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segunda-feira, novembro 14, 2022

Sobre a terra arrasada



Lula encontrará um bom clima na COP27 - mas terá de trabalhar muito para achar um caminho entre preservação e desenvolvimento. 

Por Camilo Rocha e Duda Teixeira 

Lula pousará na próxima semana em Sharm el-Sheik, no Egito, para participar da 27ª Conferência das Partes da ONU para as Mudanças Climáticas, a COP27. Sua presença, na prática, será como uma posse antecipada, pois o petista ocupará o lugar vago deixado pelo presidente Jair Bolsonaro, reunindo-se com vários líderes mundiais. Como o plano de Lula é ficar dois dias na cidade, serão poucos os resultados concretos de suas reuniões, mas sua decisão de realizar a primeira viagem internacional como presidente eleito para um evento sobre meio ambiente e clima já emite um sinal claro de que essas questões terão um papel central no próximo governo.

No Egito, o futuro presidente buscará convencer a plateia de que o seu governo estará comprometido com a preservação do meio ambiente e com a redução das emissões dos gases de efeito estufa. De volta ao Brasil, Lula terá de se articular com diversos grupos de interesse, como os do agronegócio, da mineração em larga escala, da indústria energética, dos governadores, dos prefeitos, dos indígenas e dos ambientalistas — os quais foram tratados de maneiras desiguais em seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010.

Quando Lula iniciou seu primeiro mandato, ele vendia no exterior a imagem de que o Brasil promovia um desenvolvimento sustentável, com fontes de energia limpas e um agronegócio responsável. Internamente, ele e outros petistas entravam em batalhas constantes com os ambientalistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. A demora em aprovar o licenciamento de grandes obras era vista como um entrave ao crescimento. O presidente queria avançar com a construção de usinas hidrelétricas de seu Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, e chegou a se revoltar com os relatórios do Ibama que temiam problemas para a reprodução dos peixes. “Agora não pode (construir) por causa do bagre. Jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?”, disse Lula. O então presidente também via o agronegócio e a mineração industrial como importantes para gerar renda e empregos. “O Lula compartilhava da visão desenvolvimentista do PT, de que a mineração era boa para trazer divisas ao país”, diz Maurício Angelo, fundador do Observatório da Mineração.

Apesar da grita dos que pediam atenção aos peixes e às populações indígenas, Lula viabilizou as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, e de Belo Monte, no rio Xingu. Outras usinas que estavam previstas no PAC, com a de Marabá, no rio Tocantins, e São Luís, no Tapajós, não saíram do papel. As pressões para que os licenciamentos ocorressem de maneira rápida partiram principalmente de Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia e depois chefe da Casa Civil. Os embates internos foram muitos até que, desgastada com os atritos frequentes, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, preferiu deixar o governo em 2008.

Outra característica que marcou os dois primeiros mandatos de Lula foi o desmatamento. Em seus primeiros anos, Lula foi surpreendido pelo avanço de pecuaristas e plantadores de soja sobre a floresta. A devastação ganhou as manchetes dos jornais e levou políticos, organizações civis e órgãos de imprensa a cobrar uma ação do governo. De início, Lula reagia de maneira parecida com Bolsonaro, colocando em dúvida os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Chegou até a pedir à Polícia Federal e aos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura para fazerem uma avaliação para “tirar dúvida” sobre os dados divulgados. Em seguida, o governo começou a se mexer aumentando a fiscalização e equipando órgãos como o Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Funcionou. No último ano de seu segundo mandato, o desmatamento já tinha caído 75% em relação ao pico de 2004.

O Lula que fez campanha este ano é diferente tanto na questão do desmatamento como na do desenvolvimento. Ao ver o cenário de terra arrasada deixado por Bolsonaro, o petista entendeu que colheria mais votos colocando-se do lado oposto. O presidente eleito promete “lutar pelo desmatamento zero da Amazônia”. A diferença do momento atual para o de 2003 é que, desta vez, as árvores não estão sendo derrubadas por plantadores de soja ou pecuaristas. Para ampliar a produção de alimentos do país, não é necessário avançar sobre a floresta. O desmatamento está sendo realizado por pessoas e empresas ligadas ao crime organizado, o qual tem se expandido na Amazônia nos últimos anos. É por isso que Lula prometeu, em seu discurso da vitória, combater atividades ilegais como garimpo, mineração, extração de madeira e grilagem. “O desafio é fazer com que uma política de desenvolvimento sem destruição se sobreponha à ilegalidade que domina a Amazônia hoje”, diz Adriana Ramos, assessora política e jurídica do Instituto Socioambiental, ISA. “É preciso retirar os invasores ilegais das áreas protegidas e terras indígenas.”

