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1) O nepotismo e a súmula vinculante 13 do STF
O uso da estrutura do Estado para satisfazer interesses individuais que não coincidem com os interesses da sociedade é aspecto da cultura brasileira. Desde a nomeação de familiares para posições de alta importância até a destinação de recursos públicos conforme vínculos de amizade, há confusão entre o universo privado e público, como bem escreveu por Sérgio Buarque de Holanda. É comum a prática nepotismo, presente no favorecimento de parentes, independente das suas aptidões, por uma autoridade que detém poder.
Episodicamente, robustece a intolerância com o uso das estruturas públicas em favor de interesses exclusivamente pessoais. Em alguns desses momentos, os Poderes do Estado veem-se especialmente pressionados a encarar o desafio de evitar a prevalência dos interesses privados que sequer se coadunam com as necessidades coletivas, não sendo possível ignorar a demanda da própria sociedade por medidas coibitivas de práticas nepotistas. Foi em um contexto dessa natureza que o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
Não se ignora que o referido julgamento deu-se sob forte pressão da sociedade contrária ao nepotismo presente nas mais diversas estruturas do Estado. Percebe-se que a edição pelo STF da súmula vinculante nº 13, que veda o nepotismo em todos os Poderes de quaisquer dos entes federativos, almejou dar uma resposta única e definitiva, proibitiva do nepotismo. A ideia subjacente foi a de que a sociedade brasileira, em pleno século XXI, não tolera que sejam loteados cargos comissionados e funções de confianças entre pessoas que, por possuírem vínculos familiares com as autoridades nomeantes ou seus colegas, transformam a estrutura do Estado em verdadeiros feudos. O STF comprometeu-se em dar eficácia imediata às exigências de moralidade e de isonomia previstas no “caput” do artigo 37 da CR, bem como concretizar a eficiência erigida no mesmo dispositivo a princípio constitucional expresso pela Emenda Constitucional 19/98.
Antes da edição da súmula, foram objeto de julgamento poucas ações, destacando-se a Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 e o Recurso Extraordinário nº 579.951-RN. Na ADC 12, o STF considerou constitucional a Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça que tornara proscrita a nomeação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário. No RE nº 579.951-RN, o Supremo considerou nepotismo a contratação do irmão de um agente político para o exercício de função administrativa municipal. Admitiu, contudo, a designação de parentes para exercer função política, como na hipótese de nomeação para o exercício do cargo de Secretário Municipal. Com base em número reduzido de julgados, foi aprovada a referida súmula vinculante, à unanimidade.
2) Do rigor na aplicação da súmula vinculante 13 às primeiras “adaptações” hermenêuticas às situações concretas
Logo após editada a súmula vinculante 13, a maioria dos órgãos administrativos e de controle entendeu que o significado normativo atribuído à moralidade, à impessoalidade e à eficiência pelo STF impedia qualquer decisão contrária, sob pena de ofensa à própria Constituição. De início, foi praticamente unânime o entendimento de que o STF pretendera normatizar, proibindo, qualquer situação concreta que se amoldasse às vedações abstratas genericamente consagradas na súmula.
No entanto, nas discussões subsequentes travadas na realidade administrativa e submetidas ao Judiciário colocaram-se limites à atividade levada a efeito pela Corte Suprema. O próprio STF, em mais de uma oportunidade, reconheceu a inviabilidade de submeter à súmula vinculante 13 todas as situações possíveis no cotidiano da Administração Pública; em alguns processos afirmou a necessidade de adaptar o entendimento inicial às especificidades do caso em julgamento.
No que tange aos servidores efetivos designados para o exercício de funções gratificadas ou cargo comissionado em relação a servidor não efetivo integrante do quadro de pessoal na mesma esfera, o STF, ao decidir o MS nº 28.485-SE, afastou o nepotismo, considerando a amplitude e a complexidade da estrutura administrativa dos diversos órgãos no tocante à gestão de seus servidores (efetivos ou não). Entendeu não configurar nepotismo a nomeação de pessoa sem vínculo efetivo com o órgão para cargo de direção, chefia ou assessoramento quando não se questionou, no caso concreto, a existência de qualquer influência do servidor efetivo com quem o nomeado é casado, mantém relação estável ou possui relação de parentesco sobre a autoridade nomeante, seja para fins de se alcançarem interesses pessoais do servidor efetivo (devido a relações de amizade, subordinação ou mudança de localidade, por exemplo) ou da autoridade nomeante (mediante troca de favores).
