Deu em O Globo
Agência FP
Os ministros da Segurança de El Salvador, Gustavo Villatoro, e da Argentina, Patricia Bullrich, assinaram na terça-feira um acordo para “fortalecer” a luta contra o crime organizado. O regime de exceção salvadorenho, que o governo argentino e vários presidentes da região querem copiar, é alvo de críticas de organismos de defesa de direitos humanos nacionais e internacionais.
Um relatório de 2023 apontou sinais de tortura, asfixia, choques elétricos e todo tipo de violações de direitos humanos contra presos durante o regime.
COMPARTILHAMENTO – “Seguindo as orientações dos líderes de El Salvador e da Argentina, nosso presidente Nayib Bukele e o presidente Javier Milei, assinamos, juntamente com a ministra Patricia Bullrich, um acordo de trabalho entre os dois países, com o firme compromisso de fortalecer a luta contra o crime organizado”, afirmou Villatoro, em uma rede social.
Segundo o comunicado conjunto, “serão criados espaços de análise especializados para desenhar estratégias e desenvolver ferramentas inovadoras que permitam combater eficazmente os grupos criminosos”.
A visita de quatro dias de Bullrich a El Salvador começou no domingo, quando a ministra argentina conheceu uma megaprisão inaugurada em 2022 com capacidade para 40 mil presos. Na terça-feira, Bukele a recebeu na sede do governo.
COMPARTILHAMENTO – “Compartilhamos com a delegação do Ministério de Segurança da Argentina as ferramentas e ações que implementamos no desenvolvimento do Plano de Controle Territorial, a estratégia de segurança bem-sucedida que deixou resultados sem precedentes em nosso país”, destacou Villatoro.
“Estamos muito impressionados com todo o processo, obtivemos informações absolutamente completas” — disse Bullrich ao presidente salvadorenho.
Em uma América Latina atormentada pela violência, Bukele é o presidente mais popular, segundo uma pesquisa regional. Outros governantes, como Daniel Noboa (Equador) e Xiomara Castro (Honduras), já tentaram imitar seu modelo — até agora sem sucesso.
REGIME DE EXCEÇÃO – A Human Rights Watch e a Anistia Internacional, por sua vez, denunciaram mortes, tortura e detenções arbitrárias durante o regime de exceção, que é sistematicamente prorrogado. Do total de detidos, quase 8 mil já foram libertados — milhares porque são inocentes.
O custo da segurança é pago pela “população injustamente detida”, resume o coordenador da Comissão dos Direitos Humanos, Miguel Montenegro.
No poder desde 2019, Bukele trava uma “guerra” contra gangues sob um regime de emergência em vigor desde 2022. A medida extraordinária, que permite prisões sem ordem judicial, foi decretada pelo Congresso a pedido de Bukele, em resposta a uma escalada de violência que ceifou a vida de 87 pessoas, entre 25 e 27 de março de 2022.
NAS REDES SOCIAIS – Com um forte apelo nas redes sociais e alto índice de aprovação, Bukele foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos depois de pulverizar a oposição e obter históricos 85% dos votos nas eleições de fevereiro, nas quais seu partido também abocanhou quase todas as cadeiras do Congresso (54 dos 60 assentos).
Antes mesmo da reeleição, o Parlamento dominado por aliados de Bukele, aprovou uma reforma que lhe dará o poder de reformar quantas vezes quiser a Constituição, o que provocou críticas e temores de que o presidente possa prolongar a duração dos períodos de qualquer funcionário no poder, suprimir direitos dos cidadãos e abrir caminho para sua reeleição indefinida.
À época, 11 organizações da sociedade civil se declararam preocupadas com a reforma, pois estimam que ela levará a uma concentração de poder que deixará os salvadorenhos expostos “a abusos por parte do Estado”.
AMEAÇA À DEMOCRACIA – “A reforma constitucional aprovada enfraquece a democracia, enfraquece o Estado de Direito e também enfraquece a institucionalidade democrática do país” — declarou Ramón Villalta, da ONG Iniciativa Social para a Democracia, à AFP.
Mas, depois de derrotar as gangues e tentar concentrar o poder, os especialistas acreditam que a lua de mel com a população salvadorenha pode acabar por questões financeiras. O país enfrenta uma dívida pública de US$ 30 bilhões (R$ 164 bilhões), 29% dos seus 6,5 milhões de habitantes são pobres e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho. Os 3 milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de US$ 8 bilhões por ano (R$ 43,74 bilhões), o equivalente a 24% do PIB do país.
— A segurança está melhor, não temos mais medo de sair (agora), espera-se que haja mais trabalho, melhores condições de vida. Tudo está caro — disse à AFP Sandra Escobar, de 27 anos, caixa de um café na capital.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Na realidade atual, maior rigor contra o crime dá voto, muito voto. Mas o perigo é a sedução da ditadura, como é o caso de El Salvador. (C.N.)