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sexta-feira, janeiro 07, 2022

China apresenta a ‘democracia que funciona’ - Editorial




Para o Partido Comunista Chinês, ‘não há um modelo fixo de democracia’ e nenhum conceito pode ser ditado ‘por um punhado de forasteiros’

A democracia foi a estrela da festa (virtual) organizada pelo governo norte-americano nos dias 9 e 10 de dezembro passado. Na Cúpula da Democracia, mais de cem países manifestaram seu compromisso com ela no presente e para o futuro.

Ocorre que, um pouco antes, no dia 4, a democracia era saudada em outro lugar do mundo. Foi nesse dia que as autoridades chinesas, que não foram convidadas para a Cúpula da Democracia, divulgaram um relatório com o sugestivo título China: democracia que funciona.

O relatório começa na defensiva, afirmando que a pergunta sobre o caráter democrático de um país deve ser respondida por seu povo, e “não ditada por um punhado de forasteiros”, pois, afinal, “não há um modelo fixo de democracia; ela se manifesta em muitas formas”.

Antidemocrático seria, sim, “avaliar a miríade de sistemas políticos no mundo com base num único critério”. Ainda mais no caso da China, que teria feito inúmeras tentativas de adotar sistemas políticos ocidentais, incluindo o sistema multipartidário, “tendo todos terminado em fracasso”.

Os direitos humanos são citados duas vezes no relatório: “Na China, os direitos humanos são inteiramente respeitados e protegidos. Viver uma vida de satisfação é o direito humano fundamental”. Os ativistas pró-democracia de Hong Kong e a minoria muçulmana de Xinjiang certamente discordam.

No relatório, a liderança do Partido Comunista é tida como “garantia fundamental” da democracia chinesa, já que “não é tarefa fácil para um país grande como a China representar e encaminhar plenamente os interesses de 1,4 bilhão de pessoas. Ela deve ter uma liderança robusta e centralizada”.

Essa centralização do governo pelo Partido Comunista é enfatizada no relatório; ela é condicionante dos processos de eleição e consulta popular, que devem ser guiados por lideranças “leais ao marxismo, ao Partido e ao povo”. Mais especificamente, “a natureza fundamental do Estado é definida pela ditadura democrática do povo”.

Essa união de democracia e ditadura salta aos olhos. Entre nós, democracia e ditadura se contrapõem, particularmente no valor atribuído a uma e outra: em geral, a democracia é avaliada positivamente; a ditadura, negativamente.

É verdade que, em seu sentido antigo, a ditadura tinha uma conotação positiva. Na Antiguidade clássica, o dictator romano era nomeado em circunstâncias excepcionais, como uma guerra, e seus poderes extraordinários não só eram legalmente previstos, como tinham a duração do dever que lhe fora confiado.

Na era moderna, o conceito de ditadura foi estendido ao poder instaurador de uma ordem nova. Nesse sentido revolucionário, a ditadura adquiriu uma conotação negativa com o tempo. Hoje, ela é expressão de um poder exercido de forma mais extensa, alcançando todas as funções do Estado, e não só individualmente (como o ditador romano). E o mais importante: ela é entendida como um modo de exercício do poder oposto ao da democracia.

A “ditadura democrática” chinesa se conforma por meio de um poder que é concretamente exercido por um partido só, o Comunista. E esse partido cuidaria de assegurar os interesses do povo chinês no citado propósito de “garantir a condição do povo de senhor do país”.

Mas esse povo é de 1,4 bilhão de pessoas, e obviamente não há como os diferentes interesses, visões e projetos delas serem democraticamente representados por um único partido. Apesar disso, lê-se no relatório que, “na China, não há partidos de oposição”, como se isso fosse uma vantagem.

É certo que a democracia é um sistema que exige interrogação contínua e que a China tem suas especificidades históricas, culturais e institucionais. Mas é preciso um contorcionismo intelectual e moral para sustentar que a ditadura chinesa é “democrática”, como faz o tirânico Partido único, ou então renunciar à razão, como fez recentemente a ex-presidente Dilma Rousseff, para declarar que a China “representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”.

O Estado de São Paulo

A democracia está ameaçada nos EUA




Apoiadores de Trump rompem barreira de segurança e invadem o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021

Por Ines Pohl*

Parece alarmista, mas é a realidade: o futuro da democracia está em jogo nos EUA. Invasão do Capitólio, um ano atrás, foi um sinal disso, e pouco mudou desde então, opina Ines Pohl.

A invasão do Capitólio, em Washington, há exatamente um ano, não deveria ter sido uma surpresa.

Mesmo antes de os locais de votação na disputa presidencial terem sido abertos, o então presidente Donald Trump já havia anunciado que, se perdesse a corrida à Casa Branca, só poderia haver uma razão: fraude eleitoral. Ele e milhares de apoiadores não aceitariam uma derrota.