Em face do referido acórdão, divulgado em dezembro de 2014, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar uma norma regulatória de nepotismo (Resolução nº 7 do CNJ), estabeleceu, em face da súmula 13 do STF, a necessidade de atentar para as especificidades da situação concreta, a fim de obter segurança quanto à imoralidade de uma determinada nomeação para cargo comissionado ou atribuição de função gratificada. Fixou que, antes de se afirmar a ocorrência de nepotismo com a exoneração do servidor que tenha vinculação anterior com outro agente público, é necessário apurar os elementos essenciais à formação do juízo decisório final. O entendimento foi de que o juízo sobre os elementos objetivos do nepotismo exige uma instrução mínima e especificação meritória cabível em sede regulamentar ou regulatória.
No Agravo Regimental na Reclamação nº 15.451-RJ, o Pleno do Supremo já afirmara, em abril de 2014, que “A redação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema”. Em seu voto, o Ministro Relator mencionou o pensamento explicitado pelo Ministro Ricardo Lewandowski quando do julgamento que culminou na súmula vinculante 13: “Penso que a redação nunca encontrará todas as hipóteses da realidade fática”. Também no MS nº 31.697-DF havia sido mencionado que “A edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para a orientação da atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/88”.
Resulta da jurisprudência citada que o STF, já em 2014, afirmou a inadmissibilidade de se imputar à súmula vinculante 13 a tarefa de ser o único veículo normativo capaz de, por si só, definir a prática de nepotismo em todas as esferas do Estado brasileiro. Daí reconhecer que pessoas federativas e órgãos com poder regulamentar constitucional normatizem as hipóteses que caracterizam a prática nepotista e o procedimento necessário a que se faça o juízo público sobre a sua ocorrência, ou não. Outrossim, passou a destacar a importância de analisar no caso concreto a presença dos elementos “objetivos” da prática nepotista, em procedimentos a serem realizados no órgão administrativo competente.
3) Nepotismo em caso de agentes políticos
A decisão originária do STF relativa aos agentes políticos os excluiu da súmula vinculante 13, tendo sido exarada pelo Pleno no Recurso Extraordinário nº 579.951, relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski, ainda em 2008. Diante dos termos do acórdão, que teria criado uma exceção à proibição do nepotismo, enfrentou-se um problema quanto à própria noção de “agentes políticos”, já que não há unanimidade doutrinária quanto ao conceito; de fato, é significativa a controvérsia até mesmo sobre incluir, ou não, os membros da magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas na referida categoria.
A controvérsia doutrinária chegou aos Tribunais, tendo o Pleno do STF decidido, em abril de 2009, que os Conselheiros dos Tribunais de Contas não se incluiriam na categoria de agentes políticos (MC-Agravo Regimental na Reclamação 6.702). Sem discutir se os membros da magistratura são, ou não, agentes políticos, a 2ª Turma do STF, ao decidir o MS nº 27.945, relatado pela Ministra Cármen Lúcia, reconheceu haver nepotismo na nomeação de um irmão de Juiz Federal nomeado função comissionada no TRF 1ª Região, aplicando objetivamente a súmula vinculante 13.
Observa-se que, se logo depois de editada a súmula vinculante nº 13 o Pleno do STF entendia que agentes políticos não submetiam às hipóteses da Súmula vinculante nº 13 (Reclamação nº 6.650, relatada Ministra Ellen Gracie, publicada no DJe de 21.11.2008), decisões mais recentes falam em análise com atenção às especificidades da situação concreta, visto que “A desconstituição de ato de nomeação para cargos políticos com fundamento na vedação da prática de nepotismo deve ser tomada no caso concreto, perante autoridade competente para proceder à análise das circunstâncias fáticas referentes à aptidão técnica do agente político, com a instauração do devido processo legal e a observância dos postulados da ampla defesa e do contraditório (…)”[1]. E embora ainda haja decisões no sentido de que o agente político não está submetido às hipóteses da Súmula vinculante nº 13 ressalvada a hipótese de fraude a lei[2], é certo que, até mesmo em decisões monocráticas, Ministros do STF sublinham a necessidade de verificar, caso a caso, se é hipótese de exceção à súmula, pois o enunciado da SV 13 não prevê exceção. Assim pontuou o Ministro Joaquim Barbosa ao apreciar, monocraticamente, em 2011, a Medida Cautelar requerida na Reclamação 12.478.
