No início da carreira, Tom Jobim tinha uma parceiro extremamente inspirado, da mesma idade, pianista clássico e que também tocava nas boates do Rio. Chamava-se Newton Mendonça, era também violinista e gaitista, um talento extraordinário. Foi o autor do “Samba de Uma Nota Só”, que depois o amigo Jobim só ajudou a fazer a letra, e os dois compuseram outros sucessos, como “Foi a Noite”, “Desafinado” e “Meditação” (O Amor, o Sorriso e a Flor). Mendonça casou-se com a cantora Cylene Ribeiro, do Quarteto em Cy, e morreu aos 33 anos, sem ter usufruído o sucesso e o direito autoral de suas músicas.
Eram dois gênios, mas a fama ficou toda com Jobim, que era assediado por outros parceiros e parou de fazer composições com Mendonça, que se tornou exemplo perfeito do ilustre desconhecido.
UMA NOTA SÓ – Essas lembranças do início da bossa nova são causadas pelo comportamento atual de Jair Bolsonaro. Jamais ouviu falar em Newton Mendonça, não tem a menor ideia sobre esse músico genial, mas age como se fosse seguidor da obra dele, pois está se tornando o presidente de uma nota só. Na campanha eleitoral, Bolsonaro joga todas as fichas no confronto contra o Poder Judiciário, ora atacando o Supremo, ora fustigando o Tribunal Superior Eleitoral. É como se os outros temas nacionais nem existissem.
Nesse insensato radicalismo de uma nota só, o presidente não percebe que a repetição indefinida do tema tende a desgastá-lo, porque não adianta denunciar que a eleição será fraudada, sem conseguir apresentar provas a respeito.
Donald Trump tentou essa jogada e se deu mal. Embora até hoje um terço dos americanos acredite que a vitória de Joe Biden foi obtida por baixo dos panos, a imensa maioria dos eleitores não entrou nessa barca furada da matriz U.S.A.
GENERAIS EM AÇÃO – Para fortalecer a acusação aqui na filial Brazil, Bolsonaro conta com a prestigiosa ajuda de chefes militares, especialmente o ex-ministro Braga Netto, que indicou o general Héber Garcia Portella para integrar a Comissão de Transparência do TSE.
O general Héber, que é comandante de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro, contratou uma empresa paramilitar israelense de cybersegurança, a CySource, para assessorá-lo no TSE, onde a atuação do representante das Forças Armadas tem sido tendenciosa, a ponto de cobrar urgentes medidas para prever e divulgar antecipadamente “as consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade”.
Como se vê, o general ainda não conseguiu indicar qualquer irregularidade, mas já exige providências antecipadas para algo que nem sabe definir. Ou seja, o representante militar está sendo claramente usado para pôr em dúvida a confiabilidade das urnas eletrônicas e a atuação do TSE durante as eleições.
### P. S. –Trata-se de um comportamento de caráter político-eleitoral e não condiz com o que se deve esperar da postura de um oficial superior. Cabe ao atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enquadrar o representante das Forças Armadas, para que abandone esse procedimento e passe a agir com a imparcialidade de um observador militar de alta linhagem, desculpem a franqueza. Por fim, deve-se destacar que o ministro da Defesa agiu oportuna e acertadamente, ao determinar que as medidas propostas pelas Forças Armadas sejam divulgadas pelo TSE. Essa transparência vai oxigenar a democracia e evitar que haja mal-entendidos de uma nota só. (C.N.)
Para prever os possíveis desdobramentos do caso do deputado federal Daniel Silveira, perdoado por decreto presidencial, primeiro é preciso conferir o que diz a lei sobre a perda de mandato. E a Constituição determina, em seu artigo 55, que a perda do mandato, para os casos nela previstos, será decidida pela Câmara ou pelo Senado, por maioria absoluta de votos, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Uma das previsões para cassação é a condenação criminal, desde que esgotadas as possibilidades de recursos. E qual é a controvérsia? Bem parte dos integrantes do Supremo avalia que compete ao Legislativo autorizar a cassação em caso de condenação pela corte, segundo casos julgados recentemente pelo tribunal. Outra vertente, no entanto, entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara ou ao Senado apenas cumpri-la.
POR QUE O STF VAI ANALISAR? – O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recorreu à corte para que se estabeleça que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar. Lira apresentou o recurso em uma ação que foi ajuizada pelo seu antecessor no cargo, Rodrigo Maia, mas que não chegou a ser julgada.
O tema está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não fez nenhum despacho quanto ao recurso de Lira, e enfrenta divisão entre ministros.