Uma atuação decisiva nessa área, aliás, é apoiada por grande parte do agronegócio. Além de conter as atividades ilegais, seus líderes esperam que a volta de Lula possa amainar as barreiras que outros países pretendem levantar contra produtos brasileiros. Uma proposta aprovada em setembro pelo Parlamento Europeu proíbe a entrada em seu mercado de commodities de áreas desmatadas. O texto ainda precisa ser sancionado pelos 27 países da União Europeia. “A agricultura já está sendo afetada pela imagem ruim do meio ambiente que o Brasil no exterior. A União Europeia colocou essa questão muito forte na mesa, e não está disposta a flexibilizar muito”, diz o diretor-executivo da ONG Amigos da Terra, Mauro Armelin. Nesta COP27, no Egito, fala-se em um acordo para impedir a compra de soja de áreas desmatadas do Cerrado brasileiro a partir de janeiro de 2025. Para empresas exportadoras, Lula é a esperança de reverter essas represálias.

O petista terá de se esforçar muito mais para conquistar a simpatia de outras áreas do agronegócio. A proximidade entre Lula e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, fez com que fazendeiros votassem em massa em Jair Bolsonaro. O campo também e não engoliu estúpida declaração que os produtores rurais são “fascistas“. Nas últimas semanas, Lula tem tentado desfazer o mal estar e estabelecer pontes com o agro. Uma maneira de ele se redimir seria encarnar o garoto-propaganda do agronegócio na COP27. Um discurso desastrado, contudo, pode redobrar a oposição a ele em sua volta ao Brasil. O agro tem hoje força considerável no Congresso.

A Frente Parlamentar Agropecuária, que hoje conta com 241 deputados e 39 senadores, quer liberar a produção agrícola em terras indígenas. Outros grupos querem permitir a mineração nessas áreas. Projetos que aguardam aprovação no Congresso, como o PL 191 e o PL 490, do marco temporal, avançam nesse sentido. O Lula de 2022 tem ido no sentido oposto, pregando em favor dos direitos dos indígenas. Ele até mesmo prometeu criar o Ministério dos Povos Originários, que terá de dividir as atribuições com a Fundação Nacional do Índio, a Funai. O anúncio levou algumas organizações, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Apib, a cobrar participação nas discussões para definir a estrutura da futura pasta. Serão outras negociações complicadas pela frente.

Quanto ao desenvolvimentismo de Lula, a urgência em construir usinas hidrelétricas na Amazônia diminuiu após o envolvimento das empreiteiras em corrupção, a decepção com a baixa produtividade das usinas construídas e o barateamento de outras fontes de energia, como a eólica e a solar. A pressão de dentro do PT para que o Estado seja o indutor do crescimento econômico com grandes obras continua, mas será temperada com o retorno da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que já está em Sharm el-Sheik, ao círculo de Lula. “Marina tem dito que ele mudou, que está menos desenvolvimentista e incorporou a questão climática e ambiental ao seu repertório”, diz Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

No Egito, Lula deve anunciar o novo cargo de Autoridade Nacional sobre Mudanças Climáticas, que lhe foi sugerido por Marina. É possível que a deputada eleita por São Paulo seja escolhida para ocupá-lo ou, então, que ela retorne ao posto de ministra do Meio Ambiente.

Se o presidente eleito convencer o mundo de suas boas intenções, empresas nacionais poderão mais adiante se beneficiar de uma possível regulamentação do mercado de carbono. Atualmente, uma companhia aérea, cujos aviões liberam muito desse gás na atmosfera, pode comprar créditos de carbono de outra empresa, que retira essas partículas do ar, por exemplo, plantando árvores. O crédito funciona, assim, como uma moeda, que permite essa compensação. Ao final, a empresa que neutralizou suas emissões pode declarar-se como “carbono neutra“. Em países em que há leis que regulam as emissões, como os da União Europeia, companhias que ultrapassam os limites estabelecidos são obrigadas a adquirir créditos, o que faz com que eles aumentem de valor, como qualquer moeda. No Brasil, onde não há um mercado regulado, as empresas decidem se querem ou não comprar créditos, o que faz com que o preço seja baixo. No final, é como se o carbono retirado da atmosfera pelos alemães fosse mais valioso do que o brasileiro — o que, obviamente, não faz sentido.

A coisa toda ficará mais interessante quando existir um enorme mercado global de carbono, como delineado pelo Acordo de Paris, de 2015. As negociações para tornar isso possível estão ocorrendo nas COPs. Uma parte do acordo, o artigo 6.4, permitirá que uma empresa compre créditos de outra, em outra nação. O artigo 6.2 fala que um país que não consegue conter suas emissões poderia comprar créditos de outra nação. O potencial para o Brasil, como vendedor de créditos, é enorme, desde que consiga manter a floresta de pé.

Lula é um camaleão que pode mudar de cor para agradar a novos públicos ou reconquistar velhos amigos. Equilibrar-se em meio a tantos grupos com interesses diversos para não cair da árvore não será uma tarefa fácil.

Revista Crusoé

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