Francisco Leali
Estadão
Jupira Silvana Rodrigues tem 57 anos, cuida de três filhos adotados e tem netos. Nilma Lacerda Alves, aos 44 anos, tem uma filha e um neto. As duas são as primeiras mulheres ocupando o banco dos réus no julgamento que o Supremo Tribunal Federal promove para responsabilizar os envolvidos nos ataques extremistas no 8 de janeiro em Brasília. Se depender da maioria dos votos colhidos até agora, Jupira e Nilma vão pegar 14 anos de prisão. É para isso tudo?
Nas hostes bolsonaristas surgiu um movimento para poupar as ‘pobres senhoras’. Nilma mora numa rua sem asfalto na cidade de Barreiras, Bahia. Jupira num casebre em Betim, Minas Gerais. O que levou as duas para a capital federal aderir ao levante que invadiu os prédios dos Três Poderes merece mais do que um processo criminal. Pode ser caso para a ciência social ou até mesmo para a psiquiatria.
ALGEMADAS – As duas prestaram depoimento no dia 25 de julho deste ano. Estavam algemadas lá no presídio feminino da Colmeia. Foi por videoconferência. Do outro lado estavam um juiz auxiliar, um procurador da República, advogados e alguns ouvintes. É preciso ter olhos e ouvidos para vê-las e ouvi-las.
Ainda que um dos integrantes do Ministério Público tenha alertado que depoimento é lugar para réu mentir, o relato de dona Jupira e dona Nilma rabisca um pouco do que é a mente do povo que rumou para capital federal com grito de intervenção militar na garganta esperando que o ex-presidente Jair Bolsonaro pudesse voltar ao posto que já não era seu.
Ao contrário da maioria dos réus ouvidos no STF até o momento, dona Jupira respondeu a tudo que lhe perguntaram. O juiz pareceu incrédulo diante da declaração de que a mineira veio passar o aniversário em Brasília, largando a família lá em Betim.
JOVENS DE PRETO – “A senhora preferiu passar o aniversário com estranhos?” indagou o magistrado que assessora o ministro Alexandre de Moraes na condução das centenas processos contra os acusados de golpismo. “Se o senhor perguntar para o povo lá na minha rua vão dizer que eu sou meio assim…”, respondeu Jupira.
Quando lhe perguntaram se tinha quebrado alguma coisa no Planalto invadido, ela jurou que não. E começou a descrever o que viu. Jovens de preto que, segundo seu relato, pareciam “zumbis” e queriam até isqueiro para acionar o sistema antincendio e encharcar as salas do Palácio. Ela conta que pediu para eles pararem, mas não lhe deram ouvidos.
Dona Nilma não apelou para criaturas de outro mundo, mas também apresentou um relato incomum sobre como foi o quebra-quebra no Congresso. Disse que entrou porque a porta estava aberta. “E o que a senhora fez lá dentro?” perguntou seu advogado. Nilma parou um segundo, olhou para cima, pensou e respondeu: “Nada, só fiquei em pé e sentei”.
VIDRO QUEBRADOS – E os vidros quebrados? “A polícia estava muito, como vou dizer, lançando aquele… gás de pimenta, acho q é de alumínio, parece. Estavam jogando muito aquilo ali e ai trincou o vidro e acabou quebrando de tanto que a polícia atirou”.
Nilma se apegou à Bíblia para jurar que não faria nada de errado porque Deus está sempre olhando e citou o Proverbio 9, versículo 10: “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência”.
A fé que moveu as duas avós até Brasília as fez acreditar que havia um mal a ser combatido. Ambas confessaram estar no local da barbárie, mas alegam nada ter feito de errado. Para o STF, até o momento não há diferença entre os que invadiram os prédios públicos em euforia gravando lives e tirando fotos de si e os que tocaram o terror. Todos têm sido, até aqui, considerados terroristas culpados.
EXAME DE DNA – No caso de uma delas, um exame de DNA atestou que uma garrafa de água encontrada no Planalto fora usada pela “vovó invasora”. Prova para lhe impor 14 anos de cadeia? Para a maioria dos magistrados do STF a resposta é sim.
As duas senhoras dão mostras de que sabem quem são, onde estavam, o que fizeram e por que fizeram, ainda que pareçam inebriadas pela cruzada messiânica contra uma ameaça, talvez comunista, que na política, era verbalizada pelo ilusionismo de Bolsonaro.
Os casos de Jupira e Nilma estavam para se encerrar no âmbito do plenário virtual, até que o ministro André Mendonça usou o regimento para pedir destaque, instrumento que leva o caso de volta ao plenário físico, aquele que aparece na TV Justiça. Mesmo assim, o destino das avós golpistas já parece encomendado.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –Os rapazes de preto, que pareciam zumbis, são os verdadeiros terroristas, os “kids pretos” que se infiltraram entre os idiotas para transformá-los em vândalos na teoria do comportamento de manada, que é circunstância atenuante. Nenhum dos rapazes de preto foi preso. Isso não é justiça, mas justiçamento. Tenho vergonha de ser obrigado a assistir a esses linchamentos estúpidos, praticados por quem usa toga. André Mendonça parece ser exceção. Talvez seu coração não seja feito de pedra. (C.N.)