Na terça-feira (3), em reunião com o presidente da corte, Luiz Fux, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reforçou a tese de que cassação de mandato é atribuição do Parlamento.
INDULTO PODERÁ EVITAR CASSAÇÃO? – Na avaliação do Palácio do Planalto, o perdão concedido a Silveira é amplo, zerando não apenas a pena privativa de liberdade (8 anos e 9 meses de prisão) mas também outras punições impostas ao deputado, incluindo a perda de direitos políticos. Sob a ótica de Bolsonaro e seus aliados, portanto, Silveira segue deputado e poderá concorrer nas eleições de outubro.
No Judiciário há precedentes no sentido de alcance limitado do indulto, não repercutindo sobre as penas secundárias.
E o que a PGR (Procuradoria-Geral da República), que denunciou Silveira e pediu a condenação do deputado, diz? Em 2019, a PGR foi contra um pedido que buscava dar ao Parlamento a palavra final sobre a cassação de mandato. “O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas”, afirmou.
QUAL É O PARECER MAIS RECENTE? – Quanto ao indulto, a Procuradoria ainda não se manifestou. No parecer mais recente sobre o caso feito nos autos da ação penal em que Silveira foi condenado, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que opinará sobre o indulto no âmbito das ações dos partidos de oposição que questionam o perdão. Os partidos adversários defenderam a suspensão imediata do decreto. Essas ações estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber.
E quais as providências iniciais de Rosa Weber nas ações dos partidos? Em 25 de abril, a ministra solicitou informações sobre o caso ao presidente Jair Bolsonaro. Weber estipulou dez dias de prazo para que o chefe do Executivo se manifeste.
Após a resposta do mandatário, ainda de acordo com o despacho da magistrada, as ações serão enviadas à Advocacia-Geral da União e à PGR, para que cada instituição também opine sobre o assunto em prazo de cinco dias.
O QUE O SUPREMO DECIDIRÁ? – A ministra adotou rito processual para levar a controvérsia diretamente ao plenário, sem a adoção de decisões liminares (provisórias).
Os ministros vão avaliar o alcance do indulto. Não existe dúvida, segundo jurisprudência da própria corte, quanto à prerrogativa do presidente em conceder o benefício. A lei, inclusive, confere ao chefe do Executivo amplos poderes para avaliar conveniência, oportunidade e requisitos. Porém, não há clareza sobre todos os efeitos do indulto, que será estudado.
Há uma tese segundo a qual o ato de Bolsonaro tem repercussão limitada, valendo apenas sobre a pena de privação de liberdade, sem interferir na cassação do mandato e na perda de direitos políticos.
ANÁLISE ABORDARÁ INELEGIBILIDADE? – A inelegibilidade é assunto que compete ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que avalia, por ocasião do registro de candidaturas, se o postulante a cargo eletivo se enquadra nas restrições previstas na legislação.
Há um entendimento de que Silveira não poderá concorrer em outubro, uma vez que a Lei da Ficha Limpa determina que, para a perda de direitos políticos, basta condenação por decisão colegiada.
No TSE, segundo precedentes, citados inclusive pelo ministro Alexandre de Moraes, é ponto pacífico que o indulto presidencial não tem o poder de afastar a inelegibilidade.
### NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Os informantes dos repórteres agiram ardilosamente. Não é verdade que existam precedentes nem jurisprudência. O caso é absolutamente inédito. Os fatos concretos são os seguintes: 1) o presidente tem poder de editar esse tipo de medida, seja indulto ou graça; 2) O decreto foi publicado no Diário Oficial e está em vigor; 3) As decisões de Moraes, tomadas pós-decreto não têm a menor validade; 4) Na forma da lei, que o relator tenta desconhecer, o decreto só pode ser desobedecido depois que o Supremo, por decisão do plenário, votar pela suspensão ou invalidação. Enquanto isso não ocorre, Moraes está agindo fora da lei, sem a menor dúvida. (C.N.)
Na edição deste sábado, a Folha de S. Paulo publicou pesquisa realizada pelo Ipespe por encomenda do XP Investimentos, revelando que Lula da Silva mantém a dianteira nas intenções de voto para outubro com 44% contra 31% de Jair Bolsonaro, 8% de Ciro Gomes, 3% para João Doria, 2% de André Janones e 1% apenas para Simone Tebet.
Como se constata, a representante do MDB não consegue decolar, o que significa que a terceira via não passa de um sonho. A pesquisa foi concluída no dia 4 de maio e os números praticamente convergem com os do levantamento do Datafolha de abril que apontou 41% para Lula contra 26% para Bolsonaro.
