Carlos Chagas
Haverá constrangimentos na festa oferecida pelo presidente Lula a ministros e ex-ministros de seu governo, amanhã à noite, no Itamaraty. Menos pelos que já se foram, ao longo dos últimos oito anos, até porque alguns vão voltar. Mais pelos atuais que não continuarão no governo. Tudo indica que até amanhã Dilma Rousseff não terá completado a composição do ministério. Assim, haverá quem mantenha as esperanças. Os já escolhidos cumprimentarão os rejeitados com exageradas reverências, como a pedir desculpas por terem sido premiados. Tudo meio forçado.
Tome-se o encontro de dois ex-super-ministros: Antônio Palocci e José Dirceu, defenestrados em situações análogas, adversários na batalha que não houve, pela sucessão do Lula. O ex-titular da Fazenda, guindado agora à função de primeiro-ministro da presidente eleita, estará preocupado em não demonstrar muita alegria quando abraçar o ex-chefe da Casa Civil, ainda privado de seus direitos políticos. Ambos olhando para Dilma com imperscrutáveis sentimentos. “Por que ela e não eu?” - poderá ser indagação sufocada no recôndito da alma de cada um.
O próprio presidente Lula estará meio desconfiado com o volume de convidados esvoaçando ao redor da sucessora. Claro que a imagem refletirá sua vitória por tê-la retirado dos bastidores para o centro do palco, mas parece impossível que não sinta um certo incômodo ao verificar a quem os holofotes começam a iluminar.
Em suma, faltará na festa de amanhã a descontração de outras anteriores, promovidas nos últimos oito anos. Para que a corrente siga seu curso natural, será necessário aguardar a nova recepção, marcada para a noite da posse, no mesmo lugar, a primeiro de janeiro. Estará faltando alguém…
NENHUM POR TODOS, TODOS POR NENHUM
Do vice-presidente Michel Temer tem-se falado cada vez menos. Por decisão própria, encolheu-se. Sofreu uma saraivada de investidas e até de críticas por parte daqueles companheiros que, esperando por um ministério, não hesitavam em vê-lo em atrito permanente com Dilma Rousseff. No PMDB é assim, faz algum tempo: nenhum por todos, todos por nenhum. Poucos, no partido, pensaram em preservá-lo para a função que transcende os curtos limites partidários, de substituto e eventual sucessor da chefe do novo governo.
Também, em parte a culpa é dele. Deveria ter-se licenciado da presidência do PMDB logo depois de proclamados os resultados da eleição de outubro. Claro que permaneceria como privilegiado interlocutor de Dilma, em nome do maior partido nacional. Mas sem os ônus de impor o número de ministérios e os candidatos a ocupá-los, a menos que fosse convidado.
ADEUS NORDESTE
Ontem e hoje o presidente Lula desenvolve intenso périplo pelo Nordeste, o último antes de deixar o poder. Tanto inaugurou trechos quanto assinou ordens de serviço, quer dizer, projetos de implantação de novos pedaços da ferrovia que, conforme o PAC, já era para estar pronta. Fica o governo Lula devendo maior ritmo na estratégia tanto de realizar a Transnordestina quanto de recuperar a malha ferroviária nacional destruída ao longo da segunda metade do século passado. Fez muito, é claro, mas não fez tudo quanto pretendia. Vale o mesmo raciocínio para as obras de transposição das águas do rio São Francisco, que visita hoje.
NO SENADO, BATIDO O MARTELO
Dúvidas, propriamente, não existiam, mas no fim de semana ficou decidido que José Sarney continuará na presidência do Senado pelos próximos dois anos. Compuseram-se as bancadas do PMDB e do PT, sob a complacência do PSDB e do DEM. O ex-presidente da República está convicto de que, desta vez, sairá mesmo a reforma política, dispondo-se a dialogar com a Câmara, com o governo e com os partidos. Funcionará como uma espécie de estímulo a que o já então ex-presidente Lula realize o prometido, ou seja, a reforma política ampla. Há quem acredite que agora a reforma aconteça, obviamente que sem a fantasia da convocação de uma assembléia constituinte exclusiva para esse fim.
Fonte: Tribuna da Imprensa