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quarta-feira, outubro 05, 2022

Como o novo Congresso irá reagir ao futuro presidente?




Analistas divergem sobre a governabilidade de Lula com Legislativo de tendência conservadora e alertam para riscos de avanço autoritário em novo governo Bolsonaro, a exemplo da Hungria.

Por João Pedro Soares

A consolidação dos grupos de extrema direita no Congresso Nacional foi um dos maiores destaques da eleição brasileira. Enquanto a direita liberal erodiu, candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) tiveram desempenho expressivo na Câmara dos Deputados e no Senado. Com o cenário do Legislativo desenhado, analistas começam a projetar como deverá ser a relação com o chefe do Executivo a partir de 2023, seja ele o atual mandatário ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Apesar da vantagem de 6 milhões de votos na disputa presidencial, o petista não viu a superioridade se espelhar no parlamento. Os partidos que compõem sua base de apoio elegeram 108 deputados. Com a adesão do PDT a sua candidatura no segundo turno, a soma chega a 125. O número representa cerca de um quarto da Câmara.

Já a base inicial de Bolsonaro somaria 187 parlamentares, com PP e Republicanos. O PL, do presidente, terá a maior bancada da Casa, com 99 deputados. A hegemonia do partido se reproduz no Senado, com 14 congressistas, à frente do PSD, com 11; MDB e União Brasil, com dez cada um, e o PT de Lula, com nove.

Em termos numéricos, a nova composição do Congresso apresenta um cenário desconfortável para o ex-presidente, especialmente pelo fortalecimento de uma direita hostil a Lula. Será um quadro bastante modificado em relação a governos anteriores do petista, que tinha o PSDB como principal força de oposição, enquanto parte expressiva da centro-direita integrava seu arco de alianças.

"A direita triunfou, e é um Congresso de direita. Um governo Lula, se for eleito, vai ter muitas dificuldades com o Congresso, muita resistência. O bolsonarismo estará muito presente na vida política brasileira nos próximos anos", avalia o pesquisador Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A leitura de Stuenkel é ecoada pela análise do cientista político Claudio Couto, também da FGV. "Não serão poucas as dificuldades. No caso do Senado, há uma presença ainda mais forte do bolsonarismo 'raiz'. Não são apenas políticos do Centrão que podem abandonar Bolsonaro em caso de mudança de governo", afirma o pesquisador.

Centrão pode migrar

A volatilidade do bloco de partidos fisiológicos conhecido como Centrão é justamente um dos fatores que leva o cientista político Alberto Carlos Almeida a divergir. O analista acredita que a base de apoio de Lula chegaria rapidamente a 200 deputados – com políticos do partido de Bolsonaro, inclusive.

"O PL tem, sim, muitos bolsonaristas lá dentro. Mas também há muitos deputados que preferem estar ao lado do governo. Isso também se aplica ao União Brasil e outros partidos. O apoio de legendas que se aliam a Bolsonaro de maneira pouco entusiasmada, como o MDB e o PSD do Kassab, ampliaria ainda mais essa base. O mesmo vale para o Senado", comenta.

Em linha com Almeida, o pesquisador João Feres, cientista político vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), avalia que o ex-presidente não enfrentaria problemas de governabilidade em um terceiro mandato.

"Lula tem todas as condições de governar. Só haveria problemas para passar pautas muito progressistas, já que é um Congresso conservador. Mas o Lula é um sujeito super hábil para trabalhar esse tipo de coisa. Não vejo riscos de esse desenho do Congresso causar instabilidade política", assinala.

O exemplo de Viktor Orbán

Caso seja reeleito, o presidente Jair Bolsonaro teria uma situação bem mais favorável no Congresso do que no início de seu primeiro mandato, quando tentou governar sem uma base de apoio sólida.

"O cenário é totalmente diferente. Bolsonaro não só fez uma coalizão com o Centrão, como conseguiu ampliá-la com os resultados eleitorais deste ano. Ele já começaria um segundo mandato com uma base de sustentação fortalecida no Legislativo", avalia Claudio Couto, da FGV.

Com o respaldo da reeleição e o parlamento a seu favor, Bolsonaro teria mais espaço para avançar em uma agenda autoritária. Entre os analistas, há um receio de que o presidente siga o exemplo do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que modificou regras institucionais para fortalecer o seu próprio poder.

"Bolsonaro já deu vários sinais de que seguiria essa receita para implantar o seu próprio regime autoritário por aqui. É o grande perigo que nós corremos", diz Couto. O cientista político alerta para o risco de ataques ao poder Judiciário, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal (STF).

"Temo por uma alteração constitucional para ampliar o número de ministros do Supremo e, assim, fazer uma Corte bolsonarista. Ou seja, o presidente não ficaria restrito aos dois ministros que pode vir a indicar, caso seja reeleito, e poderia ampliar esse número para ter uma maioria que lhe fosse subalterna", avalia.

A articulação no 2º turno

Com o início do segundo turno, tem crescido a expectativa por acenos de Lula à direita, com vistas a ampliar o arco de alianças ainda na eleição. Nesta terça-feira (04/10), a The Economist defendeu que o ex-presidente "se mova para o centro" a fim de evitar um novo governo de Bolsonaro, que "seria ruim para o Brasil e o mundo", na visão da tradicional revista britânica de orientação liberal.

"Lula pode decidir nomear para ministro da Economia alguém como o [Henrique] Meirelles, ou então dizer que nomearia alguém com esse perfil. Ele deve enfatizar ainda mais as suas tentativas de se aproximar do voto evangélico e do agronegócio. De repente, dizer que irá indicar um representante do agro como ministro da Agricultura", projeta Oliver Stuenkel, da FGV.

