Por um jornalismo humano Há alguns meses, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) me pediu para fazer um vídeo sobre o futuro do jornalismo. O convite era intrigante, em especial porque eu, como sabem todos que estão me lendo, não tenho a menor ideia de como será o meu próprio futuro daqui a cinco anos – ainda mais em um momento em que as temperaturas batem recorde há mais de vinte dias, adiantando um pesadelo que estava marcado pra o final da década. Que dirá o futuro do jornalismo.
Mas confesso que me diverti com a ideia de sair por aí adivinhando futuros e achei por bem começar, claro, perguntando ao Chat GPT qual seria o título de uma palestra sobre o futuro do jornalismo. O robozinho me sugeriu o seguinte: “A reinvenção do jornalismo: explorando novas tecnologias e modelos de negócios”.
Obviamente não nos interessa, aqui, nem novas tecnologias e novos modelos de negócios – não é esse meu objetivo numa reflexão mais profunda sobre para onde estamos indo.
E, como tenho pensado sobre a questão da inteligência artificial, achei importante começar por aí. Afinal, quando robôs conseguem inventar títulos e subtítulos de maneira surpreendente – e malandra – mais do que nunca, pensar o futuro do jornalismo implica olharmos para dentro.
Há algum tempo as tecnologias da informação deixaram de nos trazer esperanças para, em vez disso, criar angústias. É o que acontece com os jornalistas hoje em dia. A nossa redação aqui na Pública, como todas as redações do mundo, tem sido palco de acaloradas discussões sobre se, e como, devemos abraçar a inteligência artificial (IA). E, por outro lado, a dúvida sincera sobre o que vai sobrar do jornalismo que entendemos hoje depois da popularização das ferramentas de IA.
Minha resposta tem sido: muito pouco – e por nossa própria culpa.
Nos últimos anos, a internet se plataformizou. O que isso significa? Que poucas corporações conseguiram abocanhar um pedaço tão grande do mercado online, que transformaram a internet numa praça pública controlada por um punhado de empresas. Você sabe bem quem são elas: Google, Facebook/Meta, Amazon, Twitter, TikTok, hoje são verdadeiros atravessadores de tudo o que é falado entre seres humanos.
Como a relação é mediada pelas plataformas, nós, jornalistas, passamos a adotar modos de escrever, de elencar conteúdos, de mostrar imagens, que respondem às demandas das plataformas. Aprendemos avidamente a palavrinha magica, SEO, para deixar nosso conteúdo mais quadrado, mais curto, mais detectável por robôs.
Passamos a deixar de lado o texto autoral, a delícia da descoberta, a inventividade, a explicação empática, a alegria do texto bem escrito, para trabalhar para robôs. Perdemos a conexão com nosso público. E seguimos sem ouvir nossa audiência, com uma ligação que cada vez é mais frágil, mais mediada e menos humana.
Esse eu acho que tem sido o maior erro estrutural do jornalismo nos últimos anos: entregar-se aos robôs e deixar de lado o que é essencialmente o nosso trabalho: contar histórias.
E temos sempre que lembrar que os algoritmos, esses robôs que hoje controlam as comunicações humanas, não são neutros, mas são máquinas de prender a atenção e fazer dinheiro através do ódio, da raiva, etc.
Assim, nos acostumamos a trabalhar para robôs, modificando o nosso jornalismo ao que exigem os algoritmos, que, insaciáveis, hoje em dia querem mandar não só no título, mas no tema, nas fotos para rodar em redes sociais e até no tamanho dos parágrafos.
E porque nos tornamos – como cordeirinhos – escravos dos robôs que, em troca, não nos dão nenhuma previsibilidade, a maneira mais óbvia de usarmos e inteligência artificial será empregá-la em tudo o que somos obrigadas a entregar para satisfazer a sua fome. Ou seja: colocar o chat GPT, Bard e qual mais seja para fazer resumos, tags, títulos em SEO, mil versões de tweets ou posts para redes sociais. Deixar os robôs trabalhando para robôs. E nos livrarmos de uma vez disso.
Será preciso nos livrarmos dessas tarefas repetitivas para redescobrirmos, afinal, o que faz do nosso jornalismo humano, demasiado humano.
O impacto da inteligência artificial terá de ser necessariamente o barateamento de tudo o que é óbvio – como o chat GPT prever que o futuro do jornalismo está no passado, naquilo que nós já fizemos.
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