À beira de um golpe

Trump perdeu. E seus apoiadores radicais invadiram o Capitólio no dia em que o Congresso deveria confirmar formalmente a eleição do vencedor, o democrata Joe Biden. As imagens abalaram o mundo já na época. Mas somente há algumas semanas sabe-se quão perto os EUA estiveram de um verdadeiro golpe de Estado.

Foi somente graças à capacidade de reação de alguns poucos funcionários que um banho de sangue no prédio do Parlamento foi evitado. Poderíamos até mesmo ter visto a morte de um vice-presidente, assassinado por se ater às regras democráticas, e não às ordens do presidente. Foi por muito pouco.

O que deveria ter sido um sinal de alerta para todas as forças democráticas, independentemente da filiação partidária, tornou-se apenas mais uma peça no destrutivo espetáculo político americano. Até hoje, os republicanos tentam impedir que os acontecimentos daquele dia sejam esclarecidos.

Em vez de bom senso e de um retorno a uma disputa política pelo argumento mais convincente, na qual fatos e o respeito por uma opinião diferente desempenham um papel, a guerra de trincheiras se aprofundou.

Democratas divididos

Desde o primeiro dia da era Biden, os republicanos se preparam para a próxima campanha eleitoral pela presidência. Enquanto os democratas no poder se perdem nas brigas entre suas várias alas, até mesmo a mortal crise do coronavírus é explorada politicamente. Os republicanos bloqueiam importantes ajudas financeiras federais para que o governo Biden não marque nenhum ponto para a próxima campanha eleitoral.

O mais perigoso, no entanto, é a mudança dos distritos eleitorais, o que restringe os direitos democráticos fundamentais de negros e outras minorias. A isso se somam diferentes requisitos que, em última análise, têm todos a mesma finalidade: impedir que potenciais eleitoras e eleitores democratas possam votar.

Pilares ameaçados

Os Estados Unidos tinham, justificadamente, orgulho das conquistas do movimento de direitos civis. Por mais imperfeito que o país continue a ser, os pilares básicos de uma democracia pareciam estar seguros com o direito de voto para todos os cidadãos.

Mas esse não é mais o caso. É preciso se preparar para o pior em um país onde, graças às redes sociais, que mudaram as regras do jogo, é mais fácil para teóricos da conspiração racistas do que para o presidente em exercício dominar o clima político. Pelo menos por ora, ninguém parece ter uma resposta sobre como deter populistas dispostos a derrubar o sistema para garantir poder duradouro para si.

*Ines Pohl é chefe da sucursal da DW em Washington.

Deutsche Welle

O que mudou nos EUA um ano após a invasão do Capitólio




Quatro partidários de Trump e um policial morreram em consequência da violenta invasão do Capitólio

Em 6 de janeiro de 2021, extremistas ocuparam o coração da democracia americana. Com um saldo de cinco mortos e dezenas de feridos, o episódio escancarou a polarização no país, alimentada pelas redes sociais.

Por John Marshall

Por mais de dois séculos, a certificação dos votos da eleição presidencial dos Estados Unidos, via Congresso, foi um procedimento protocolar. A partir de 6 de janeiro de 2021, no entanto, passou a ser um momento de acerto de contas, um grito de alerta, um acontecimento que, para muitos observadores, sacudiu os alicerces da democracia americana.

Enquanto os legisladores se reuniam para certificar a vitória de Joe Biden, o então presidente Donald Trump falava a uma multidão que, durante semanas, fora instigada contra a "grande mentira" pela mídia de extrema direita, movimentos baseados em teorias da conspiração como o QAnon e neofascistas como o Proud Boys, segundo os quais Biden fraudara a eleição presidencial de 2020.

Numa insurreição para "parar com o roubo", a multidão fiel a Trump invadiu e vandalizou o Capitólio – o centro dos poderes democráticos dos Estados Unidos –, numa tentativa de travar a certificação da vitória de Biden.

A confusão na capital Washington resultou em quatro partidários de Trump e um policial mortos, além de 140 agentes da lei feridos. Uma rara resposta unificada de condenação à ação partiu de ambos os lados do espectro político americano.

"Pode ter havido o sentimento de ‘OK, agora passou do ponto, Trump foi longe demais'”, diz Suzanne Spaulding, diretora do projeto Instituições em Defesa da Democracia, do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, com sede em Washington, analisando o tom entre os congressistas republicanos após o ataque.

Republicanos temem a "longa sombra" de Trump

No entanto, quando Trump chegou a ser submetido a um processo de impeachment – do qual foi inocentado –, por incitar a revolta, um clamor unificado contra a "grande mentira" se espalhara por várias alas do partido.

"Acho que o que os republicanos viram nas semanas e meses seguintes é que Trump continuava a ter controle sobre o partido", sugere Spaulding, acrescentando que o ex-presidente também ameaçou os políticos republicanos que desejavam se distanciar dele.

Trump e outros políticos ligados a ele seguem sendo investigados pela participação nos ataques. No tribunal da opinião pública, entretanto – alimentado por muita desinformação e mentiras, tanto nas redes sociais quanto na mídia estabelecida –, muitos consideram justificadas as ações do ex-presidente.

