Dora Kramer
Qualquer um que pretenda debater os passos adiante que o Brasil precisa dar não poderá ignorar a impossibilidade de se fazer isso chafurdando em mar de lama. Ou se encara a necessidade de começar a pisar em terreno razoavelmente firme, ou não haverá
Dependesse a vida só da vontade dos partidos, o tema da ética na política estaria, senão de todo fora, mas em lugar de pouco destaque na campanha eleitoral de 2010. Alguns especialistas – cientistas e analistas políticos – também compartilham da tese de que o pluripartidarismo aplicado ao exercício da corrupção estabelece uma espécie de conta de soma zero que impede a troca de acusações nesse campo, subtrai a autoridade moral de todos os contendores e, portanto, fará com que o assunto seja necessariamente deixado de lado. Vários líderes partidários e até integrantes do governo já se pronunciaram nesse sentido.
Disseram que a ética “terá o seu lugar”, mas que a campanha – “graças a Deus”, é o complemento não explicitado, mas obviamente subjacente a esse raciocínio – dar-se-á em torno de assuntos mais importantes: desenvolvimento, geração de empregos, infraestrutura. Como se fosse possível um país almejar um bom futuro sem discutir como equacionar as contas com um passado e um presente de atos dissolutos.
Qualquer um que pretenda debater os passos adiante que o Brasil precisa dar não poderá ignorar a impossibilidade de se fazer isso chafurdando em mar de lama. Ou se encara a necessidade de começar a pisar em terreno razoavelmente firme, ou não haverá futuro porque em algum momento as instituições, já abaladas pelo descrédito, vão desmoronar.
O Congresso está por um fio, o Executivo se sustenta no poder de comunicação de um homem só e o Judiciário faz o que pode, mas não pode contestar um fato: corrupto no Brasil não tem medo de ir para a cadeia.
Sobra, então, a sociedade. Esta, quando quer alguma coisa e se empenha nela, acaba conseguindo alcançar seu objetivo. Equivocada, atrasa processos e põe o país em rumo errado. Concentrada no bom propósito empurra a nação para o avanço.
Militares não teriam conseguido impor ao Brasil a ditadura sem o apoio da sociedade e muito provavelmente teriam ficado muito mais tempo no poder sem o engajamento da população no processo da transição democrática.
Sozinho, o Congresso derrotou a emenda das Diretas-Já. Fernando Collor selou sua derrubada quando convocou o povo a defendê-lo de verde e amarelo nas ruas e este compareceu de preto para exigir seu afastamento.
Sozinho, talvez o Congresso desse outro destino ao pedido de impeachment. Pedido este apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, que agora também assina um dos nove pedidos de impeachment contra o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.
Há mais semelhanças no ambiente: mobilização da juventude, CNBB discutindo o que fazer, consenso sobre a gravidade do problema e entendimento de que a desfaçatez ultrapassa em muito os limites do aceitável.
Com uma diferença: o país está mais maduro, escaldado com a repetição dos escândalos e consciente de que ninguém pode almejar a condição de querubim. Alguns acham que isso resultará em anestesia geral. Mas pode servir também como toque de reunir esforços para dizer chega.
Momento seguinte
Na quinta-feira, o DEM anuncia a expulsão e acaba com a possibilidade de José Roberto Arruda concorrer em 2010 a algum mandato. Antes que Arruda acabe com o que resta do partido. Resolvido isso, a segunda etapa será a exclusão do vice Paulo Octávio, que aparece também citado nas gravações como beneficiário do esquema de corrupção do governo do Distrito Federal, e terá o nome apresentado para exame.
Ele foi deixado de lado por ora, não porque o DEM pretenda fazer dele candidato ao governo. O partido não nutre ilusão e sabe que terá de recomeçar do zero no DF. Paulo Octávio ficou de fora por enquanto por receio de que, se entrassem dois na roda, poderiam acabar se ajudando mutuamente.
Na avaliação do DEM, o ex-governador Joaquim Roriz, do PMDB, foi o mentor da armadilha que pegou Arruda e, como inventor do esquema herdado por ele, também acabará sendo pego de roldão. Por esse raciocínio, os beneficiários do vendaval que assolou Brasília serão o PT ou o senador Cristovam Buarque, do PDT.
A propósito
O PMDB ainda não fez um gesto de desagrado em relação à deputada Eurides Brito, líder do governo na Câmara Legislativa, filiada ao partido e que foi filmada guardando na bolsa os maços de dinheiro recebidos de Durval Barbosa.
Outra face
Sábado, sessão de 18h40 do filme Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar, começa o trailer do filme sobre a vida do presidente Luiz Inácio da Silva. A plateia de 640 lugares assiste comportada até o fim quando, então, ecoa estrondosa vaia.
Sinalizadora de que o filme mexe com sentimentos, mas não desperta apenas emoções benevolentes.