Em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (03/10), Guilherme Boulos (Psol-SP) defendeu que o ex-presidente solidifique sua base de apoio à esquerda para garantir a votação que recebeu no primeiro turno. Eleito deputado federal com a maior votação de São Paulo, Boulos foi coordenador da campanha de Lula no estado.

"Francamente, não acho que o Lula ganhe um voto aderindo à agenda da Faria Lima. E pode perder muitos. O voto do Lula é um voto popular", afirmou. "Você tem que se manter com essa agenda, justamente para manter esse público e manter esses votos."

Em linha com a estratégia reivindicada por Boulos, o cientista político Alberto Carlos Almeida acredita que o movimento de Lula em direção ao centro deverá ser observado com mais ênfase após uma eventual vitória no segundo turno.

"Ele não irá fazer sinalizações, no segundo turno, com o objetivo de tentar construir essa base. Isso é algo feito após a eleição, na formação de ministério, nas conversas pós-eleitorais", comenta.

Enquanto Lula e o PT discutem estratégias para ampliar o arco de alianças no segundo turno, Bolsonaro tem avançado na busca por alianças regionais. O candidato à reeleição já recebeu o apoio do senador eleito Sergio Moro (Podemos); dos governadores reeleitos Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, além do atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), fora do segundo turno no estado.

Deutsche Welle

Hora de limpar os destroços da eleição




'O Diálogo Possível', de Francisco Bosco, propõe acordo entre as concepções de liberdade da esquerda e da direita.

Por João Pereira Coutinho (foto)

Tem uma certa graça: o Brasil em estado febril com a eleição presidencial e eu aqui, ao longe, lendo o livro de Francisco Bosco, O diálogo possível: Por uma reconstrução do debate político brasileiro (Todavia), um tratado de racionalidade e moderação sobre o presente e o futuro do país. Pareço um maluco, no meio da tempestade, segurando uma vela e protegendo a sua chama frágil. Há destinos piores.

Mas regresso ao livro. Como é bom ver que existe pensamento esclarecido no Brasil! O livro de Bosco é, tão só, uma tentativa de limpar as palavras que se usam e abusam no debate político e apontar um caminho para fora do lamaçal. Sobre a limpeza, o autor tem razão: a construção do mundo começa com a linguagem. Como imaginar um futuro partilhado para o Brasil quando esquerda e direita constroem imagens do inimigo (no sentido schmittiano do termo) que, para além de deformantes, são sobretudo malignas?

Não vale a pena perder tempo sobre o significado real, histórico, filosófico, de “comunismo” e “fascismo”. A bibliografia sobre o assunto, que poucos leem, é vasta e profícua. Mas quem pensa que o Brasil, depois desse primeiro turno, se divide entre comunistas e fascistas está obviamente num estado de alienação tal que só a psiquiatria pode resolver.

Eis a primeira premissa de Bosco: baixar a temperatura do debate e explicar como a polarização de hoje é um produto da irresponsabilidade institucional de PSDB e PT. Os governos de ambos sempre foram marcados pela continuidade, ainda que distintos no modus operandi: o PSDB implementando as políticas públicas e fiscais que dariam corpo real às aspirações da Constituição de 1988 (simplificando, um Estado de bem-estar social) e o PT aprofundando e ampliando essas políticas.

Fatalmente, a retórica cedo começou a deformar a realidade. O PSDB, considerado “neoliberal” pelo PT; e o PT, a partir da primeira eleição de Lula, pintado com as cores do radicalismo. A corrupção dos anos posteriores completou a demonização da esquerda, mesmo que essa mancha não tenha prerrogativa ideológica, como lembra Bosco.

O resultado é esse ambiente de ficção em que sempre encontrei o país nesses últimos 20 anos: amigos de direita dizendo que o Brasil seria a próxima Cuba e amigos de esquerda declarando, com náusea, que metade dos seus concidadãos usava uma suástica no braço. Seria para rir se as consequências não fossem tão dramáticas.

Francisco Bosco quer menos dramatismo e, na melhor parte do livro, explica o que entende pelo seu centro vital. Não, não é o centro pragmático em que todos conciliam os seus interesses. Também não é o Centrão fisiológico, patrimonialista e invariavelmente corrupto que só a disfuncionalidade do sistema político brasileiro permite. É um centro onde duas concepções de liberdade podem ser acomodadas, tal como Isaiah Berlin recomendava. Por um lado, a liberdade negativa que permite aos indivíduos agirem (ou não) sem serem intencionalmente coagidos pelo Estado; por outro, a liberdade positiva, que capacita esses mesmos indivíduos a exercerem essa liberdade.

Fins incompatíveis? Sim, se levados até sua expressão máxima, tal como defendem os fanáticos. Nas sociedades reais em que vivemos, o que existe são compromissos. Isso significa, em linguagem prosaica, que talvez o Brasil deva ser mais de direita para baixar a sua carga tributária alta e os seus gastos públicos imensos; e também mais de esquerda, ao combater a desigualdade brutal, os seus serviços públicos ineficientes e a sua tributação regressiva. Pois é, ninguém disse que era fácil.

No fundo, percorrendo o trajeto normal dos liberais modernos (ou sociais, ou progressistas, ou de centro-esquerda), Francisco Bosco entende que o espírito do liberalismo não se encerra na oposição ao abuso e ao privilégio políticos (sua função clássica, digamos, e fim primeiro da democracia liberal e representativa). É preciso ir mais além, trazendo para o Brasil do século 21 o que a Europa implementou no século 20: direitos sociais de cidadania efetivamente universais.