POLARIZAÇÃO – O Ipespe fez também uma pesquisa em matéria do segundo turno, onde Lula teria 54 pontos contra 31 pontos de Bolsonaro. Portanto, significa que a maioria dos votos que iriam para Ciro Gomes, João Doria, Janones e Simone Tebet seriam destinados ao ex-presidente da República. O número de votos brancos e nulos é cerca de 10% a 12%.
O quadro assim ficou confirmado e agora vamos aguardar o Datafolha e o Ipec revelaram suas novas pesquisas, mas a situação parece estar com uma tendência bastante definida quanto à polarização.
PETROBRAS – Na tarde de quinta-feira, o Estado de S. Paulo publicou matéria sobre os ataques de Bolsonaro à Petrobras pelo novo aumento dos combustíveis e do gás de cozinha. Na tarde de sexta-feira, o novo presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, rebateu as afirmações do presidente da República, que classificou o lucro de R$ 44,5 bilhões do primeiro trimestre como um verdadeiro crime.
José Mauro Coelho afirmou que a política atual de reajuste vai continuar e que a Petrobras tem fornecido inclusive amplos recursos financeiros ao próprio governo como resultado da participação acionária da União através dos impostos que paga dividendos e royalties. O atual presidente da Petrobras, terceiro a ocupar o cargo nos três anos do governo Bolsonaro, afirmou que nesse mesmo período através de seus lucros a estatal transferiu à União R$ 447 bilhões.
Não deixa de causar surpresa a pronta manifestação de José Mauro Coelho contra a posição do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo porque ele assumiu o cargo há duas semanas. “Não podemos desviar da prática de preços do mercado, condição necessária para a geração de riqueza, não só para a companhia, mas para toda sociedade brasileira. Fundamental também para atrair investimentos e assegurar o suprimento de derivados de que o Brasil precisa”, afirmou.
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE PAULO AFONSO - BA
Ofício:
PRM-BA-PAULO AFONSO-1º Ofício
Membro:
ELIABE SOARES DA SILVA
Grupo Temático:
5ª CÂMARA - COMBATE À CORRUPÇÃO, 1ª CÂMARA - DIREITOS SOCIAIS E ATOS ADMINISTRATIVOS EM GERAL, SCI - SECRETARIA DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
Assunto CNMP:
SCI - Improbidade Administrativa, 1ª CCR - Improbidade Administrativa, 5ª CCR - Improbidade Administrativa
Localização Atual:
PRM-PAULO AFONS/SADM/PRM-BA - SETOR ADMINISTRATIVO DA PRM/PAULO AFONSO
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Essa representação foi encaminhada para o Mnistério Público Estadual em Jeremoabo, por ilícito ambiental relacionado à resíduos sólidos material pesado,que afeta o Meio Ambiente, e também pelo SUCATEAMENTO do Material ESCOLAR.
Tombo:
2022xxxxxx0/2022(PRM-PAF-BA-0000xxxx/2022)
NUP:
1.14.006.000xxx/2022-01
Classe:
DIGI-DENÚNCIA - DIGIDENUNC
Unidade:
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE PAULO AFONSO - BA
Denunciante:
TRANSPARENCIA JEREMOABO
MPE - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA - PROMOTORIA DE JUSTIÇA
EM JEREMOABO
Ref: Notícia de Fato no 1.14.006.000020/2022-01.
Nota da redação deste Blog - Ao contrário do que muitos possam pensar, qualquer
cidadão brasileiro pode, em nome próprio, questionar judicialmente atos que sejam
lesivos ao patrimônio histórico do país em decorrência da ação ou da omissão do
Ao contrário do que muitos possam pensar, qualquer cidadão brasileiro pode, em nome próprio, questionar judicialmente atos que sejam lesivos ao patrimônio histórico do país em decorrência da ação ou da omissão do poder público.
Presente no ordenamento jurídico brasileiro desde 1824, a ação popular é um importante instrumento de exercício da cidadania (status activus civitates), na medida em que permite que o próprio cidadão (basta a condição de eleitor) bata às portas da Justiça para a defesa de direitos e interesses que pertencem a todos, viabilizando o cumprimento do direito-dever solidário que toca ao poder público e à sociedade na tarefa de tutelar os bens integrantes do nosso patrimônio cultural.