Conclui-se, examinando a jurisprudência da Corte Suprema, que também quanto aos agentes políticos ocorreu mutação no entendimento adotado imediatamente após editada a súmula vinculante 13. Se inicialmente o Pleno entendeu, no Recurso Extraordinário nº 579.951, que os agentes políticos não se submetiam à proibição de nepotismo tal como disposto na súmula vinculante 13 (e o fez de modo genérico, sem cogitar de qualquer eventual especificidade nas decisões concretas), julgados posteriores passaram a admitir demonstração, no caso concreto, da prática do apadrinhamento indevido também para agentes políticos, seja por nepotismo cruzado, seja por fraude a lei, de modo a atrair a repulsa do ordenamento.
4) O casuísmo e a instabilidade na definição do nepotismo
Em um primeiro exame das decisões do Pleno e das Turmas do STF, identifica-se uma orientação inicial de caráter mais absoluto: a) proibição do nepotismo com a mera presença dos elementos objetivos indicadores da sua prática (súmula vinculante 13); b) exceção feita somente para os agentes políticos, excluídos da automática incidência da súmula vinculante 13 (Recurso Extraordinário nº 579.951).
Em um segundo momento, o STF passou a admitir, quanto à regra geral da súmula vinculante 13, não só o poder normativo das pessoas federativas e órgãos a fim de detalhar a caracterização do nepotismo, como expressamente considerou necessário fazer prova, nas situações concretas, do apadrinhamento indevido. E embora se fale em procedimentos que caracterizem os elementos objetivos da súmula vinculante 13, o resultado efetivo desse entendimento passa a ser a análise subjetiva do desvirtuamento da imparcialidade na escolha daqueles que ocuparão cargos comissionados ou funções de confiança. No lugar da simples evidência do parentesco, por si, caracterizar o nepotismo e impedir a nomeação (entendimento inicial), passa-se a admitir que, em procedimentos específicos, seja demonstrada a ausência de influência pessoal indevida quando da nomeação, o que consiste em manifesto exame de aspectos subjetivos, caso a caso (entendimento subsequente).
Mutação semelhante aconteceu, nesse segundo momento, quanto à exceção inicialmente prevista para os agentes políticos. Se quando do Recurso Extraordinário nº 579.951 os agentes políticos foram excluídos, de modo genérico e abstrato, da súmula vinculante 13 (entendimento inicial), decisões subsequentes passaram a fixar que a sua exclusão dos termos da súmula não era absoluta, sendo possível demonstrar, na situação concreta, a ocorrência de apadrinhamento indevido, o que tornaria a nomeação do agente político inadmissível (entendimento subsequente).
Denota-se, contudo, que a mutação jurisprudencial não se limitou a esse aspecto. Nos anos de 2017 e 2018, a maioria dos acórdãos do Pleno e das Turmas do STF não confrontou o mérito da questão, nem rediscutiu a matéria no caso concreto, sendo reiteradas as decisões no sentido de que é inviável reexaminar o conjunto fático probatório[3] ou ultrapassar os limites fáticos postos pelos Tribunais de origem[4], ao que se acresce o não conhecimento da Reclamação por inadequação da via eleita[5], bem como o não processamento de Recurso Extraordinário em razão da conformidade da decisão impugnada com a jurisprudência da Corte Suprema[6]. Em compensação, foram exaradas dezenas de decisões monocráticas analisando as controvérsias, com discussões meritórias sobre os casos de nepotismo em exame, mesmo quando inadmitida a medida processual apresentada ao Supremo. Cumpre destacar que, no mérito, as decisões monocráticas veiculam entendimentos diferentes e, não raramente, contraditórios, senão vejamos:
Em decisão monocrática proferida em sede cautelar na Reclamação 28.842-AL, o Ministro Alexandre Moraes reconheceu haver nepotismo no caso de nomeação de irmão de Prefeito para compor Conselho Fiscal de Autarquia e na Reclamação nº 28.681-TO assentou que cargos políticos não se submetem à súmula vinculante 13. Também o Ministro Celso de Mello excluiu tratar-se de nepotismo a hipótese de nomeação do marido da Prefeita como Secretário Municipal, tendo em vista a experiência política afirmada nas informações apresentadas no Mandado de Segurança, documento a que aplicou a presunção de veracidade dos atos administrativos.[7] Não foi outra a posição do Ministro Ricardo Lewandowski ao afirmar que “o Plenário deste Tribunal ao apreciar a Rcl 6.650-MC-AgR/PR, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, ratificou o entendimento que havia sido anteriormente sinalizado no julgamento de mérito do RE 579.951/RN, de minha relatoria, no sentido de que os cargos de natureza eminentemente política não se submetem, a princípio, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante 13”, sendo que “a investigação das situações de nepotismo, mesmo na hipótese de cargos políticos, deveria ser realizada caso a caso”.[8]