“O intelecto humano é impotente contra a vida pulsional”, dizia Freud, citado pelo autor. Mas também acrescentava: “A voz do intelecto é baixa, mas ela não descansa enquanto não receber atenção”. Que este livro possa receber a atenção que merece depois de 30 de outubro. Quando chegar a hora de limpar os destroços.

Folha de São Paulo

Bolsonaro ampliou mais ao centro do que Lula




Por Luiz Carlos Azedo 

Formar uma frente ampla é muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda política liberal

Tanto as eleições para governador no Sudeste, principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas, como as eleições para o Senado, igualmente majoritárias, mostram que a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região foi menor do que se estimava e que a política de alianças do presidente Jair Bolsonaro nesses estados foi mais soft do que se imaginava. Ambos serviram como alavanca para as eleições dos candidatos proporcionais de seus respectivos partidos, mas o PL passou de 76 para 99 deputados, enquanto o PT saltou de 56 para 68 representantes na Câmara, embora Lula tenha tido mais de seis milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro.

Os resultados eleitorais, principalmente no Sudeste, mostram que Lula não ampliou suas alianças o quanto era preciso, apesar da escolha do ex-governador tucano Geraldo Alckmin para vice. Houve vários episódios em que isso ficou evidente, como na negativa de conversa com o ex-presidente Michel Temer, que poderia ser o movimento que faltava para evitar a consolidação da candidatura de Simone Tebet e o MDB apoiá-lo formalmente na eleição. O fato de o PT e seus aliados falarem repetidamente em frente ampla não significou que ela tenha existido realmente, o que houve foi uma frente de esquerda, que se julgava forte o suficiente para levar a eleição de roldão no primeiro turno.

Para usar parâmetros históricos que possam ilustrar essa distinção, podemos citar a frente democrática formada pelo PSD, o PTB e o clandestino PCB, em 1955, para eleger o presidente Juscelino Kubitschek, que mesmo assim não foi suficiente para obter a maioria absoluta dos votos válidos, pois recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora. Ou seja, a esquerda apoiou o candidato conservador. Frente ampla se formou contra o general Castelo Branco quando as eleições de 1965 foram suspensas. Carlos Lacerda (UDN), que havia sido o grande artífice do golpismo udenista; Juscelino, que apoiou a destituição do governo; e João Goulart (PTB), o presidente deposto, no exílio, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade, formaram uma frente ampla de oposição. Lacerda e Juscelino foram cassados, e os militares mudaram as regras do jogo, acabando com qualquer possibilidade de redemocratização, com a proibição da Frente Ampla e a adoção do Ato Institucional nº 5.

Formar uma frente ampla é muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda política liberal na política, fazer concessões na economia e reduzir a profundidade das propostas sociais. Lula não manifestou no primeiro turno nenhuma intenção de fazer essas concessões, sempre avaliou que o esvaziamento da chamada terceira via, por meio do voto útil, resolveria essa questão em seu favor. Não foi o que aconteceu.

Triângulo das Bermudas

Houve tentativas de costurar uma aliança entre o governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o presidente Lula nas eleições de São Paulo, mas essas articulações, para formação de uma frente ampla em São Paulo, nunca foram levadas a sério, porque a questão teria sido resolvida com a presença de Alckmin na chapa de Lula. Acreditava-se que o favoritismo do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad seria confirmado nas urnas, mas não foi o que aconteceu. O candidato de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, um carioca que caiu de pára-quedas nas eleições paulistas, virou o primeiro turno em ampla vantagem. Uma parcela dos eleitores de Garcia, derrotado por antecipação, fez a baldeação para o candidato de Bolsonaro já no primeiro turno; agora, é muito mais difícil atrair os demais para uma aliança com Haddad, porque Tarcísio lidera com ampla vantagem na disputa de segundo turno.

No Rio de Janeiro, não foi muito diferente. Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado André Ceciliano (PT), candidato ao Senado, foi o fiador do governo de Cláudio Castro, que assumiu a gestão após a cassação de Wilson Witzel, sem nunca antes ter disputado um cargo majoritário. Essa aliança foi rompida quando Lula apoiou a candidatura do deputado federal Marcelo Freixo, seguindo a lógica da frente de esquerda. Se a aliança fosse mantida, seria possível a neutralidade de Castro, que descolou sua campanha de Bolsonaro, facilitando a vida de Lula. Mas uma aliança desse tipo é inimaginável para a esquerda carioca e o PT. Ou seja, a frente ampla não se viabiliza na prática. Agora, Lula procura Castro, mas é leite derramado.

Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) assumiu uma posição de neutralidade nas eleições, diante do fato de que Lula mantinha ampla vantagem no estado. As condições para uma aliança entre os dois estavam dadas pelo posicionamento da maioria esmagadora dos eleitores, mas Lula preferiu apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, na expectativa de que o levaria ao segundo turno e transferiria seus votos, o que aconteceu, mas não na escala necessária. Zema venceu no primeiro turno e já anunciou que vai dar uma força para Bolsonaro em Minas.

Com as posições bem definidas nos estados do Sul e Centro-Oeste, a favor de Bolsonaro, e do Norte e Nordeste, com Lula, a disputa da maioria dos eleitores nos estados do Sudeste, o chamado Triângulo das Bermudas, decidirá as eleições. Bolsonaro venceu no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Espírito Santo; Lula em Minas.

Correio Braziliense

Centrão mantém domínio político na Câmara e será desafio de futuro governo




Cobiçado pelo tamanho e poder acumulado no Congresso, o Centrão manteve a força política na Câmara nesta eleição e deve iniciar a próxima legislatura ocupando mais de 240 cadeiras na Casa, ou 47% dela. Com uma bancada de maioria pró-governo, a nova composição indica cenário vantajoso para o presidente Jair Bolsonaro (PL), mas especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que a atuação deste bloco nos próximos quatro anos pode modular de acordo com o presidente que for eleito.

