Carlos Chagas
Há que começar com a premissa de que todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa. Caso provada, a Justiça deve seguir o seu curso. A imagem de Brasília já se encontrava em frangalhos, depois da cassação do senador Luís Estevão e da renúncia do senador Joaquim Roriz, ambos por roubalheira. Sobreveio depois o maior de todos os escândalos, levando o governador José Roberto Arruda à prisão e deputados distritais a perderem seus mandatos por transformarem a coisa pública em cosa-nostra.�
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Pois quando já se imaginava a possibilidade de uma penosa reconstrução, eis que outro representante da capital federal no Congresso é acusado de improbidade no exercício da importante função de relator do Orçamento da União para 2011. Suplente de Roriz, Gim Argello assumiu sua cadeira no Senado e passou a responder a processo junto ao Supremo Tribunal Federal, acusado de fraudar licitações quando presidente da Câmara Legislativa local. Mesmo assim, tornou-se a principal figura na condução da lei que sempre foi a causa maior da existência de todos os parlamentos.
O diabo é que acaba de renunciar, não ao Senado, por enquanto, mas à relatoria, forçado pela unanimidade de seus companheiros. É acusado de ter apresentado emendas pessoais ao Orçamento beneficiando entidades-fantasma, ONGs inexistentes ou sem endereço.
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A ainda senadora Ideli Salvatti, cujo mandato não foi renovado, é a nova relatora, mas apenas até fevereiro, quando se inicia nova Legislatura, na qual Argelo dispõe de quatro anos. Ele pertence ao PTB, dizem que é amigo da presidente Dilma Rousseff, mas o PMDB já anuncia nova temporada de caça. A intenção do partido majoritário é de levar o senador a julgamento pelo Conselho de Ética, forçando-o à renúncia ou tendo a cassação como alternativa. Sua posição não é nada confortável, até porque o segundo suplente desse malfadado mandato de Joaquim Roriz é do PMDB…
Vale terminar como iniciamos: todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa. Mas se culpa tiver havido no comportamento de Gim Argelo, ele que se prepare.�
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FISCALIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA
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Na presença de dois presidentes da República, um que sai e uma que entra, tomou posse o novo presidente do Tribunal de Contas da União. Benjamim Zymler provou que vai ser carne de pescoço quando discursou. Com educação e firmeza, disse que aquela corte não irá retroceder na fiscalização das obras públicas. Continuará duro e com independência, exercendo suas funções na expectativa de que, em seu diálogo com o governo, estará contribuindo para o aprimoramento da democracia.
Há uma singularidade na carreira de Zymler: ele é oriundo do quadro de funcionários do TCU, em meio a colegas em maioria provenientes do Congresso. Sua formação é rígida e certamente sem a intenção de entrar em atrito com o governo, será objetivo na denúncia de eventuais obras públicas em desacordo com as normas da administração federal.
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SUBMISSÃO�
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Submeteu-se o Banco Central aos objetivos da presidente Dilma Rousseff, de ver baixarem os juros. Na recente reunião do Copom foram mantidos os índices atuais, permanecendo a taxa Selig em 10.75%, contrariando as tendências do ainda presidente Henrique Meirelles, pela sua elevação. O fato de não ter havido aumento pode significar reduções, a partir do ano que vem. Pelo jeito, o perigo da volta da inflação não será combatido pela alta dos juros, fórmula, aliás, repudiada pelas maiores economias do planeta.
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FÉRIAS
Nos tempos do presidente Mao, em viagem à China, este que vos escreve perguntou a um dos dirigentes do “bando dos quatro”, naquela época todo-poderoso, Yau-Wen-Yuan, porque os chineses não tinham direito a férias. Indignou-se o depois posto em desgraça responsável pela comunicação social do governo. Respondeu que todo trabalhador chinês tinha 53 dias de férias anuais. E explicou: aos domingos eles não trabalham …�
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Não precisamos chegar a tanto, mas esta semana a Comissão de Constituição e Justiça do Senado debateu a questão das férias de 60 dias para os magistrados. Insurgiu-se o senador Demóstenes Torres, na presidência dos trabalhos, achando injustificável o privilégio da categoria. Por que o pedreiro, o motorista e o marceneiro, entre tantos outros trabalhadores, não dispunham dessa prerrogativa? Dividiram-se as opiniões, com os senadores que são advogados defendendo os dois meses para os juízes, porque também representariam igual período de descanso para os causídicos.
A questão é delicada, mas, convenhamos, se os magistrados andam sobrecarregados de processos para julgar, nem por isso as demais profissões devem ser consideradas mais amenas.
Fonte: Tribuna da Imprensa