É oportuno, ressaltar, por primeiro, que a Constituição Federal vigente impôs coercitivamente a todos os entes federativos, com a colaboração da comunidade, o dever de defesa dos bens culturais, de forma que a atuação positiva em tal matéria é obrigatória, não podendo se alegar discricionariedade para descumprir os mandamentos constitucionais, entre os quais podemos citar:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Logo, todo ato omissivo (por exemplo, não exercício do poder de polícia administrativa e vigilância sobre bens culturais privados, permitindo o abandono; não fiscalização de engenhos de publicidade que comprometam a ambiência de bens tombados; descaso com a conservação de bens públicos de valor cultural tais como arquivos, imóveis, museus e bibliotecas) ou comissivo (por exemplo, concessão de alvará de demolição de bem de significativo valor cultural; concessão de licença sem exigência de prévio estudo de impacto de vizinhança; concessão de alvará de funcionamento para atividade vedada em zona de proteção do patrimônio cultural) que viole os dispositivos acima mencionados são ilegais e lesivos, podendo ser objeto de controle jurisdicional.
Como garantia de efetivação do direito a todos ao patrimônio cultural hígido, a Carta Magna previu no artigo 5º, entre outros instrumentos, a ação popular nos seguintes termos: “LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Desta forma, a ação popular está para a tutela do direito à boa administração pública, ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, assim como o Habeas Corpus está para a tutela do direito à liberdade.
Nessa toada, conquanto o regramento da ação popular esteja previsto na Lei 4.717/65, tal norma precisa ser interpretada sob as luzes do novo ordenamento constitucional e dentro do contexto do microssistema de tutela jurisdicional coletiva composto da própria lei de ação popular que se integra à lei da ação civil pública e ao Código de Defesa do Consumidor.
Em tal cenário, nos termos da dicção constitucional, basta que o ato seja lesivo ao patrimônio cultural para que possa ser questionado judicialmente pela ação popular, sendo prescindível a ilegalidade.
O STJ tem entendido que o conceito de ato lesivo é amplo, já que não significa apenas atos que causem prejuízo financeiro direto ao estado. Os atos considerados prejudiciais podem ser por desvio de finalidade, inexistência de motivos, ilegalidade de objeto, violação a princípios da administração pública, entre outros aspectos passíveis de anulação.
No que diz respeito ao provimento jurisdicional que pode ser emanado em ação popular, a fim de assegurar a plena utilidade do instrumento e o alcance de seus objetivos previstos no texto constitucional[1], entendemos ser possível, para além da decretação da nulidade do ato lesivo e da condenação ao ressarcimento dos danos causados, a imposição de obrigações de fazer e não fazer. Sobretudo em matéria de meio ambiente e patrimônio cultural, em que prevalecem a prevenção de danos e a tutela específica de reparação, a ação popular pode ter o condão de fazer com que o poder público atue positivamente a fim de cumprir suas obrigações, devendo ser relegada a segundo plano a pretensão ressarcitória, que se mostra de pouca ou nenhuma valia em casos tais.
Assim, dentro do contexto do microssistema de tutela jurisdicional coletiva[2], deve ser aplicado no âmbito da ação popular o disposto nos artigos 83 e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem a máxima amplitude da tutela jurisdicional, nos seguintes termos:
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
A jurisprudência pátria já tem alcançado esse entendimento, conforme os seguintes precedentes do STJ:
A Lei 4.717/1965 deve ser interpretada de forma a possibilitar, por meio de Ação Popular, a mais ampla proteção aos bens e direitos associados ao patrimônio público, em suas várias dimensões (cofres públicos, meio ambiente, moralidade administrativa, patrimônio artístico, estético, histórico e turístico) (REsp 453.136/PR, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 14/12/2009).
Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos ao meio ambiente (RESP 889.776/SP – ministro Castro Meira, 2ª Turma. j. 4/10/2007).
Outra questão de relevo diz respeito à possibilidade da defesa, pela ação popular, de bens de valor cultural que não são protegidos pela via administrativa. Quanto a tal aspecto, a prévia proteção pelo tombamento ou atos administrativos análogos não é condição para a propositura da actio popularis. Aliás, a sua utilização mais se justifica em casos tais, onde a inércia estatal se demonstra de forma flagrante.
Como bem destacado por Nicolao Dino:
O fato de a Administração Pública não adotar a providência de tombamento não impede a obtenção de medida de proteção na esfera jurisdicional. O tombamento não constitui o valor cultural de um bem, mas apenas o declara. A ausência de tombamento não implica, portanto, inexistência de relevância histórica ou cultural. Esta pode ser reconhecida na via judicial, sanando-se, por este caminho, a omissão da autoridade administrativa.
Trata-se, como dito, de suprir omissão do poder público, ofensiva a direito de titularidade difusa. E isso representa, sem dúvida, a assunção e o exercício de indiscutível e saudável função política, reafirmando o papel do Ministério Público e do Poder Judiciário como instituições co-responsáveis pela operacionalização das políticas públicas necessárias à realização dos múltiplos valores postos na Constituição[3].