No governo Bolsonaro, essa frente ganhou ainda mais força ao se tornar não apenas o fiel da balança nas negociações com o Executivo, mas tomar para si o poder decisório sobre o Orçamento Público.

De 2019 para cá, o grupo passou a atuar de forma mais coesa e se estabilizou principalmente após o embarque de Bolsonaro no PL. A base do núcleo se formou ao redor de PL, Republicanos e PP. Outros partidos também votaram com o governo em diversas ocasiões, como Patriota, PTB, PSC e PSD - todos contabilizados no levantamento feito pelo Estadão e que atuam como um Centrão ampliado.

Em 2018, Bolsonaro havia sido eleito com uma base mais enxuta, de 112 deputados, com discurso contrário a este grupo de parlamentares.

Em um novo governo Bolsonaro, o Centrão pode se tornar mais autofágico e acumular poder a partir da relação que já estabeleceu com o presidente, apontam os especialistas. Além disso, a reeleição "zera as contas" dos conflitos com o União Brasil, legenda que abriga o PSL, de antigos aliados do presidente. Por isso, o diálogo e apoio dessas legendas será decisivo para a governabilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou do atual presidente em um próximo mandato.

No caso de um novo governo petista, o grupo vira um desafio, mas não deve entrar na oposição de forma automática. A federação PT, PCdoB e PV - que atua junto no Congresso - conta com 19 cadeiras a menos que o PL, que agora tem 99. A dificuldade será maior para o petista se a fusão entre o União Brasil e o PP se confirmar, movimento já indicado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP). Isso deixaria o Centrão com 300 cadeiras.

A coligação petista, porém, soma 121 parlamentares eleitos por partidos de sua coligação. Lula tem repetido em sua campanha que quer dialogar com todos os partidos. O PSD, por exemplo, pode desembarcar da proximidade que criou com o bolsonarismo em um eventual governo do PT.

O PT também tenta ampliar alianças dentro do MDB e do próprio União Brasil, além de abrir diálogo com o PSDB e Cidadania. A ideia de Lula é fechar alianças para reverter a hostilidade contra seu nome. A aposta é que a governabilidade não ficaria comprometida se houver embarques no que chama de frente ampla.

DESAFIOS

A cientista política Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas Questiona se, na eventualidade de Lula ser eleito, o PL vai conseguir uma coesão perfeita entre toda a sua bancada de 100 parlamentares para formar uma oposição.

Já Bolsonaro, por não ter construído uma coalizão com bases partidárias sólidas no atual governo, também pode ter uma governabilidade custosa. "A bancada eleita do PT também foi muito relevante. Ele (Bolsonaro) vai precisar despender mais recursos para manter essa governabilidade, que é uma governabilidade cara, por meio do orçamento secreto", afirma Graziella.

De toda maneira, é de interesse do Centrão manter-se aliado com o governo. "O Centrão quer ser governo, quer estar próximo do recurso e levar o recurso para suas bases, sobretudo", completa.

"Sempre vão existir partidos políticos fisiológicos. Arthur Lira, como presidente da Câmara, teve atuação de aglutinar e aprovar todas as ideias, projetos e arranjos do presidente Bolsonaro em troca de regalias como o orçamento secreto vem nessa linha", diz a cientista política e professora da PUC-SP Vera Chaia.

Estadão / Dinheiro Rural

2º turno tende a reordenar apoios de Lula e Bolsonaro - Editorial




Na euforia, mercados não levaram em consideração a perda de controle orçamentário e a baixa propensão à austeridade do Congresso eleito

Os partidos de direita aliados ao presidente Jair Bolsonaro avançaram no Congresso e tornarão mais difícil a um governo com tendência de esquerda, como seria o de Lula se ganhar as eleições, obter apoio a seus projetos. Uma vitória no segundo turno de Bolsonaro, porém, abriria um caminho com menos obstáculos para sua tarefa de depredação das instituições democráticas. Os mercados comemoraram o resultado do primeiro turno, baseados mais na primeira hipótese - a de que o Congresso será contrapeso a eventuais medidas radicais que um governo Lula possa tomar. A segunda hipótese, aparentemente, não foi levada em conta.

Lula precisava de um pouco mais de 1,8 milhão de votos para vencer no primeiro turno. Deverá ir buscá-los agora nos mesmos endereços que, se for bem-sucedido, poderão ajudá-lo a governar e conduzir a uma correlação de forças mais favorável no Congresso - no MDB, no PDT e PSD, de Gilberto Kassab, ex-ministro de Dilma Rousseff. Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram 8,5 milhões de votos no primeiro turno, e Lula precisará de menos de um quarto desses votos para ganhar a eleição.

Consolidada, a coalizão entre PT e partidos de esquerda (Psol, PSB, Rede) e o centro (MDB e PSD) lhe daria uma força parlamentar de 227 deputados. Uma aproximação bem-sucedida aos tucanos, pouco provável, elevaria seu cacife para 245 parlamentares, ainda menos da metade dos 513 deputados.

A situação de Bolsonaro, se eleito, seria mais confortável. O núcleo dos partidos de direita que o apoiam (PL, PP e Republicanos) soma 205 deputados. O PP busca fusão com o União Brasil, que, se ocorrer, traria mais 59 parlamentares a uma base governista de 264 deputados, mais da metade da Câmara. Um acerto com o PSD, que dá aval a boa parte dos projetos de Bolsonaro, e com o Podemos construiria uma frente de 318 deputados, número perto dos dois terços necessários para aprovar um pedido de impeachment.

