O primeiro ataque foi quando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, na época liderado por Damares Alves, atual senadora pelo Republicanos do DF, formalizou ao Ministério Público pedidos de investigação contra os médicos e contra nós para “apurar a responsabilidade cível e criminal do site The Intercept por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso”.
Depois, na Alesc, a deputada Ana Caroline Campagnolo, do PL, foi a principal responsável por não deixar a história de terror vivida pela menina terminar. A deputada, que se orgulha de ser antifeminista, abriu a CPI não para investigar a juíza e a promotora, mas “a divulgação de informações incorretas, o vazamento de dados sigilosos sobre o caso e a dúvida sobre se houve cometimento de crime”. Ou seja, o nosso jornalismo, que a deputada classificou como parte de um “lobby abortista e feminista”.
A CPI era tão absurda que várias de entidades humanitárias acionaram em nossa defesa a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a ONU, que se manifestou condenando a “intimidação de três mulheres jornalistas e defensoras de direitos humanos por cobrirem o caso de uma menina vítima de estupro, cujos direitos de saúde sexual e reprodutiva teriam sido violados”.
A CPI terminou com um relatório que sugere que uma rede, que nos incluía, teve ações deliberadas para “fomentar o crime de aborto”. Naquele caso, vale lembrar, a criança havia sido vítima de estupro de vulnerável, ou seja: o aborto está previsto na exceção da lei brasileira.
Se você pensa que acabou, está errado. A polícia de Santa Catarina seguiu muito empenhada em caçar as fontes que nos permitiram o acesso ao processo judicial – uma arbitrariedade grotesca que atropela a proteção da fonte prevista na Constituição para que o jornalismo possa expor abusos de poder como esses.
Quase um ano depois da publicação da reportagem, sem provas, a polícia catarinense indiciou duas advogadas que atuaram na defesa da menina – um pedido tão absurdo que foi arquivado poucas semanas depois.
Como você percebeu, tem sido uma longa história que se desdobrou muito depois de apertarmos o botão “publicar” – e é possível que ainda não tenha terminado.
Essa reportagem foi finalista do prêmio Gabo, o mais importante de língua portuguesa e espanhol. Mas ter chegado lá não chega perto dos impactos concretos que o nosso jornalismo provocou.
A pena imposta à Zimmer pelo CNJ é mais um deles. Na prática, a juíza catarinense será impedida de ter promoções por um ano, segundo a Lei Orgânica da Magistratura. A pena de censura é considerada uma pena intermediária – mas, ainda assim, é incomum. O número de magistrados punidos por ano, seja com penas leves ou severas, costuma ir de seis a 21.
A defesa de Zimmer alegou que a juíza queria preservar a menor. E, adivinha, atacou o nosso jornalismo – pela milésima vez. “Foi a exposição midiática que causou um problema familiar”, declarou seu advogado. Mas, para o relator do processo, conselheiro Bandeira de Mello, Zimmer se concentrou em seus valores pessoais e “deixou de lado os interesses da menor, uma menina de 10 anos, vítima de estupro”.
“O que choca em particular nessa audiência é a tentativa da magistrada de humanizar a situação de gravidez decorrente de estupro", disse o relator. Uma audiência que, se não fosse a nossa coragem, jamais teria vindo a público.
Mas essa coragem só é possível graças a milhares de leitores como você, que reconhecem o poder do jornalismo e decidiram apoiar nosso trabalho. Suas doações são o único escudo que temos para continuar de pé em meio aos constantes ataques.