Quase metade dos eleitores republicanos acredita que os tumultos foram protestos legítimos, de acordo com uma consulta realizada em 2021 pelo instituto de pesquisas de opinião da Universidade de Monmouth.

'Além dos cinco mortos, insurreição deixou pelo menos 140 feridos, e 727 pessoas foram processadas'

Muitos dos que assistiram ao comício de Trump, vindos de diversas partes do país, acreditaram nas mentiras e conspirações sobre uma eleição roubada. Alguns sofreram as consequências jurídicas de seus atos, enquanto outros ainda aguardam julgamento.

Por meio de vídeos de câmeras de vigilância, publicações no YouTube e gravações de celulares, o FBI levou 727 "insurretos" à Justiça. As acusações incluem obstrução de uma ação oficial, uso de armas perigosas e agressão.

Dos condenados, alguns receberam multas insignificantes de 500 dólares (2,8 mil reais) por danos materiais; outros cumprirão penas de prisão superiores a cinco anos por agressão a policiais.

Colapso de comunicação

Polarizados e divididos, os cidadãos dos EUA estão cada vez mais expostos à influência das redes sociais e da mídia estabelecida, e a como os fatos são debatidos e distorcidos.

Por culpa dos algoritmos das redes sociais, "o povo vem sendo alimentado com versões cada vez mais extremas daquilo que provavelmente já consumiu", analisa Regina Lawrence, diretora assistente da Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade de Oregon, EUA.

'Trump falou a simpatizantes antes da invasão do Capitólio'

Lawrence gostaria de ver uma abordagem mais agressiva das instituições políticas em relação aos eventos de 6 de janeiro de 2021. Ela acredita que isso poderia guiar a grande imprensa para o mesmo caminho, dissuadindo-a de diálogos corrosivos.

Além da mídia em geral, pode haver formas de comunicação mais simples para ajudar a superar a divisão e proporcionar melhor consenso público sobre os responsáveis pelos atos de 6 de janeiro.

"Estudos fundamentados sugerem que, por mais difícil que seja, pode ser realmente útil escutar o máximo possível os que têm essas ideias mais extremistas e entender as razões por que eles acreditam nelas", conclui Regina Lawrence.

Deutsche Welle

Biden diz que Trump é "perdedor" que instigou "insurreição"




Em discurso para marcar aniversário da invasão do Capitólio por turba de extremistas de direita, Biden faz críticas a antecessor e diz que Trump criou "rede de mentiras" para impedir "transferência pacífica de poder".

No discurso que marcou o primeiro aniversário da invasão do Capitólio, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu nesta quinta-feira (06/01) que "não permitirá que ninguém coloque um punhal na garganta da democracia" americana e acusou seu antecessor, Donald Trump, de ter "tentado impedir uma transferência pacífica do poder" em 6 de janeiro de 2021.

"Pela primeira vez na nossa história, um presidente não apenas perdeu as eleições; tentou evitar a transferência de poder pacífico quando uma multidão violenta invadiu o Capitólio", disse Biden em discurso na sede do Congresso americano.

Há um ano, Trump,  instigou a invasão e depredação do prédio por uma turba de extremistas de direita, incluindo neonazistas. Naquele dia, o Congresso dos EUA contava os votos para oficializar a vitória de Biden e a derrota de Trump no pleito ocorrido em novembro de 2020. Os apoiadores do republicano chegaram a interromper o processo, que só foi retomado no dia seguinte.

Cinco pessoas morreram no episódio e 140 policiais ficaram feridos. As imagens da invasão da sede do Legislativo americano por extremistas e a fuga dos parlamentares provocaram repúdio entre forças democráticas mundo afora. O FBI, a polícia federal dos EUA, já prendeu e indiciou mais de 700 indivíduos pela invasão e vandalismo naquele dia.

"Não era um grupo de turistas. Era uma insurreição armada", disse Biden nesta quinta-feira. Sem citar diretamente o nome de Trump, Biden disse que seu antecessor, ao propagar a tese falsa de que houve fraude eleitoral, "criou e espalhou uma rede de mentiras sobre as eleições de 2020".

"Precisamos estar absolutamente claros sobre o que é verdade e o que é mentira. Aqui está a verdade: um ex-presidente dos Estados Unidos da América criou e espalhou uma teia de mentiras sobre as eleições de 2020. Ele fez isso porque valoriza o poder acima dos princípio, porque coloca seu próprio interesse à frente do de seu país", criticou o político republicano. "Ele não consegue aceitar que perdeu."

"Não se pode amar nosso país apenas quando se vence. Não se pode obedecer à lei apenas quando lhe convém. Não se pode ser patriota abraçando as mentiras e as permitindo", acrescentou.

Biden ainda avaliou que os Estados Unidos e o resto do mundo travam no momento uma batalha entre a democracia e o autoritarismo.