O PL, de Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, ao qual Bolsonaro se filiou, foi o partido que mais cresceu, tornando-se a maior legenda da Câmara, com 99 deputados. O bloco que apoia Bolsonaro adquiriu força suficiente para, mesmo com a derrota do presidente no segundo turno, manter na presidência da Câmara o deputado Arthur Lira (PP). Esse é um dos grandes problemas que Lula terá de enfrentar para restabelecer o poder de influência do Executivo sobre o Legislativo, drasticamente reduzido por Bolsonaro, que terceirizou o comando político para o Centrão.

Isto significa, em primeiro lugar, que Lira manterá o terreno orçamentário já conquistado e, em segundo lugar, as emendas do relator (orçamento secreto), a que o parlamentar atribuiu ontem virtudes que não têm: transparência e licitude. Lira foi direto ao ponto, um dia depois do primeiro turno. “É o orçamento feito pelos parlamentares ou voltar para a época do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional”. São dois esquemas que conduzem à corrupção e malversação de recursos, mas Lira tem predileção pelo primeiro, porque tem controle sobre ele, entre outras coisas.

É essa mistura de perda de controle orçamentário e de baixa propensão à austeridade do Congresso eleito que não parece ter sido considerada na euforia dos mercados ontem, quando a Bolsa subiu 5,5% e o dólar recuou mais de 4%. O mesmo anteparo que impediria medidas radicais de Lula pode ser o que também abortaria tentativas sérias de austeridade fiscal e de equilíbrio orçamentário - uma amostra é o orçamento de 2023.

Ainda que revigorado, Bolsonaro tem dura batalha pela frente: 6 milhões de votos de dianteira de Lula, a melhor votação do PT em primeiro turno. Bolsonaro quer contar com o apoio de Romeu Zema, reeleito como governador de Minas Gerais, e Cláudio Castro, governador do Rio, que nada teriam a perder com apoio explícito ao presidente no segundo turno. Isto poderia reverter a vantagem de Lula em Minas, segundo maior colégio eleitoral (de 48,2% a 43,6%) e ampliar a dianteira de Bolsonaro no terceiro maior colégio (onde venceu por 51% a 40,6%).

A surpresa do primeiro turno no quinto maior colégio eleitoral, Rio Grande do Sul, lhe dará palanque no Estado em que seu ex-ministro Onyx Lorenzoni é agora o favorito. A batalha principal será travada em São Paulo, onde Tarcísio de Freitas ultrapassou Fernando Haddad, garantindo um apoio vital no Estado com o maior número de eleitores no país.

Valor Econômico

Eleições 2022: por que eleitor 'desconfiado' virou desafio para institutos de pesquisas no mundo




Nos EUA, relatório apontou hipótese de que certos grupos cruciais para a eleição de Trump simplesmente não estavam participando das pesquisas

Por Pablo Uchoa,  De Londres 

Os institutos de pesquisa de opinião estão sendo alvo de pesadas críticas, e não apenas no Brasil. Também nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre outros países, as mudanças de comportamento do eleitorado e o surgimento de um eleitor desconfiado do sistema criaram um desafio para capturar essa base demográfica.

Nos EUA, a Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública publicou em 2021 um relatório abrangente tentando entender as razões por que as pesquisas indicavam liderança da democrata Hillary Clinton na eleição de 2016, quando ela acabou perdendo no colégio eleitoral para Donald Trump.

Em 2020, os institutos erraram ainda mais feio ao mostrar o democrata Joe Biden confortavelmente à frente de Trump em alguns Estados-chave, que no fim se revelaram vantagens muito mais apertadas. As margens de erro nas duas semanas finais da corrida foram as mais altas em 40 anos, chegando a 5 pontos percentuais, em média, nas pesquisas presidenciais por Estado. Em geral, as sondagens subestimaram o voto no partido Republicano e superestimaram os Democratas.

Várias razões foram dadas para tentar explicar essa diferença, mas o relatório não encontrou evidência para comprovar nenhuma das mais citadas — por exemplo, um suposto "voto envergonhado" em Trump, uma suposta decisão tardia dos eleitores de votar no republicano, ou uma má representação do eleitorado em termos de idade, raça, etnia, orientação sexual ou nível educacional.

O que explicava, então, o erro das pesquisas?

Politização das sondagens

A hipótese mais plausível, segundo o relatório, trouxe pouco alívio para os pesquisadores: a de que certos grupos cruciais para a eleição de Trump simplesmente não estavam participando das pesquisas.

O fenômeno Trump havia criado uma nova forma de eleitor descontente com o sistema, crítico das instituições políticas e desconfiado das pesquisas eleitorais. "Trump indicou explicitamente aos seus apoiadores que as pesquisas eram "fake" e tinham como objetivo suprimir votos. Estas declarações de Trump podem ter transformado a participação nas sondagens em um gesto político, pelo qual seus apoiadores mais ferrenhos optariam por não responder às pesquisas," disse o relatório.

O problema criava uma representação enviesada dos eleitores republicanos. "Não se sabe se os republicanos que responderam às pesquisas votaram de forma diferente daqueles que não responderam", disse o relatório.

Assim, se os eleitores de Trump fossem menos propensos a participar das pesquisas, os republicanos que responderam aos institutos de pesquisa de opinião teriam opiniões mais moderadas, turvando a compreensão dos pesquisadores sobre este eleitorado. "Mesmo que a porcentagem correta de republicanos tenha sido respeitada, as diferenças entre os republicanos que responderam e não responderam às pesquisas poderiam produzir o erro de sondagem observado," disse o relatório.

O problema com essa hipótese é a dificuldade de comprová-la: para sabê-lo com certeza, seria preciso ouvir os eleitores que, por definição, não conversaram com os pesquisadores.