O Ministro Gilmar Mendes afastou a ocorrência de nepotismo ao argumento de que a incompatibilidade em face da súmula vinculante 13, “não decorre diretamente da existência da relação de parentesco”. No que tange a dois cargos de assessoria jurídica em Tribunal, reconheceu especial discricionariedade à magistratura para escolha dos servidores que formarão sua assessoria, observados limites legais e constitucionais; por fim, excluiu o nepotismo, visto que ausente prova da influência de um dos cônjuges na seleção para o outro cargo de assessoria, sem referência ou indício à troca de favores ou “nomeações recíprocas”.[9]Em outra oportunidade, não constatou, de plano violação à súmula vinculante 13, em caso de nomeação de esposa do vice-prefeito para desempenhar cargo de Secretária municipal, “cargo que possui natureza eminentemente política”, tendo acompanhado o Relator do RE nº 579.951 quando entendeu inexistente a prática de nepotismo cruzado em relação a cargos de natureza política.[10]
Em sentido contrário, aplicando de modo objetivo a súmula vinculante 13 em relação aos agentes políticos, o Ministro Marco Aurélio entendeu ser prática de nepotismo “indicar cônjuge para o desempenho da posição de Secretária Municipal, bem assim irmã para cargo em comissão de natureza técnica”, destacando que o enunciado contempla três vedações distintas relativamente à nomeação para cargo em comissão ou função gratificada em qualquer dos Poderes de todos os entes integrantes da Federação, sem exceção quanto ao cargo de Secretária Municipal, “estando também abarcada na proibição a nomeação de parente, mesmo servidor efetivo, para cargo em comissão ou função de confiança.[11]
Na Reclamação nº 29.284-SE, o Ministro Luís Roberto Barroso assentou que “O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante nº 13 aos cargos de natureza política, como os de Secretário Municipal ou Estadual”, mas “A jurisprudência desta Corte ressalva da aplicação desse entendimento as hipóteses de nepotismo cruzado, fraude à lei e inequívoca falta de razoabilidade da indicação, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.”[12]
O Ministro Edson Fachin, após assentar que “o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento no sentido de que é vedado o nepotismo, como consequência à observância dos princípios da moralidade e impessoalidade insculpidos no art. 37 da Constituição Federal”, fixou que, “no que tange à relevância dos argumentos apresentados em relação aos cargos de natureza política, tais como os cargos de Secretários Municipais, ainda não há posicionamento pacífico desta Corte acerca incidência da Súmula Vinculante nº 13 a casos semelhantes” [13].
De tais decisões monocráticas, ressai claro que, embora tenha permanecido incólume o texto da súmula vinculante 13 do STF, as normas daí extraídas pelos próprios Ministros do STF variam caso a caso, assim como a fundamentação aduzida para embasar as diversas conclusões. A ideia de que a súmula vinculante solucionaria, de uma só vez, os problemas do cotidiano estatal brasileiro com a prática de nepotismo, com a mera aprovação do seu conteúdo, mostrou-se irrealizada. Não se negam os benefícios pedagógicos do enunciado junto aos três Poderes e três níveis da federação, apenas é preciso redimensionar o objetivo de com um só texto, oriundo do Judiciário, solucionar uma demanda normativa contrária a uma prática enraizada nas estruturas do Estado e da sociedade brasileira.
5) Questionamentos finais
Em tema espinhoso como o relativo ao nepotismo, não se vislumbram respostas fáceis e muito menos únicas. Aqui, o que se pretende é enxergar o panorama em que estamos inseridos, constatar as suas faltas e contradições, para, então, levantar questionamentos de modo que respostas normativas e administrativas futuras aperfeiçoem o combate às práticas reiteradas de ofensa à moralidade, à impessoalidade e à eficiência dos Poderes do Estado. Dentre as perguntas cabíveis diante da matéria, é preciso discutir:
– Basta a consagração da moralidade e da impessoalidade no “caput” do artigo 37 da Constituição para, de modo automático, ter-se uma proibição de qualquer prática nepotismo, nos termos em que estipulou a Súmula Vinculante nº 13?