"Vivemos num ponto de inflexão na história, tanto em casa como no exterior. Estamos travando novamente uma luta entre a democracia e a autocracia; entre as aspirações da maioria e a ganância de poucos. Não permitirei que ninguém coloque um punhal na garganta da democracia: defenderei esta nação", concluiu.

'FBi já prendeu e indiciou 700 pela insurreição'

Falsas acusações de fraude

Visivelmente irritado, o presidente americano reiterou que há "zero provas" das acusações de fraude eleitoral que Trump fez após as eleições de 2020. "Ele não é apenas um ex-presidente. É um ex-presidente derrotado, por uma margem de mais de 7 milhões de votos, em eleições plenas, livres e justas", disse Biden.

Biden acusou ainda Trump de negligência, ao ficar "sentado numa sala de jantar, perto do Salão Oval, vendo o que acontecia pela TV". "Ele não fez nada por horas. Havia vidas em risco."

Por fim, o democrata direcionou críticas ao Partido Republicano, cuja maioria protegeu Trump e bloqueou uma tentativa de impeachment após a insurreição, afirmando que muitos de seus membros estão "transformando a legenda em alguma outra coisa".

Antes de Biden, a vice-presidente Kamala Harris também fez um breve pronunciamento, no qual comparou o 6 de janeiro de 2020 a outros episódios trágicos da história do país, como o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, e os atentados de 11 de setembro de 2001, por extremistas islâmicos.

Lançar um ataque tão direto a Trump – embora Biden não tenha mencionado o nome de seu antecessor durante o discurso – marca uma mudança de estratégia para o presidente democrata, que passou a maior parte de seu primeiro ano no cargo focado em implementar sua própria agenda, em vez de atacar Trump.

Mas democratas, alguns republicanos e muitos observadores independentes têm alertado que o estrago causado por Trump para minar a confiança no sistema eleitoral deixou uma herança nefasta.

De acordo com uma pesquisa Reuters/Ipsos, cerca de 55% dos eleitores republicanos acreditam nas acusações falsas de Trump, que foram rejeitadas por dezenas de tribunais, departamentos eleitorais estaduais e até ex-membros do antigo governo.

No entanto, Trump continua a insistir nas acusações mentirosas. Após o discurso de Biden, divulgou um comunicado afirmando que seu rival democrata quer "cancelar" a discussão sobre "a fraudada eleição presidencial de 2020". "A grande mentira foi a própria eleição", alegou o ex-presidente.

O republicano acusou ainda Biden de usar seu nome "hoje para tentar dividir ainda mais a América". "Esse teatro político é apenas uma distração para o fato de que Biden fracassou totalmente", afirmou Trump.

Deutsche Welle

Golpe de Trump contra a democracia fica sem punição - Editorial




Parte relevante da elite americana parece ter se tornado indiferente à democracia

É uma efeméride macabra a de hoje, 6 de janeiro. Há um ano, após ser derrotado nas urnas, o presidente Donald Trump estimulou seus auxiliares e o Partido Republicano a não ratificarem o resultado do Colégio Eleitoral no Congresso e insuflou uma turba a invadir o Capitólio para impedir a sessão do Legislativo que legitimaria a posse do democrata Joe Biden na Presidência. Mesmo para os padrões de um demagogo alucinado, Trump levou milhares de apoiadores mais longe do que se poderia imaginar e provocou a invasão do Legislativo de uma das mais sólidas democracias do mundo. Como sinal de tempos terríveis para a democracia americana, Trump está solto e tem chances de ser novamente presidente em 2024.

A ascensão de Trump marcou o ápice do avanço do extremismo de direita global sobre as instituições democráticas. Trump soube explorar as fissuras da sociedade americana com um ilusionismo cuja aceitação foi em si um sinal de decadência de um sistema longevo. Um plutocrata e empresário escroque falou em nome do povo e prometeu limpar o “pântano” de Washington. Qualquer semelhança com a demonização da “velha política” não é coincidência, assim como o despreparo, a arrogância, e a ignorância auto-satisfeita dos atores principais, nos EUA e no maior país ao sul do Rio Grande.

O sistema bipartidário americano deu vários sinais de exaustão antes, mesmo quando parecia ter se revitalizado, com a eleição de Barack Obama. Era uma ilusão de ótica. O primeiro presidente negro da história do país foi substituído por um racista barulhento, que estendeu seus preconceitos a todas as minorias. O surgimento sucessivo de candidatos independentes já era tentativa (mal-sucedida) de furar o bipartidarismo.

As transformações internas do sistema foram igualmente relevantes. A estagnação da renda e da possibilidade de ascensão social - esta, a base do “sonho americano” - empurraram os democratas para a esquerda e os republicanos ainda mais para a direita, primeiro com os fanáticos do Tea Party, que dominaram fatias importantes do partido e, depois, com o inimaginável Donald Trump.

