Dora Kramer
Os aliados de Aécio dizem que com isso ele reassume o comando do próprio destino, deixando de ficar refém do calendário de Serra. Os correligionários do paulista interpretam o gesto como um sinal de desapego e saúdam a “nobreza” do companheiro de par
Publicado em 19/12/2009 | Agência Estado • dora.kramer@grupoestado.com.brTodo gesto político presta-se a variadas leituras, de acordo com os interesses em jogo. Com a decisão do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de deixar o governador de São Paulo, José Serra, desde já sozinho no cenário oposicionista da sucessão presidencial, não foi diferente.
Os aliados de Aécio dizem que com isso ele reassume o comando do próprio destino, deixando de ficar refém do calendário de Serra. Os correligionários do paulista interpretam o gesto como um sinal de desapego e saúdam a “nobreza” do companheiro de partido.
A direção do PSDB enxerga agora espaço aberto para tentar concretizar o sonho da chapa puro-sangue, juntando São Paulo a Minas para “fechar” o Sudeste, acoplar os eleitorados dos dois maiores colégios eleitorais do país e, assim, enfrentar com vantagem o favoritismo do presidente Luiz Inácio da Silva no Norte e Nordeste.
O maior inimigo de Serra, o deputado Ciro Gomes, vê reforçada a “necessidade” de concorrer à Presidência e aproveita para pôr Aécio na moldura de vítima de ladina conspiração de “setores serristas” da imprensa.
O PMDB sorri de soslaio. Não abre o jogo, mas fica nitidamente mais confortável na relação delicada com o PT que, enquanto perdurasse a teórica indefinição, se apresentava como a única saída para o aliado. O Palácio do Planalto festeja a “boa notícia” e reedita a versão de que, na avaliação do presidente Lula, Aécio seria um candidato mais difícil, por causa de seu “potencial de crescimento”.
O PT sofistica os argumentos. E se enreda na excessiva complexidade de muitos deles. Diz que a retirada de Aécio facilita a vida de Dilma Rousseff em Minas, como quem insinua que o governador deixará espaço aberto para o adversário no estado.
Só não explica qual seria o interesse de Aécio Neves em preferir continuar na oposição, sendo mais um senador entre tantos outros, filiado a um partido fadado a ficar cada vez mais fraco. Nesta hipótese, abriria mão de voltar a fazer parte do núcleo do poder central do país, até de se eleger presidente do Senado e ocupar com seus correligionários amplos espaços na administração federal.
Uma outra possibilidade que Aécio descartaria pela leitura do PT, de que sua saída da disputa significa ausência de compromisso com o projeto do PSDB de retomar a Presidência da República, seria a de ser vice-presidente acumulando ministério da área política e funções de representação diplomática às quais seu perfil é afeito.
Isso para quê? Para ser malcriado com o PSDB ou como forma de vingança por não ter sido ele o escolhido? Os fatos apontam para explicações mais racionais: o partido, as pesquisas e a determinação de José Serra em disputar a Presidência.
O governador de São Paulo é o preferido do PSDB desde 2006. Em 2002, Serra “forçou a barra” da candidatura e pagou o preço de uma cristianização mitigada, bem ao estilo tucano. Mas, na eleição seguinte, em primeiro nas pesquisas, seria o nome escolhido. Não fosse o receio de ser acusado de “rachar” São Paulo, por causa da postulação de Geraldo Alckmin, e a certeza de que, sem a base de lançamento “fechada”, perderia para Lula.
Na ocasião, os cardeais diziam que Serra só não seria candidato se não quisesse. A regra continuou valendo e Aécio sempre soube disso. Inclusive porque faz parte do referido cardinalato, não é um “outsider” nem uma figura menor ou um dissidente dentro do PSDB. Daí não fazerem sentido algumas interpretações segundo as quais Aécio “percebeu” recentemente que o partido é “dominado por paulistas” e que não ajudaria a construir sua candidatura.
O governador mineiro apenas fez o que tinha de fazer. Postulou o que também lhe era de direito, jogou até onde poderia jogar e retirou-se da disputa para entrar em cena como peça fundamental na montagem do projeto da oposição.
A Presidência agora, sempre disse, nunca foi uma obsessão. Era uma possibilidade que requeria lances de visibilidade até para a retomada futura da candidatura. Não há, portanto, grandes mistérios a ser desvendados.
Serra ficou exultante com a decisão anunciada um pouco antes do prazo previsto, em janeiro? Provavelmente não, dado que a embromação da, como disse Aécio em sua carta ao partido, “falsa candidatura” o favorecia. Alongava o calendário de providências. Sem o “acerto” entre ele e Aécio, Serra não poderia se pronunciar sobre a própria candidatura.
Não que a inexistência desse obstáculo vá fazê-lo se sentir obrigado a ceder à aflição dos aliados. Mas o deixa mais exposto ao desconforto das pressões. De outro lado, o grupo de Serra poderá argumentar que agora não há mais impedimento para definições nos estados, uma vez que a retirada de Aécio o leva obviamente à condição de candidato.
Condição definitiva? A única possibilidade de desistência seria uma vantagem acachapante de Dilma, cenário em que Aécio não aceitaria ser apresentado como candidato previamente derrotado para ficar sem nenhum mandato.