças climáticas, foi realizada a construção de moradias populares e a recuperação do solo afetado, visando a agricultura de baixo impacto.
Nesta semana, reportagem da Folha mostrou que o governo Leite alterou em torno de 480 normas do Código Ambiental do estado em seu primeiro ano de mandato, em 2019.
Há menos de um ano, em junho de 2023, 16 pessoas morreram após fortes tempestades no estado, que atingiram inclusive a região metropolitana de Porto Alegre, durante a passagem de um ciclone extratropical na região.
Três meses depois, um novo ciclone trouxe um quadro ainda mais grave, com 53 óbitos, dessa vez no interior do estado.
Já em novembro, novas chuvas atingiram diversas cidades gaúchas, inclusive a capital, causando inundações, mas sem mortes.
O Rio Grande do Sul sofre desde o final de abril com tempestades e inundações. Mais de cem mortes já foram registradas. São mais de 400 municípios atingidos, 150 mil desalojados e quase 70 mil desabrigados, segundo o monitoramento da Defesa Civil.
Os primeiros dois óbitos no contexto das tempestades foram registrados em 29 de abril, após um carro ser levado pela enxurrada.
Uma semana antes, o boletim geo-hidrológico do Cemadem, publicado no dia 22 de abril (com dados do dia anterior), avisou pela primeira vez sobre riscos na região.
O documento classificou o perigo na categoria moderada. Foi o primeiro de uma série ininterrupta de comunicados sobre riscos de enchentes.
O órgão ressaltou que as chuvas fortes poderiam "deflagrar alagamentos em áreas urbanizadas e com drenagem deficiente" no oeste do estado —portanto, ainda não na capital Porto Alegre.
No dia 24, o centro projetou possíveis "inundações bruscas" também em Santa Catarina e no Paraná.
Porto Alegre apareceu pela primeira vez no boletim de 26 de abril, portanto com informações da data anterior, já com possibilidade de alagamento em áreas mais baixas.
No dia seguinte, a área de risco, até então restrita a regiões específicas do estado, começou a aumentar significativamente, segundo os mapas produzidos pelo órgão.
O dia 29 constou: "Tem-se registrado incrementos de níveis dos rios em alguns locais, ainda dentro da normalidade, por conta das chuvas das últimas 24 horas".
Na data em que o governador Eduardo Leite decretou estado de calamidade pública, 30 de abril, o Cemadem elevou a classificação de risco para alta e expandiu a área de alerta para mais da metade do Rio Grande do Sul. Também incluiu, além dos alertas para inundações e enchentes, aviso para riscos de deslizamento.
A partir dos dados compilados, uma das funções do centro é emitir alertas para os municípios.
Uma nota técnica do órgão afirma que, até o dia 2 de maio, já tinham sido emitidos 67 avisos para diferentes municípios gaúchos, 18 deles de nível máximo (inclusive para Porto Alegre), tanto para alagamentos e enxurradas, quanto para deslizamentos de terras e quedas de barreiras.
Foi em nota técnica emitida no último domingo (5) que o Cemadem afirmou que a tragédia que assola o estado já era previsível, em razão dos mesmos fenômenos observados um ano antes, quando o Rio Grande do Sul também passou por inundações e enxurradas.
"Podemos afirmar que os desastres gerados por chuvas intensas são consequência de atividades humanas. Construções em áreas com risco de inundações, que já foram inundadas em setembro de 2023, voltaram a ser inundadas novamente em maio de 2024; porém, com maior número de fatalidades", disse o Cemadem.
"Estruturas hidráulicas que protegem a cidade de Porto Alegre não resistiram às ondas de inundações e se romperam, o que sugere que foram subdimensionadas ou que não se consideraram que os volumes de chuvas poderiam aumentar com o tempo."
O centro faz, finalmente, outro alerta: mais cidades já registraram, nos últimos três anos, cenários semelhantes ao de Porto Alegre. Notadamente, Petrópolis, no Rio de Janeiro, e Recife.
"Assim, as mudanças climáticas podem aumentar o cenário de risco de desastres em áreas urbanas do Brasil", conclui o órgão.