Trump venceu as primárias republicanas ofendendo e desmoralizando todos seus concorrentes internos e saiu vencedor. O partido curvou-se ao novo líder com a sensação de servir a um messias, ainda que amalucado. O apoio republicano não se abalou nem mesmo após Trump instalar o caos na Casa Branca, tentar destruir o que os EUA construíram na arena internacional durante décadas, abraçar um nacionalismo regressivo para brigar com a China e a União Europeia e submeter seus vizinhos no Nafta.

A maioria republicana no Senado barrou duas vezes processos de impeachment contra Trump. Como indício de degradação já muito avançada, um número expressivo de parlamentares da legenda acreditou mesmo que Joe Biden roubara as eleições. Um ano antes, em preparação à tentativa fracassada de golpe, Trump já dizia, como o presidente Jair Bolsonaro disse, que as eleições seriam fraudadas.

Na hora H da investida ao Capitólio, o vice-presidente Mike Pence abandonou Trump, que ademais não contava com uma força essencial para seu putsch típico de república de bananas - as Forças Armadas. Felizmente não houve direção, organização e apoio massivo à invasão - um desejo levado longe demais, no qual o próprio Trump parecia acreditar que se realizaria.

O abismo não foi fechado. Os republicanos têm boas chances de reconquistar a maioria no Senado e, talvez, na Câmara. Governadores republicanos fazem ofensiva em larga escala para dificultar o voto dos negros, modificar os distritos eleitorais a seu favor e legislam para facilitar a contestação de resultados eleitorais. Não há dúvidas, até agora, de que Trump é o candidato favorito do partido.

Um relatório da investigação, concluída pelo procurador especial da Justiça, Robert Mueller, mostrou 10 ocasiões em que Trump obstruiu a Justiça no caso da interferência russa a seu favor nas eleições de 2016. Mais aberrante foi a votação do segundo pedido de impeachment, pela conduta de Trump no 6 de janeiro, quando apenas 7 dos 50 senadores republicanos viram algo de errado na conduta do presidente.

Se um atentado contra a democracia dessa gravidade não levou Trump às barras da Justiça e foi relevado pela grande maioria de um partido que tem chances de dominar o Legislativo, não há nada que impeça que tudo ocorra novamente. Parte relevante da elite americana parece ter se tornado indiferente à democracia.
 
Valor Econômico

Cazaquistão: a nova frente de combate de Wladimir Putin.

 




Para o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a situação na Ucrânia e a segurança europeia. 

Por José Milhazes 

As manifestações e distúrbios no Cazaquistão começaram com reivindicações económicas, principalmente contra o aumento brusco do gás condensado, mas rapidamente surgiram reivindicações políticas. Mais uma dor de cabeça não só para os dirigentes cazaques, mas também para Moscovo, Pequim e Ancara.

Raramente o Cazaquistão é motivo de notícias, o que não significa que o país, embora rico em matérias-primas e com uma população pouco numerosa, enfrente graves problemas económicos e sociais. Estes vão-se acumulando como um barril de pólvora que só espera que se acenda o rastilho para explodir.

Desta vez, o rastilho foi aceso pelo aumento brusco (100%) do gás condensado nas regiões ocidentais do país, onde esse combustível é extraído. O gás é utilizado não só para cozinhar e aquecer as casas, mas também para abastecer automóveis, sendo o seu preço mais baixo do que o petróleo. O aumento do preço tornou ainda mais difícil a vida dos habitantes de um país com rendimentos miseráveis.

Kassym Tokayev, actual Presidente do Cazaquistão, demorou a reagir à indignação dos cidadãos e, quando prometeu fazer baixar o preço do gás, os manifestantes passaram a exigir a demissão do governo e a retirada da vida política de Nussultan Nazarvayev (Velho, vai-te embora! – gritam os descontentes), antigo presidente cazaque que, na realidade, governava o país no cargo de dirigente do Conselho de Segurança Nacional e através de familiares e membros da sua clã, que ocupam importantes cargos nas estruturas do poder.

Pelo menos numa cidade cazaque os manifestantes derrubaram a estátua de Nazarvayev e o actual dirigente cazaque demitiu o seu antecessor desse importante cargo e, segundo a imprensa local, Nazarvayev deverá sair do país “para tratar da saúde”.

Todavia, as manifestações e distúrbios não terminaram, mas alargaram-se a praticamente todas as regiões cazaques, agravando-se seriamente na cidade de Alma-Ata, antiga capital do país.

Esta situação preocupa seriamente o Presidente russo, Vladimir Putin, pois o Cazaquistão é o maior país da Ásia Central e fulcral para a calma nessa região que o Kremlin considera ser sua zona de influência.

Por enquanto, Moscovo declara que se trata de um problema interno do Cazaquistão, mas, se os dirigentes deste país não souberem travar a onda de revolta, Putin não irá ficar de braços cruzados. A preparação propagandística de uma possível intervenção russa já começou. “Analistas políticos” russos afirmam que os distúrbios são provocados a partir de fora com vista a provocar mais uma “revolução colorida” como na Geórgia ou na Ucrânia. Por outro lado, o próprio Kassym Tokayev já veio apoiar essa tese e apressou-se a lançar um apelo à intervenção dos países membros da Organização do Tratado de Segurança Colectiva, considerando-a “apropriada e oportuna para superar a ameaça terrorista”.