O desafio de alcançar o eleitor

Há algum tempo os institutos de pesquisa americanos já tentam contornar o problema das baixas taxas de resposta em pesquisas eleitorais.

Em 2019, por exemplo, o Pew Research Center publicou um levantamento afirmando que a taxa de resposta nas pesquisas por telefone havia caído para apenas 6% — em outras palavras, os pesquisadores só conseguiam completar as pesquisas com 6% dos lares contatados aleatoriamente nas suas amostras. Isso porque muitos adultos sondados se recusavam a participar das pesquisas, fartos com o alto número de chamadas de telemarketing ou receosos de serem vítimas de fraude.

De acordo com a sua metodologia, cada pesquisa tem limitações específicas e isso se aplica em vários contextos: tradicionalmente, por exemplo, a pesquisa telefônica não consegue atingir os grotões onde o sinal de comunicação é fraco, enquanto a pesquisa presencial tem dificuldade de sondar os condomínios fechados. Hoje, com a penetração da internet, as pesquisas online se tornaram mais comuns, mas elas dependem de painéis de eleitores que se voluntariam para participar das pesquisas — o que também pode levar à representação enviesada do eleitorado.

Além disso, as sondagens eleitorais se propõem a fazer um retrato instantâneo do momento político, por isso são conduzidas em intervalos de poucos dias, com poucas tentativas feitas para alcançar os indivíduos selecionados para a amostragem.

Para corrigir estas distorções, os institutos de pesquisa ajustam os resultados das suas amostragens para tentar extrapolar as conclusões para a população geral com o maior grau de precisão possível. O efeito disso tem sido claro no Reino Unido, onde as sondagens subestimaram o voto conservador nas eleições de 2015 e o voto trabalhista em 2017.

"Diferença de votos entre Lula e Bolsonaro foi menor do que a prevista"

"Uma das questões bem conhecidas aqui é que parece ser mais fácil entrevistar eleitores trabalhistas," disse à BBC News Brasil John Curtice, professor da Universidade de Strathclyde, na Escócia, pesquisador-sênior do instituto NatCen e presidente do Conselho Britânico de Pesquisas de Opinião.

Uma explicação seria a motivação dos trabalhistas para participar do jogo político, em contraste com os conservadores, mais interessados em cuidar da sua vida privada. Embora essas categorias já não sejam tão claramente visíveis, o fato, segundo Curtice, é que "se você tiver dois dias para fazer uma sondagem eleitoral, você simplesmente achará mais fácil conseguir eleitores trabalhistas".

Até as eleições de 2015, as sondagens tendiam a exagerar o voto trabalhista. Depois de sofrerem críticas, os institutos de pesquisa de opinião ajustaram suas metodologias e "exageraram na dose" em 2017, diz Curtice. Em 2019 os resultados foram mais próximos do verificado nas urnas.

Novas frentes de batalha

Mas as novas frentes de batalha que surgiram na política criaram uma mudança nas atitudes políticas, dificultando o trabalho dos institutos de pesquisa. O plebiscito que culminou com a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, foi ilustrativo nesse sentido.

Até então, as eleições britânicas eram pautadas por uma divisão clássica entre esquerda e direita, em torno de perfis de classe social, sendo o papel do governo na economia um tema central. Em 2016, a imigração se converteu em tema central, e as frentes de batalha passaram a ser sociais e culturais.

"Foi uma divisão entre liberais e conservadores em questões sociais," qualificou Curtice em um artigo analisando o mau desempenho das sondagens à época. "Os primeiros tendem a se sentir confortáveis com a diversidade que acompanha a imigração, enquanto os últimos preferem uma sociedade na qual as pessoas compartilhem os mesmos costumes e cultura."

As linhas divisórias já não eram classe social ou opiniões sobre o papel do Estado na economia, mas idade e grau de educação. Os mais jovens e com mais educação tendiam a compor o estrato liberal e votar a favor de permanecer na União Europeia. Já os mais velhos/menos educados eram mais conservadores e propensos a votar pelo Brexit.

Quantificar essas novas dimensões do eleitorado, especialmente numa situação sem precedentes como fora o plebiscito do Brexit, é como tentar ajustar a rota de percurso com o avião em pleno voo. Como aponta Curtice, as mudanças podem requerer modificações na amostragem, nos dados coletados e na forma como esses dados são pesados e considerados. Nem sempre estes dados, ou indivíduos, estão disponíveis na rapidez e na proporção que a corrida eleitoral exige.

"É muito difícil fazer essas coisas de imediato. Eu sei, eu entendo os jornalistas que querem saber no dia seguinte, por que as pesquisas erraram? Bem, dê aos institutos seis meses para descobrir e talvez você consiga a resposta," diz Curtice. "No caso dos EUA, após meses de investigação, eles ainda não conseguiram descobrir."

BBC Brasil

O aftermath das eleições brasileiras - vencedores e derrotados



O controle legislativo de ambas as Câmaras por parte da direita marca a continuação do bolsonarismo na política brasileira, independentemente do resultado do próximo dia 30 de outubro. 

Por João Pires (foto)

As eleições do passado dia 2 de outubro traçaram um cenário peculiar e inesperado no contexto político e partidário brasileiro. Se a segunda volta era, de alguma forma, esperada, a resiliência do Bolsonarismo demonstrou uma face transversal e menos personalista nas eleições para o Senado e para a Câmara dos Representantes, e a Direita apresentou uma dinâmica de vitória que irá pautar a agenda legislativa nos próximos 4 anos e que, em caso de uma eventual vitória de Lula na segunda volta, irá exigir um apelo à governabilidade do passado de uma forma muito mais sistemática. Entre dois populistas, as eleições brasileiras foram, como todas, com derrotados e vencedores, com um pano de fundo interessante – a reduzida tensão política em termos de confrontos.

