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sábado, fevereiro 22, 2025

Uma juíza foi punida por nossa causa

 

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09:08 (há 1 hora)
para mim
Juíza Joana Ribeiro Zimmer, que tentou evitar aborto de criança de 11 anos estuprada em Santa Catarina, recebe pena de censura

Sábado, 22 de fevereiro de 2025

Uma juíza foi punida por nossa causa

“Ela deixou que seus valores pessoais prevalecessem sobre o interesse da criança", diz relator.

Não é todo dia que um juiz é alvo de uma investigação. Muito menos é punido. Mas isso aconteceu nesta semana – e foi por nossa causa.


Na terça-feira, 18, o Conselho Nacional de Justiça decidiu aplicar a pena de censura à juíza catarinense Joana Ribeiro Zimmer por sua atuação para impedir que uma menina de 11 anos tivesse acesso ao aborto legal. O caso, revelado em junho de 2022 pelo Intercept Brasil em parceria com o portal Catarinas, chocou o Brasil – e se tornou um marco na luta contra a gravidez infantil e a liberdade de imprensa no país.


Na época, nós mostramos como Zimmer e a promotora Mirella Dutra Alberton atuaram em uma audiência para tentar dissuadir a menina, que havia engravidado aos 10 anos, de fazer o aborto. “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questionou a juíza. A menina, vítima de estupro, havia sido obrigada pela juíza a ficar em um abrigo enquanto a gestação avançava. Uma gestação naquela idade é perigosa – e quanto mais o tempo passava, maior o risco para a vida da menina.


Os vídeos da audiência foram enviados ao Intercept por uma fonte anônima e são um registro raro da conduta do judiciário nesse tipo de caso. As gravações mostram a juíza e a promotora tentando induzir a menina a segurar a gestação por mais algumas semanas para aumentar a chance de sobrevida do feto, usando termos apelativos e chamando o feto de “bebê", enquanto a vítima segue reticente e sua mãe suplica para que a menina volte para casa.


Depois que publicamos a reportagem, houve uma forte reação do público. Após semanas de dor e separação da sua mãe, a menina conseguiu voltar para casa e realizar o procedimento após um pedido do Ministério Público Federal. Investigações foram abertas no CNJ e na corregedoria do MP para avaliar a conduta da juíza, da promotora e do hospital que negou o procedimento à criança.


Mas a história não terminou ali. O caso seguiu com desdobramentos insanos – encabeçados, principalmente, pela extrema direita fundamentalista, que resolveu atacar o nosso jornalismo. Para isso, foi usado todo tipo de munição – de ataques em sites de fake news a uma CPI aberta na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, a Alesc.


Talvez você não tenha acompanhado. Mas, daqui de dentro da redação do Intercept, foi quase um ano lidando com ataques e ameaças à liberdade de imprensa e a direitos básicos, como o aborto legal em caso de estupro, previsto há mais de 80 anos no Código Penal, e o direito ao sigilo da fonte, consagrado na Constituição.

O primeiro ataque foi quando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, na época liderado por Damares Alves, atual senadora pelo Republicanos do DF, formalizou ao Ministério Público pedidos de investigação contra os médicos e contra nós para “apurar a responsabilidade cível e criminal do site The Intercept por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso”.


Depois, na Alesc, a deputada Ana Caroline Campagnolo, do PL, foi a principal responsável por não deixar a história de terror vivida pela menina terminar. A deputada, que se orgulha de ser antifeminista, abriu a CPI não para investigar a juíza e a promotora, mas “a divulgação de informações incorretas, o vazamento de dados sigilosos sobre o caso e a dúvida sobre se houve cometimento de crime”. Ou seja, o nosso jornalismo, que a deputada classificou como parte de um “lobby abortista e feminista”.


A CPI era tão absurda que várias de entidades humanitárias acionaram em nossa defesa a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a ONU, que se manifestou condenando a “intimidação de três mulheres jornalistas e defensoras de direitos humanos por cobrirem o caso de uma menina vítima de estupro, cujos direitos de saúde sexual e reprodutiva teriam sido violados”.


A CPI terminou com um relatório que sugere que uma rede, que nos incluía, teve ações deliberadas para “fomentar o crime de aborto”. Naquele caso, vale lembrar, a criança havia sido vítima de estupro de vulnerável, ou seja: o aborto está previsto na exceção da lei brasileira.


Se você pensa que acabou, está errado. A polícia de Santa Catarina seguiu muito empenhada em caçar as fontes que nos permitiram o acesso ao processo judicial – uma arbitrariedade grotesca que atropela a proteção da fonte prevista na Constituição para que o jornalismo possa expor abusos de poder como esses.


Quase um ano depois da publicação da reportagem, sem provas, a polícia catarinense indiciou duas advogadas que atuaram na defesa da menina – um pedido tão absurdo que foi arquivado poucas semanas depois.


Como você percebeu, tem sido uma longa história que se desdobrou muito depois de apertarmos o botão “publicar” – e é possível que ainda não tenha terminado.


Essa reportagem foi finalista do prêmio Gabo, o mais importante de língua portuguesa e espanhol. Mas ter chegado lá não chega perto dos impactos concretos que o nosso jornalismo provocou.


A pena imposta à Zimmer pelo CNJ é mais um deles. Na prática, a juíza catarinense será impedida de ter promoções por um ano, segundo a Lei Orgânica da Magistratura. A pena de censura é considerada uma pena intermediária – mas, ainda assim, é incomum. O número de magistrados punidos por ano, seja com penas leves ou severas, costuma ir de seis a 21.


A defesa de Zimmer alegou que a juíza queria preservar a menor. E, adivinha, atacou o nosso jornalismo – pela milésima vez. “Foi a exposição midiática que causou um problema familiar”, declarou seu advogado. Mas, para o relator do processo, conselheiro Bandeira de Mello, Zimmer se concentrou em seus valores pessoais e “deixou de lado os interesses da menor, uma menina de 10 anos, vítima de estupro”.


“O que choca em particular nessa audiência é a tentativa da magistrada de humanizar a situação de gravidez decorrente de estupro", disse o relator. Uma audiência que, se não fosse a nossa coragem, jamais teria vindo a público.

Mas essa coragem só é possível graças a milhares de leitores como você, que reconhecem o poder do jornalismo e decidiram apoiar nosso trabalho. Suas doações são o único escudo que temos para continuar de pé em meio aos constantes ataques.

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