A OTSC, que reúne a Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguízia, é uma espécie de NATO e o citado tratado prevê “ajuda militar” dos outros membros caso os dirigentes cazaques peçam.

Vladimir Putin espera que os dirigentes cazaques sejam capazes de esmagar as manifestações de protesto tal como fez o ditador Alexandre Lukachenko na Bielorrússia, mesmo que para isso tenham de provocar um banho de sangue. Mas o apelo lançado por Tokayev é um sinal de que está com dificuldades para controlar a situação e tenta dissuadir os descontentes com uma ameaça de intervenção de tropas do OTSC.

Kassym Tokayev tem a vida facilitada pelo facto de as manifestações e distúrbios não terem um centro de organização. A oposição cazaque encontra-se na mesma situação que a russa ou bielorrussa: na prisão ou no exílio.

Além disso, embora no Cazaquistão o Islão seja a religião dominante, estamos a falar de um dos países mais laicos entre todos os Estados islâmicos.

Porém, Tokayev não tem revelado grandes qualidades na gestão desta perigosa crise. Se ele continuar a “esconder o lixo debaixo do tapete”, ou seja, desprezar os protestos da sociedade e realizar reformas sérias para melhorar a vida das populações, pode esmagar esta onda com um banho de sangue, mas outras ondas se seguirão.

Pequim e Ancara também seguem os acontecimentos com atenção. O Cazaquistão faz fronteira com a região autónoma de Xinjiang, cuja população é muçulmana, muito próxima dos cazaques, e alvo de fortes repressões por parte da ditadura comunista chinesa. As manifestações no país são um mau exemplo para os uigures.

No que respeita à Turquia, esta é uma das zonas de influência pretendidas pelo Presidente Erdogan, pois o Cazaquistão é um país turcomano.

Para o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a situação na Ucrânia e a segurança europeia. No fundo, trata-se da abertura de uma segunda frente de confronto nas costas do dirigente russo e resta saber que Putin tem meios e inteligência para gerir estas duas graves situações. Moscovo terá de resolver rapidamente este problema na Ásia Central, pois, caso contrário, poderá ver-se enfraquecido na luta para alcançar os objectivos apontados no ultimato apresentado aos Estados Unidos, Aliança Atlântica e União Europeia.

Observador (PT)

Um ano após invasão do Congresso, por que mais de 30 milhões ainda dizem que Trump venceu eleição




'Donald Trump fez discurso a seus apoiadores antes que eles marchassem ao Congresso'

Apoiadores de Trump forçaram passagem pela porta principal do Congresso dos EUA em 6 de janeiro de 2021

Por  Mariana Sanches, em Washington

Em seu perfil no Twitter, o homem branco de meia idade do Texas se descreve como um "pecuarista conservador e abençoado". Entre seus posts, ele afirma, um ano depois da invasão do Congresso dos Estados Unidos por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, em 6 de janeiro de 2021, que o republicano ganhou a eleição presidencial de 2020.

"Eu até gostaria de dar entrevista e dizer que isso tudo foi uma grande conspiração da esquerda e da máquina burocrática, mas não me sinto confortável", afirmou o eleitor republicano ao ser procurado pela BBC News Brasil para comentar o primeiro aniversário do ataque ao Capitólio.

Já a dona de casa da Pensilvânia, mãe de 15 filhos, entre os quais dois soldados das Forças Armadas americanas, posta, entre manifestações religiosas, um meme em que uma mulher, identificada como "a mídia", força um líquido ("a narrativa sobre 6 de janeiro") goela abaixo de outra mulher ("o povo americano"). "Não engulam essa porcaria", recomenda.

Um ano, 725 indiciados, 31 encarcerados, US$ 1,5 milhão em prejuízo

Desde que centenas de apoiadores de Trump irromperam pelas portas e janelas do Congresso Nacional, que naquela tarde de 6 de janeiro de 2021 certificava a vitória presidencial do democrata Joe Biden, mais de 725 pessoas foram presas e indiciadas por crimes como invasão e destruição de propriedade pública e lesão corporal a policiais. Cerca de 70 já foram julgadas e 31 delas - entre as quais Jacob Chansley, que ficou conhecido mundialmente pelos adornos de chifre que usava enquanto desfilava pelas salas congressuais - cumprem pena em cadeias pelo país.

As câmeras de segurança, de jornalistas e manifestantes registraram o passo a passo dos atos: a depredação na sala da presidente da Câmara, enquanto seus auxiliares se escondiam; o avanço dos manifestantes que gritavam "enforquem Mike Pence", enquanto o então vice-presidente e sua família eram levados para um esconderijo seguro no prédio; o desespero de parlamentares que se lançaram ao chão de um dos plenários, cercado por manifestantes; os atos heroicos dos agentes de segurança que chegaram a, sozinhos, conter e dispersar dezenas de invasores.