O Brasil atravessa, hoje, um dos períodos políticos mais conturbados da sua recente democratização. A vitória de Bolsonaro, em 2018, representou um corte com uma governação de Lula e Dilma que culminou num processo de impeachment desta e que foi seguida por um período, não legitimado do ponto de vista democrático e de oblíquo apoio popular, de Michel Temer e do PMDB, marcando uma dinâmica de rutura com a «velha Política» que governou o «quase-continente» durante todo este período. Após 4 anos de significativas polémicas e da acentuação de uma polarização, reforçada por uma política interna mobilizada por apenas dois vetores, desde a descondenação de Lula por parte do STF e por uma governação combativa do (ainda) atual Presidente, a longa estrada trilhada em direção ao momento eleitoral de 2022 avizinhou-se uma das menos institucionais e mais agressivas do período da democratização. As eleições brasileiras foram claras nesse sentido – e declararam vencedores e vencidos.

Os vencedores – o bolsonarismo em contexto legislativo e estadual, a Direita, de uma forma mais geral (e moderada) e a Lava-Jato

Os vencedores da noite eleitoral foram os candidatos bolsonaristas em contexto legislativo e estadual, com a eleição de 99 deputados pelo Partido Liberal no contexto da Câmara dos Representantes e com desempenhos acima das expectativas por parte de aliados cruciais do atual Presidente – como a vitória de Onyx Lorenzoni no contexto das eleições para o cargo de Governador no Rio Grande do Sul, a reeleição de Cláudio Castro para o governo de um dos Estados mais relevantes do País e a vitória de Tarcísio de Freitas no contexto paulista. Mesmo apesar do compasso de espera anexado à necessidade de segunda volta para alguns aliados cruciais do Presidente Bolsonaro, a expressão das suas votações em contexto de primeira volta denota um enraizamento maior deste fenómeno no contexto estadual quando comparado com o PT e demonstram um alinhamento com a agenda política levada a cabo pelo Presidente durante o último mandato.

Assim, o controlo legislativo de ambas as Câmaras por parte da Direita e, concretamente, com uma grande influência de candidatos assumidamente conotados com o candidato paulista pautam a manutenção de uma agenda legislativa que lhe é favorável, marcando uma composição institucional muito aguerrida no caso da eleição do ex-Presidente Lula em segunda volta e marcando a continuação do Bolsonarismo na política brasileira, independentemente do resultado do próximo dia 30 de outubro, com uma projeção para os próximos 4 a 8 anos que poderá, num contexto futuro, mobilizar um dinamismo de reação à maquina institucional do Partido dos Trabalhadores e da restante esquerda brasileira e manter uma competitividade, conforme afirmava Mudde, ainda mais acentuada nesse período do que no âmbito político atual, especialmente face a um possível desgaste das principais figuras de esquerda, que se alinham, na contemporaneidade, excessivamente em torno de Lula, como Haddad.

Numa última nota, a eleição de Sérgio Moro para o Senado pelo Paraná, com a derrota do candidato do PL Paulo Martins, e a eleição, em primeiro lugar, de Deltan Dallagnol, em superioridade em relação a nomes sonantes como Gleisi Hoffmann afirmam a resiliência e a integridade, aos olhos dos paranaenses (e do restante Brasil), do processo Lava-Jato e do combate à corrupção em grande escala no Brasil, contando, agora, com dois quadros de peso no poder legislativo com uma agenda extremamente válida nesse sentido e que poderá projetar uma terceira via no curto-prazo, em função do desempenho dos dois parlamentares em ambas as Câmaras e em função da manutenção do seu maior (ou menor) ímpeto jurídico durante os 8 (ou 4) anos dos seus mandatos.

Os derrotados – o Partido da Social Democracia Brasileira e as sondagens

O principal derrotado da noite terá de ser, certamente, o PSDB, que cai como vítima da crescente polarização e da traição bruteana de um dos seus quadros mais importantes – agora vice da candidatura do ex-presidente de Pernambuco, Geraldo Alckimin – e que, por consequência, perde o seu bastião mais importante desde 1994 – o Governo de São Paulo – com um pobre terceiro lugar de Rodrigo Garcia. A somar a este resultado desastroso, os tucanos conseguem uma segunda volta menos confortável do que o esperado no Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite a apresentar um resultado abaixo do esperado para um incumbente, e não elegem qualquer senador, o que confirma uma perda chocante de prevalência no poder legislativo em função da pequena bancada de 13 deputados na Câmara dos Deputados, colocando em causa o futuro do Partido e, no fundo, mostrando que a sigla se apresenta cada vez menos adaptada, como terceira via, a um cenário profundamente bipolar na Política Brasileira, sem a característica centrista distintiva dos peesedebistas.

Outrossim, as sondagens apresentaram novo falhanço chocante – e com possível influência nos resultados da primeira volta, em Estados de dimensão significativa, como São Paulo, e a nível nacional. Se as razões para este falhanço são algo incertas, apontando-se um eleitorado profundamente descrente nestas e possibilitando-se a concretização de uma profecia auto-cumprida como possibilidade mais premente, as entidades reguladoras deste tipo de procedimentos, em linha com exemplos norte-americanos e europeus, deverão repensar o seu papel e o seu modo de atuação, reforçando-se metodologicamente ou preservando-se, à semelhança de Itália, com um fim mais atempado da publicação de sondagens anteriores a um momento eleitoral concreto. O peso destas na sociedade acarreta uma responsabilidade considerável no cenário político democrático, pelo que urge uma reorientação que leve esse papel em linha de conta e que, por conseguinte, promova uma mudança no seu modo de operação.