No mesmo sentido são os ensinamentos de Rui Arno Richter[4]:
Assim, se o Poder Executivo e o Poder Legislativo omitirem-se na preservação e acautelamento de determinado bem ou de um conjunto de bens de valor cultural, a iminência de sua destruição, deterioração ou mutilação exige a possibilidade de remédios jurídicos à disposição da sociedade civil e do cidadão para invocar a tutela do Poder judiciário, buscando decisão judicial como outra forma de acautelamento e preservação do patrimônio cultural.
Estes instrumentos imprescindíveis são a ação civil pública e a ação popular, que mais irão contribuir para atingir os fins para as quais foram concebidas se interpretadas pelos profissionais do Direito com o mesmo sentido de garantia de acesso à ordem jurídica justa que inspirou estas criações.
O posicionamento jurisprudencial também tem sido no sentido de que não há necessidade de prévia proteção administrativa para se buscar a tutela judicial a fim de evitar danos ao patrimônio histórico e artístico do país, como se extrai da seguinte decisão do TJ-SP:
O tombamento é, sem dúvida, a principal e a mais tradicional forma de se preservar o patrimônio histórico e cultural de uma comunidade. Mas, não é a única. Tanto que mesmo no caso de omissão do Poder Executivo, possível é, para alcançar esse objetivo, valer-se da via judicial, com o emprego da ação civil pública ou da ação popular (TJ-SP – EI 55.415.5/3-02 – Voto 5.747 – j. 28/3/2001 - rel. Gonzaga Franceschini).
Quanto a aspectos processuais, vale ressaltar que devem figurar no polo passivo da ação o ente público que detém competência para o agir administrativo, os agentes públicos responsáveis pelo ato lesivo (por ação ou omissão), bem como os particulares que sejam beneficiários diretos do ato (artigo 6º da LAP). O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (artigo 6º, parágrafo 4º, da LAP)[5]. Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades públicas as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a finalidade das mesmas, que deverão ser fornecidas em 15 dias (artigo 1º, parágrafo 4º, da LAP).
Na defesa do patrimônio cultural, caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado (artigo 5º, parágrafo 4º, da LAP), sendo de se registrar que deve ser aplicado em tal momento processual o princípio da prevenção de forma a impedir a consumação de danos irreversíveis ou de difícil reparação.
O Poder Judiciário brasileiro tem sido acionado com relativa frequência por meio da ação popular a fim de obstar atos lesivos ao patrimônio cultural, podendo ser citados os seguintes casos de sucesso:
a) determinação da reconstrução de plataforma da estação ferroviária histórica do Município de Ressaquinha – MG (TJ-MG - Apelação Cível 1.0056.99.000538-3/002, relator(a): desembargador(a) Corrêa Junior, 6ª Câmara Cível, julgamento em 4/10/2016, publicação da súmula em 14/10/2016);
b) impedimento de demolição, pela prefeitura, de muros de antigo complexo fabril da cidade de Limeira – SP para fins de expansão de uma avenida (TJ-SP, Apelação/Reexame Necessário 0020492-09.2012.8.26.03, 8ª Câmara de Direito Público, relator desembargador Rubens Rihl, julgado em 22 de julho de 2015);
c) suspensão da determinação de corte de árvore centenária existente no município de Raul Soares – MG (TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0540.07.013194-6/001, relator(a): desembargador(a) Elias Camilo, 3ª Câmara Cível, julgamento em 1º/12/2011, publicação da súmula em 16/12/2011);
d) decretação de nulidade de lei de efeitos concretos que determinou a mudança das cores da bandeira municipal por interesses políticos, violando o patrimônio cultural imaterial representado pela heráldica da bandeira original (TJ-SP; APL 994.06.165641-4; Ac. 4405118; Marília; 2ª Câmara de Direito Público; rel. des. Alves Bevilacqua; Julg. 16/3/2010; DJESP 13/5/2010).
Enfim, a ação popular é instrumento hábil para a busca da proteção e preservação de bens culturais, materiais ou imateriais, públicos ou privados, independentemente da existência prévia de tombamento, registro ou outro ato análogo, pois os instrumentos de proteção não constituem o valor do bem, que é necessariamente antecedente, mas apenas o declaram.
O uso criterioso e responsável de tal ferramenta democrática pode contribuir de forma positiva e saudável para a melhor gestão do nosso patrimônio cultural.
Marcos Paulo de Souza Miranda é promotor de Justiça em Minas Gerais, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Patrimônio Cultural da Rede Latino-Americana do Ministério Público e membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Brasil).