Juro que não pretendia voltar a falar de reality shows, mas o que assisti segunda-feira à noite no SBT não me deixou escolha.
Silvio Santos é o maior comunicador da TV brasileira em todos os tempos. Tão bom que, aos 80 anos, é dono de uma emissora e continua na ativa, abocanhando com seus programas retrô uma fatia considerável da audiência. Mas, quando se trata de baixar o nível, ele também é um fenômeno, basta lembrar para quem abriu espaço em seu canal nos últimos anos: O Povo na TV, O Homem do Sapato Branco, Ratinho, Wagner Montes, Flavio Cavalcante, Sergio Mallandro, Marcia Goldshmidt.
E mais uma prova foi dada anteontem à noite, quando o SBT colocou no ar o reality show Solitários, a coisa mais asquerosa a que eu assisti na televisão em 46 anos.
Trata-se de uma sessão de tortura de fazer inveja aos carrascos da ditadura militar. Nove voluntários passam 20 dias trancados em cubículos de decoração cafona (ou não seria o SBT), onde são vilipendiados de uma forma nunca vista diante das câmeras.
O programa de estréia foi de dar náusea. Participantes mantidos acordados por mais de 50 horas e impedidos de dormir – no chão duro, claro – por ruídos ensurdecedores de latidos, choro de bebê e tiros. Além disso, dois deles disputaram uma prova de resistência que durou cinco horas, em que tinham que mover cem tijolos de uma mesa para outra incessantemente até conseguirem decorar um texto de 43 palavras. Como se vê, Joseph Mengele, o verdugo nazista, era um santo perto dos roteiristas de Solitários.
O programa manda às favas os subterfúgios usados por outros reality shows – como Big Brother Brasil e A fazenda – para esconderem o objetivo primordial, que é fazer o participante sofrer, estressar-se e esgotar-se física e mentalmente. Em Solitários, não há a figura do apresentador boa praça em contraste com o diretor cruel. Uma voz feminina em off anuncia a próxima sacanagem. A convivência foi abolida. Cada participante está só em seu calvário.
O tempo passa, mas o ser humano não muda. Durante 21 anos de ditadura militar, as pessoas eram torturadas no Brasil por suas convicções políticas ou até por usar uma camisa vermelha na hora errada. Hoje, mortas as ideologias, infelizes anônimos endividados topam agonizar diante das câmeras na esperança de ganhar R$ 50 mil em barras de ouro. Sim, para achincalhar ainda mais a condição humana, esse programa dá como prêmio uma micharia perto do R$ 1,5 milhão do Big Brother.
Leitores já disseram que eu deveria abordar outros temas neste espaço, acham que TV é uma banalidade. Discordo. Presente em 98% dos lares, é ela que dita boa parte do que vai pelo inconsciente coletivo. Subestimar o poder da televisão é esquecer, entre outras coisas, da vitória de Fernando Collor de Mello em 1989. O mais grave é que tudo que aparece na TV é de certa forma entendido como legal, aceitável por milhôes de pessoas. Crianças, jovens e até muitos adultos têm seu caráter formado com base no que assistem, posto que educação decente não lhes deram, nem em casa, nem na escola.
Tem muita gente por aí achando que fazer alguém sofrer é interessante.
Em um país decente, seria proibido torturar pessoas na televisão, mas estamos no Brasil, onde é quase um crime pronunciar a palavra censura (desmoralizada pelos vários governos totalitários que tivemos ao longo da nossa história), e as emissoras de TV fazem o que querem, realimentando preconceitos e formando novas gerações de pervertidos.
O pior é que isso só vai acabar quando alguém morrer num desses programas. Aí vai ter CPI no Congresso, passeata nas ruas, medida provisória, OAB protestando...
Mas ainda falta um cadáver.
http://www.jblog.com.br/rioacima.php,
Silvio Santos é o maior comunicador da TV brasileira em todos os tempos. Tão bom que, aos 80 anos, é dono de uma emissora e continua na ativa, abocanhando com seus programas retrô uma fatia considerável da audiência. Mas, quando se trata de baixar o nível, ele também é um fenômeno, basta lembrar para quem abriu espaço em seu canal nos últimos anos: O Povo na TV, O Homem do Sapato Branco, Ratinho, Wagner Montes, Flavio Cavalcante, Sergio Mallandro, Marcia Goldshmidt.
E mais uma prova foi dada anteontem à noite, quando o SBT colocou no ar o reality show Solitários, a coisa mais asquerosa a que eu assisti na televisão em 46 anos.
Trata-se de uma sessão de tortura de fazer inveja aos carrascos da ditadura militar. Nove voluntários passam 20 dias trancados em cubículos de decoração cafona (ou não seria o SBT), onde são vilipendiados de uma forma nunca vista diante das câmeras.
O programa de estréia foi de dar náusea. Participantes mantidos acordados por mais de 50 horas e impedidos de dormir – no chão duro, claro – por ruídos ensurdecedores de latidos, choro de bebê e tiros. Além disso, dois deles disputaram uma prova de resistência que durou cinco horas, em que tinham que mover cem tijolos de uma mesa para outra incessantemente até conseguirem decorar um texto de 43 palavras. Como se vê, Joseph Mengele, o verdugo nazista, era um santo perto dos roteiristas de Solitários.
O programa manda às favas os subterfúgios usados por outros reality shows – como Big Brother Brasil e A fazenda – para esconderem o objetivo primordial, que é fazer o participante sofrer, estressar-se e esgotar-se física e mentalmente. Em Solitários, não há a figura do apresentador boa praça em contraste com o diretor cruel. Uma voz feminina em off anuncia a próxima sacanagem. A convivência foi abolida. Cada participante está só em seu calvário.
O tempo passa, mas o ser humano não muda. Durante 21 anos de ditadura militar, as pessoas eram torturadas no Brasil por suas convicções políticas ou até por usar uma camisa vermelha na hora errada. Hoje, mortas as ideologias, infelizes anônimos endividados topam agonizar diante das câmeras na esperança de ganhar R$ 50 mil em barras de ouro. Sim, para achincalhar ainda mais a condição humana, esse programa dá como prêmio uma micharia perto do R$ 1,5 milhão do Big Brother.
Leitores já disseram que eu deveria abordar outros temas neste espaço, acham que TV é uma banalidade. Discordo. Presente em 98% dos lares, é ela que dita boa parte do que vai pelo inconsciente coletivo. Subestimar o poder da televisão é esquecer, entre outras coisas, da vitória de Fernando Collor de Mello em 1989. O mais grave é que tudo que aparece na TV é de certa forma entendido como legal, aceitável por milhôes de pessoas. Crianças, jovens e até muitos adultos têm seu caráter formado com base no que assistem, posto que educação decente não lhes deram, nem em casa, nem na escola.
Tem muita gente por aí achando que fazer alguém sofrer é interessante.
Em um país decente, seria proibido torturar pessoas na televisão, mas estamos no Brasil, onde é quase um crime pronunciar a palavra censura (desmoralizada pelos vários governos totalitários que tivemos ao longo da nossa história), e as emissoras de TV fazem o que querem, realimentando preconceitos e formando novas gerações de pervertidos.
O pior é que isso só vai acabar quando alguém morrer num desses programas. Aí vai ter CPI no Congresso, passeata nas ruas, medida provisória, OAB protestando...
Mas ainda falta um cadáver.
http://www.jblog.com.br/rioacima.php,