A invasão ao prédio do Congresso - que gerou destruição estimada em US$1,5 milhão (ou mais de R$8,5 milhões) - foi o ato final de uma manifestação de apoio ao então presidente Trump, que havia perdido a tentativa de reeleição em novembro do ano anterior e se recusou a conceder.

Milhares de pessoas se reuniram na capital americana, Washington D.C., naquela manhã de inverno para ouvir do próprio Trump que as eleições tinham sido fraudadas e que ele, sim, era o vitorioso do pleito.

"Todos nós aqui hoje não queremos ver nossa vitória eleitoral roubada por democratas da esquerda radical, que é o que eles estão fazendo. Nós nunca desistiremos, nunca iremos conceder a vitória. Você não admite derrota quando há roubo envolvido", afirmou Trump no discurso ao público, antes que parte dos manifestantes marchasse para o Capitólio. "E nós lutamos. Nós lutamos pra caramba. E se você não lutar muito, você não terá mais um país", disse Trump, que já havia tido recusadas dezenas de contestações na Justiça sobre a contagem de votos.

Apenas duas semanas após a invasão do Capitólio, no mesmo prédio, Biden foi empossado como o 46º mandatário da história do país, em um governo que agora está prestes a completar um ano.

Apesar disso tudo, o pecuarista do Texas e a dona de casa da Pensilvânia seguem acreditando que o atual presidente americano, Joe Biden, fraudou as eleições para chegar à Casa Branca e que as cenas vistas no Capitólio foram orquestradas por grupos de militantes esquerdistas - especialmente antifascistas, conhecidos como "Antifa" - ou por patriotas desesperados por salvar a democracia do país. E ambos não estão sozinhos nessa crença: dezenas de milhões de americanos partilham dessas mesmas convicções.

"Nossa pesquisa mostra que 71% dos eleitores que se identificam como republicanos dizem que Biden não foi eleito legitimamente. E outros 6% dizem não ter certeza. Então potencialmente três quartos dos republicanos acreditam até hoje que Trump ganhou", afirma o cientista político da Universidade de Massachussets, Amherst, Alexander Theodoridis. Theodoridis é um dos diretores de uma pesquisa sobre o assunto divulgada há uma semana e feita em parceria com o Instituto YouGov.

Outros levantamentos apontam na mesma direção. Em novembro, o Public Religion Research Institute aferiu que 68% dos republicanos acreditavam que a eleição havia sido "roubada" de Donald Trump. Como cerca de 50 milhões de pessoas são registradas como eleitores republicanos nos EUA, as sondagens indicam que ao menos 35 milhões de americanos seguem convencidos de ter havido fraude eleitoral.

"Comparado ao eleitorado em geral, aqueles que acreditam que Trump ganhou a eleição de 2020 são desproporcionalmente republicanos e brancos. Na média são mais velhos, vivem nos Estados do Sul e têm menor escolaridade. E são mais conservadores e religiosos - com frequência se descrevem como cristãos protestantes", diz Theodoridis.

Republicanos em fila atrás de Trump

Especialista em eleições e teorias da conspiração nos EUA, o cientista político Joseph Uscinski, da Universidade de Miami, afirma que, historicamente, entre 30% e 40% dos eleitores americanos afiliados ao partido perdedor em uma dada eleição presidencial tendem a contestar a lisura do pleito.

"As pessoas acreditam em todo tipo de coisa e isso é triste, mas é o que é. A diferença aqui é que pela primeira vez vimos um presidente no poder e seu partido endossando essas teorias conspiratórias. E isso explica porque essa taxa de incrédulos é o dobro do que a taxa histórica, porque há líderes políticos que abusam da confiança que as pessoas depositam neles e espalham desinformação. Se Trump tivesse admitido a derrota, não veríamos esses números. Mas não foi isso o que aconteceu", afirma Uscinski.

Imediatamente após as cenas de violência no Capitólio há um ano, líderes republicanos vieram a público condenar os atos de Trump e de seus apoiadores. O senador Mitch McConnell afirmou que o então presidente era "prática e moralmente responsável" pela invasão do Congresso. O deputado Kevin McCarthy, líder da minoria republicana na Câmara, disse que Trump concorreu para "o ataque dessa massa amotinada".

No caso de McCarthy, a indignação com Trump não durou nem mesmo 15 dias. O líder voltou atrás e disse que não acreditava mais que o mandatário tivesse provocado a invasão. O mesmo aconteceu com quase todos os políticos com mandatos federais.

'Milhares de pessoas se reuniram em Washington, inclusive com a presença de Trump, para contestar resultado da eleição de novembro de 2020'

Jim Jordan, o representante republicano por Ohio, culpou manifestantes Black Lives Matter por criar um clima de "normalização da anarquia" no país e sugeriu, sem qualquer evidência, que os envolvidos nos atos podiam ser manifestantes por igualdade racial ou esquerdistas - discurso repetido por eleitores republicanos. O deputado republicano Paul Gosar, do Arizona, disse que o serviço de inteligência americano, o FBI, tinha sido o real responsável por desencadear a violência no Capitólio.

