Carlos Chagas
Vamos supor, só para argumentar, que por milagre apareça um cidadão de vasto quilate e popularidade, candidatando-se pelo DEM à presidência da República, em outubro. Não haveria Lula que desse jeito, muito menos Dilma, caso fosse o candidato alguém como Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Proclamados os resultados e empossado o vencedor, iria o PT continuar sustentando a existência do tal Conselho de Comunicação proposto no Plano Nacional de Direitos Humanos para monitorar o conteúdo editorial das emissoras de rádio e televisão? Ou se lançariam, os companheiros, em uníssono, na defesa da liberdade de expressão?
Assim estão as coisas, diante da iniciativa do ministro dos Direitos Humanos em favor do controle dos meios de comunicação. Porque ruim com a liberdade, em meio a tantos excessos, pior ficaria sem ela.
A gente torce o nariz por conta da reação de certos barões da grande imprensa, interessados apenas em preservar a prerrogativa da defesa de seus interesses, mas haverá que atentar para o reverso da medalha. Equivaleria à volta aos tempos da ditadura a existência de um Conselho de Comunicação encarregado de julgar o que deve ou não deve ser divulgado, armado com a hipótese da cassação das concessões para o funcionamento de rádios e tevês. Mais do que outros, é esse o ovo da serpente incrustado no texto do decreto dos Direitos Humanos. Estabelece a supressão da liberdade, por mais danosos que sejam seus efeitos.
Não se imagine o presidente Lula dentro da armadura de paladino da defesa da liberdade de expressão. Nos últimos sete anos seu governo já deu sucessivas mostras de pretender limitar o direito de informação. Essa é apenas mais uma, talvez sem ser a última. Enquanto militava na oposição, sustentava o sagrado direito da expressão do pensamento. No poder, não é bem assim. Mas deveria cogitar da possibilidade de voltar ao outro lado. Será sempre possível, apesar de não recomendável.
No ponto de ebulição
Agora que também retornou a Brasília, Dilma Rousseff deve conscientizar-se da importância de expor seu pensamento. Não dá mais para ficar blindada à sombra do presidente Lula, manifestando-se apenas a respeito das obras do PAC. Se pretende ganhar as eleições e presidir o país no próximo quadriênio, torna-se necessário dizer o que pensa e pretende fazer. O Plano Nacional de Direitos Humanos surge como mais do que uma oportunidade. Virou uma necessidade a candidata pronunciar-se sobre a revogação da Lei da Anistia, a investigação de crimes praticados pela esquerda armada, a limitação da reintegração de posse de terras invadidas pelo MST, o casamento gay e a volta da censura à imprensa.
Permanecer à margem do debate sobre a primeira crise do ano novo só prejudicará sua candidatura, ainda que no reverso da medalha surja uma dúvida: e José Serra, o que pensa do decreto assinado pelo presidente Lula, ainda que sem ter sido lido?
Os asnos do Regente
Nunca é demais repetir a primeira ironia de François Marie Arouet, o Voltaire, quando em Paris, aos vinte anos de idade, soube que o Regente da França, Felipe de Orleáns, resolvera economizar nas despesas da coroa, reduzindo à metade o plantel das cavalariças reais. Com ironia, escreveu que melhor teria sido se o Regente se livrasse do grande número de asnos que orbitava em torno dele. Foi parar na Bastilha, pela primeira vez.
A história se conta a propósito da suposta decisão do presidente Lula de substituir os ministros candidatos às eleições de outubro pelos secretários-executivos dos referidos ministérios. Nada de novo surgirá no derradeiro ano da atual administração, oportunidade perdida para marcar sua passagem pelo poder.
Marina também precisa falar
A lenta mas segura ascensão de Marina Silva nas pesquisas eleitorais deve ser celebrada pelo PV, mas acende a luz amarela no semáforo da sucessão. Porque a ex-ministra do Meio Ambiente continua falando apenas o que quer, centrando suas declarações numa nota só. O que pensa, por exemplo, da revogação da Lei da Anistia? Das restrições à liberdade de imprensa ou das limitações à reintegração de posse para terras produtivas invadidas pelo MST? Apóia o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Aceita restrições à atividade do Congresso, pela proliferação de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular? Tem muita coisa boa no decreto dos Direitos Humanos, mas, também, muita porcaria.
Fonte: Tribuna da Imprensa