Carlos Chagas
Coincidência ou maldade dos deuses, mas foi durante a celebração do Dia Nacional Contra a Corrupção, quinta-feira, que surgiu a denúncia da compra de votos de deputados pelo lobby dos bingos, visando aprovar projeto de lei liberando o jogo no país. É preciso saber quem vende e quem compra para se estabelecer os padrões do relacionamento entre eles. Porque se os interessados na reabertura das casas de bingo fossem apenas os que também pretendem a volta dos cassinos, seria possível concluir pela viabilidade da proposta. Desde que, é claro, definidas previamente as poucas cidades onde a roleta poderia girar, de preferência estâncias hidrominerais. Nessa hipótese, o lobby estaria botando dinheiro fora, desperdiçando recursos, já que a tendência majoritária no Congresso parece pela liberação limitada do jogo.
O perigo da volta do bingo e dos cassinos está na simbiose dessas práticas com o crime organizado, em especial o narcotráfico. Os proprietários são os mesmos. Não se fala dos chefes de quadrilha instalados ou sendo postos para fora dos morros e periferias. Estes são apenas casos de polícia. Os verdadeiros barões da cocaína e sucedâneos deveriam ser objeto do Banco Central e da Receita Federal, para começar. E se são eles que andam comprando deputados, é bom prestar atenção. Estendendo seus tentáculos até a Câmara, por conta dos bingos e dos cassinos, na verdade estarão estabelecendo uma cabeça de ponte no Congresso para posteriores iniciativas relacionadas com a droga. Seria bom cortar o mal pela raiz através da identificação dos vendedores e compradores agora genericamente denunciados.�
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PRECIPITAÇÃO
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O presidente Lula não perdeu tempo, logo que começou a circular a informação de ter o governo do Irã libertado Sakineh Ashtiani. Deu declarações elogiando o país dos aiatolás pela prática de justiça. Com o desmentido e a evidência de que a indigitada senhora continua presa e condenada à morte, ficou desconfortável o primeiro-companheiro, em especial na visão dos Estados Unidos e outros países empenhados em acabar com o Irã.
É preciso saber quem induziu o Lula a erro. O Itamaraty ou o assessor especial, Marco Aurélio Garcia? Nenhum dos dois? Apenas o aparelho de rádio ou o computador ligado na internet? De qualquer forma, fica a lição para Dilma Rousseff: questões de política externa exigem confirmação, antes da precipitação.
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JUSTIÇA, MAS COM CUIDADO�
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Nada mais justo do que o Congresso reajustar os vencimentos do presidente da República, de 11 mil para 26 mil reais. Mesmo com as despesas de moradia, transporte, alimentação e vestuário correndo por conta do poder público, o chefe do governo tem direito a receber a nova quantia, igual à que fazem jus os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Deputados e senadores também estão aumentando seus vencimentos. Passarão a receber os mesmos 26 mil reais. O problema são os penduricalhos, ou pedregulhos. Chegam, somados os privilégios e benefícios, a quase 100 mil reais. É preciso cuidado, pois não haverá quem deixe de somar tudo, até o décimo-quinto salário, as ajudas de custo, as verbas para contratar assessores e abastecer veículos.
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ENGANOU O CARDEAL
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Contava Leonel Brizola, com muita graça, o dia em que precisou enganar o cardeal de Porto Alegre, D. Vicente Scherer. Tendo dado o grito pelo cumprimento da Constituição e a posse do vice-presidente João Goulart, o então governador do Rio Grande do Sul mandou cercar o palácio Piratini de metralhadoras e sacos de areia, lá instalando a Cadeia da Legalidade. Soube que a Aeronáutica recebera ordens para bombardear a sede do governo. A Brigada Gaúcha sugeriu que uma metralhadora pesada fosse instalada na torre da Igreja Matriz, ao lado do palácio. Brizola supôs que o cardeal se negaria a permitir a instalação e, sem consultá-lo, mandou subir a metralhadora. Minutos depois vieram avisá-lo que D. Vicente estava na calçada, pretendendo ser recebido. Vinha protestar.
Como ninguém entrava no Piratini sem sua licença, recomendou que deixassem o prelado do lado de fora. Pela janela, viu que devido à idade D. Vicente sentara num saco de areia, disposto a esperar. Foi quando teve a idéia: pediu para avisarem a imprensa que o cardeal queria ser recebido pelo governador para aderir à causa da legalidade. Indagado, D.Vicente não conseguiu negar, tamanho o entusiasmo dos populares ali reunidos. Voltou para a catedral bufando, mas a metralhadora só saiu da torre quando o Exército aderiu e a ameaça de bombardeio passou. O cardeal jamais o perdoou…
Fonte: Tribuna da Imprensa