– A operacionalização da vedação do nepotismo independe de qualquer norma aprovada pelo Poder Legislativo e, ainda, de qualquer especificação técnica de órgãos públicos e entidades administrativas?
– Interpretações isoladas e divergentes, em decisões monocráticas exaradas por Ministros do STF, asseguram a efetividade do texto de súmula vinculante e garantem a segurança jurídica pretendida com a sua edição e necessária à Administração Pública e aos cidadãos? Diante da atual realidade jurisprudencial sobre o tema do nepotismo, há riscos de se reforçar o mito de que a Justiça por vezes funciona como loteria e em outras beneficia aqueles que, próximos ao centro do poder, têm seus interesses mais facilmente considerados e atendidos?
– Como evitar que o funcionamento do sistema judicial, no tocante a instrumentos concebidos para garantir segurança jurídica, uniformidade e rapidez na Corte Suprema (como é o caso a súmula vinculante), termine em decisões isoladas e contraditórias que reforçam a sensação de casuísmo arbitrário em toda sociedade?
– Um texto normativo de combate ao nepotismo requer somente elementos objetivos que, presentes, excluem a prática de ato que lhe seja contrário ou é preciso examinar aspectos subjetivos, caso a caso, na esfera de Poder que administrativamente atua em cada situação?
– Eventual fixação de elementos subjetivos, a serem aferidos em cada hipótese pelo órgão da Administração competente, implica retrocesso em relação à proliferação de atos de nepotismo e reforçam a impressão de que será possível, caso a caso, voltar a situações de apadrinhamento indevido, com mera manipulação de noções como “ausência de prova de influência pessoal” ou “inexistência de evidência robusta da troca de favores”?
– O estabelecimento de aspectos objetivos que, presentes, excluem qualquer situação que ali se enquadre é instrumento adequado e justo para normatizar o combate ao nepotismo no Estado Brasileiro?
Além destas, são inúmeras as indagações cabíveis, tratando-se de uma demanda que cada jurista e cidadão precisa enfrentar como parte do caminho necessário para que o Estado Brasileiro alcance uma resposta normativa adequada ao combate do nepotismo. Que se inicie o debate.
[1] Agravo Regimental na Reclamação nº 27.944-MG, 2ª Turma do STF, DJe de 16.11.2017
[2] Ag. Regimental no RE nº 825.682, rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma do STF, DJe de 02.03.2015
[3] Agravo Regimental no RE com Agravo nº 1.078.086-RJ, rel. Ministra Cármen Lúcia, Pleno do STF, julgamento em 23.02.2018; Agravo Regimental no RE nº 968.674-SC, rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma do STF, julgamento em 30.06.2017; Agravo Regimental no RE com Agravo nº 919.655-DF, rel. Min. Edson Fachin, 2ª Turma do STF, julgamento em 02.06.2017; Agravo Regimental no RE com Agravo nº 980.009-MG, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma do STF, julgamento em 05.05.2017; Agravo Regimental no RE com Agravo nº 960.446-RJ, rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma do STF, julgamento em 06.02.2017
[4]Agravo Regimental no RE nº 807.383-SC, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma do STF, julgamento em 30.06.2017
[5] Agravo Regimental na Reclamação nº 17.219-SC, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, julgamento em 21.11.2017
[6] Agravo Regimental no RE nº 922.947-RN, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, julgamento em 30.06.2017
[7] MC-Reclamação 28.111-MT, rel. Min. Celso de Mello, STF, DJe de 26.10.2017.
[8] Reclamação nº 25.750-SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, STF, julgamento em 14.11.2017.
[9] Embargos Declaratórios no MS nº 34.179-DF, rel. Min. Gilmar Mendes, STF, DJe de 26.06.2017.
[10] Reclamação nº 29.317-RJ, rel. Ministro Gilmar Mendes, STF, DJe de 01.02.2018.
[11] Reclamação nº 27.797-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, STF, DJe de 31.01.2018.
[12] No mesmo sentido, a MC-Reclamação nº 29.033-DF, rel. Min. Roberto Barroso, STF, DJe de 27.11.2017.
[13] MC-Reclamação nº 26.448-RJ, rel. Min. Edson Fachin, STF, DJe de 21.06.2017.