Já o trumpista Matt Gaetz, deputado pela Flórida, criticou recentemente a Comissão Parlamentar de investigação sobre o 6 de janeiro por querer interrogar o analista político Steve Bannon e o chefe de gabinete de Trump Mark Meadows, entre outros assessores que travaram diálogos com Trump naqueles primeiros dias de 2021.

"É quase como se o Comitê Corrupto sobre 6 de janeiro estivesse perseguindo todos aqueles de quem Trump precisa para vencer (a eleição) novamente em 2024. É coisa de República das Bananas", afirmou Gaetz, que passou o ano novo em Mar-a-Lago, a casa de veraneio de Trump na Flórida.

"Seis anos atrás, os republicanos tratavam Trump como um espetáculo à parte do partido. Hoje, um número significativo de republicanos históricos e convencionais se coloca em fila atrás de Trump, mesmo depois que seus apoiadores pediram a execução de seu vice-presidente enquanto vagavam pelos corredores do Congresso", afirma Michael Edison Hayden, porta-voz do Southern Poverty Law Center, um observatório de extremismo e discurso de ódio nos EUA.

Aqueles republicanos que não seguiram esse caminho, e apoiaram investigações sobre os assuntos, foram lançados ao ostracismo partidário. O caso mais emblemático é o da deputada Liz Cheney.

"Não há dúvida de que o presidente formou a turba e a incitou. Ele acendeu a chama (para o ataque)", ela tuitou ainda em 6 de janeiro.

Cheney, que integra a comissão parlamentar de investigação dos atos daquele dia, foi removida do posto de líder republicana na Câmara, e substituída por Elise Stefanik, uma entusiasmada trumpista e deputada por Nova York. Em seu conservador Wyoming, Cheney recebeu censura pública do partido. "É um ser humano horrível e amargo", afirmou Trump publicamente sobre ela, que já foi considerada uma republicana de alta patente, em parte por ser filha do ex-vice-presidente Dick Cheney, e agora deve perder seu assento na Câmara nas eleições legislativas de novembro de 2022.

"Os pouquíssimos republicanos que se opuseram às acusações de Trump sobre fraude eleitoral estão com os cargos arriscados ou se aposentaram. Entre os que não o fizeram, alguns realmente acreditam no que ele diz, mas muitos o enxergam como um grande problema, só que estão assustados demais para fazer algo. E nossa pesquisa sugere que eles têm razão em estar assustados: mais da metade dos eleitores republicanos disseram que não pretendem votar nos candidatos do partido que não tenham apoiado a retórica e os atos de Trump", afirma Theodoridis.

Fervorosa defensora de Trump

Para a enfermeira Catherine*, de 30 anos, não seria surpresa se sua mãe, republicana, não apenas punisse quem discordou de Trump no voto como 'pedisse pena de prisão a eles'.

Nos últimos anos, a mãe de Catherine, uma corretora de imóveis aposentada do Wisconsin, passou de uma eleitora historicamente desinteressada em política a uma fervorosa defensora de Trump, que segue acreditando que o ex-presidente seria o legítimo ocupante da Casa Branca. Para Catherine, o extremismo da mãe ficou evidente por meio do controle remoto da televisão.

"Ela sempre assistiu (ao canal de notícias de tendência conservadora) FOX News. Eventualmente a FOX ficou esquerdista demais para ela e ela optou pela Newsmax (rede que noticiou como verdadeiras as alegações de fraude eleitoral de Trump sobre as quais não há provas). Ela se inscreveu no Twitter especificamente para seguir apenas Trump, mas saiu quando a conta dele foi suspensa. Agora, ela recebe correntes de texto de seus 'amigos' que têm o que ela chama de 'notícias reais', basicamente um compêndio de conspiração do QAnon. Chegamos a um ponto em nosso relacionamento em que simplesmente não podemos discutir política", afirma Catherine.

Aos 61 anos, a mãe de Catherine recusa-se a se vacinar contra covid-19. Há algumas semanas, Trump afirmou publicamente que tomou imunizantes contra o novo coronavírus, inclusive a dose de reforço. Foi vaiado na ocasião pela plateia de apoiadores. A mãe de Catherine crê que o vídeo em que Trump recomenda a vacinação é uma montagem.

Para o cientista político Uscinski, o episódio da vacina mostra que voltar atrás em dadas mensagens repetidas a exaustão aos eleitores pode ser inviável no curto prazo. E por isso, a crença em teorias da conspiração entre republicanos pode ser um fenômeno que se estenderá ao longo de décadas. "Acreditar que Trump venceu em 2020 se tornou parte do que significa ser republicano, tanto quanto não acreditar em aquecimento global ou recusar-se a tomar a vacina de covid", diz Uscinski.

O nome da entrevistada foi alterado para preservar sua privacidade

BBC Brasil

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