É evidente que o momento eleitoral brasileiro se apresentou como um momento de suma importância, com uma concretização, em termos de resultados, que marca uma liderança do ex-presidente Lula para a segunda volta e que, portanto, o transladam como favorito neste contexto eleitoral específico. Ainda assim, a aproximação do Presidente Bolsonaro, face aos resultados das sondagens, do pernambucano e o sweep materializado em contexto legislativo mantém tudo em aberto para uma segunda volta que acarreta, naturalmente, um risco profundamente acrescido em termos de violência e acentuação da polarização nas ruas e na política brasileira, de uma forma geral. Como observadores independentes, só podemos esperar que vença a democracia e o exercício pacífico do direito ao voto e do direito à escolha dos representantes políticos de futuro num país tão relevante como o Brasil. E este voto de esperança não está necessariamente dependente de quem ganha.

Observador (PT)

‘O Brazil não conhece o Brasil’




Esquerda brasileira não entendeu que a sociedade mudou, especialmente no interior e nas periferias dos grandes centros

Por Merval Pereira (foto)

A música premonitória de Aldir Blanc e Maurício Tapajós “Querelas do Brasil” reflete o resultado das urnas do primeiro turno. Sempre achei que a eleição iria para o segundo turno e considerava isso bom, porque obrigaria o PT a fazer acordos, dentro da perspectiva de que Lula ganharia facilmente e iria para o segundo turno forte. Agora, a situação mudou completamente. Lula precisa de apoio, a diferença de cinco pontos percentuais é uma vitória com gosto de derrota, porque todo mundo esperava pelo menos o dobro, se ele não ganhasse no primeiro.

Um fato curioso, e preocupante, é que os dois líderes no segundo turno independem dos partidos. Lula é maior do que o PT e, se fosse outro candidato, provavelmente Bolsonaro ganharia de novo. Bolsonaro não acredita em partido. Em 2018, estava no PSL e levou o partido nanico a ser o maior da Câmara. Está no PL agora, e o partido mais uma vez elegeu a maior bancada. É uma eleição diferente de todas as anteriores, que de uma forma geral repete a de 2018.

Quando havia PT contra PSDB, havia uma disputa partidária, de maneiras de ver o mundo dentro de uma ótica social-democrata. Hoje são duas personalidades em disputa. Temos de recalibrar essa percepção do homem médio brasileiro, mesmo que não gostemos do que vemos. Chamar a esquerda de “progressista” é classificar os que não o são de “regressivos”. É isso mesmo? O país não está dividido entre “progressistas” e “regressivos”, é mais complexa a realidade. Não podemos relegar a um plano secundário 50 milhões de pessoas.

Nem todo esquerdista é progressista. Ou é progressista quem defende ditaduras sangrentas? E nem todo conservador é regressivo. Muitos votaram em Lula para se livrar de um estigma.

Temos de entender suas preocupações, seus anseios, mostrar, pelo exemplo, que não é preciso ser extremista de direita para conseguir o que se quer. Não temos uma direita capaz de liderar esse povo, os partidos terão de mudar muita coisa. Se a gente imaginar que essas pessoas estarão separadas para sempre, teremos de dividir o país em dois, sem possibilidade de conviver. Não é isso o que acontece. Quando existia o PSDB, esses eleitores se sentiam representados por um partido que, embora de centro-esquerda, entendia o agronegócio, entendia as questões de saúde e programas sociais.

Mas a esquerda brasileira não entendeu que a sociedade mudou, especialmente no interior e nas periferias dos grandes centros; é uma sociedade muito mais empreendedora, cada um por si, mais capitalista, que não quer o governo se metendo. Isso já tinha sido detectado há anos numa pesquisa que o Instituto Perseu Abramo fez no ABC paulista e deu um resultado surpreendente na região que foi o berço do PT. Explicitava o anseio por liberdade de ação, que não tinha nada a ver com sindicatos, mas com o apoio para o empreendedorismo. O PT já havia detectado essa tendência e engavetou a pesquisa, talvez com receio de encarar a realidade.

Essa situação evoluiu muito de lá para cá. Bolsonaro captou o anseio da sociedade por liberdade de ação, pelo menos na retórica ele vende essa ideia, e as pessoas a compram pelo valor de face. A esquerda e a classe média urbana ficaram muito preocupadas com a falta de empatia na pandemia, com a falta de vacinas, mas isso não afetou o eleitorado de Bolsonaro, tanto que Pazuello foi o candidato mais votado para deputado federal no Rio.

O que afeta os bolsonaristas, ou os que votam nele mesmo sem ser militantes, é emprego, menos inflação —que está acontecendo. São coisas mais do cotidiano do que conceitos como liberdade de expressão, democracia, valores civilizacionais fundamentais, mas que não pesam no Brasil profundo, às voltas com questões básicas de sobrevivência. Acho até que, em determinado momento da campanha, a inflação alta e o desemprego tiveram papel importante, dando dianteira a Lula.

Mas, à medida que a economia melhorou, que o dinheiro do Auxílio Brasil chegou à ponta, isso se desfez. O mesmo efeito que houve quando o PT lançou o Bolsa Família ou criou o crédito consignado. Esse bolsonarismo nasceu porque Bolsonaro é o único líder político que surgiu nos últimos tempos para aglutinar essa centro-direita que une conservadores, centro, direita, extrema direita. Não é que todos sejam extremistas de direita. Ao contrário, a minoria é como Bolsonaro, defende essas teses radicais. A maioria quer um partido que possa representar seus anseios, defendê-la de seus receios sobre o futuro.
 
O Globo

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