"Arruda é um crianção, daqueles que não vão crescer nunca. Uma espécie de Peter Pan, só que a fadinha Sininho (vulgo Durval) abusou da sua confiança, usou câmeras escondidas e se aboletou na delação premiada"
Bajonas Teixeira de Brito Júnior*
Lula tem razão: não dá para prejulgar. No caso do MST, tudo bem. Havia o corpo (e a alma) de delito: centenas de laranjas assassinadas. Derrubar laranja neste país é crime hediondo. Laranja é fruta que dá em gabinete. Aquele negócio todo do Sarney, e tantos outros nomes que já estão esquecidos (como o Amaciel, ou Ajociel. Alguma coisa assim com "el" no final. Pois é, vocês conhecem a do fanho que foi fego fazendo fexo? Deixa prá lá). Lula se expressou muito bem quando falou que derrubar laranjas era crime. Não se pode apoiar o vandalismo. Este país tem leis. Tem a Constituição Federal. Lula foi firme. Afinal, o MST já é um movimento social maduro. Suas lideranças vêm sendo colhidas aos montes. Se for somar os sete palmos de terra que cada um tem recebido, já dá um bom de um latifúndio. Mas, Arruda? Como julgar pelo mesmo metro quadrado? Pior: como prejulgar? Como pré-enquadrar? Ao invés de dizer que uma imagem vale mais que mil palavras, Lula afirma que “imagens não falam por si”:
"O que fala por si é todo o processo de apuração, todo o processo de investigação. Quando tiver toda a investigação terminada, a Polícia Federal vai ter que apresentar o resultado final do processo. Aí quem vai fazer juízo de valor é a Justiça. O presidente da República não pode ficar dando palpite". (Será que no direito público existe a figura jurídica do abuso descarado da “imparcialidade” interessada?)
Minha impressão, na verdade, não diverge muito de Lula nesse ponto. Ele acha que o problema está no financiamento das campanhas, e advoga uma “minirreforma política”. A consequência lógica é evidente: minirreformas são para minipolíticos e, portanto, o caso envolve uma menoridade cidadã. Arruda seria um “di menor” com dificuldades de adaptação na primeira fase do jardim de infância. Os mensalões seriam, para usar a fórmula clássica, a doença infantil da política brasileira. Mas haveria cura. É aqui que eu discordo. Acho que Arruda é um crianção, daqueles que não vão crescer nunca. Ele se emociona facilmente, chora, tem arroubos, procura usar frases e expressões altissonantes, que talvez ele nem aquilate bem o significado, gosta de jogos e painéis eletrônicos.
Ele confunde o Gato de Botas com Borba Gato. Tanto que, não faz muito tempo, jurou num dia que não tinha violado o painel do Senado, e no dia seguinte desmentiu-se e confessou tudo. Essa infantilização é o que há. O mundo todo está se tornando mais criança, mais alegre. O futuro pertence aos teens. Os pais conhecem bem e compreendem que é uma fase difícil. O país tem que compreender também. Não há maldade nem vigarice. É um aborrecente eurodescendente que não superou um momento cheio de conflitos da vida de qualquer ser humano. Outro dia apareceu uma mãe italiana movendo um processo para expulsar de casa o filho de 40 anos. A adolescência e a juventude, hoje em dia, já não terminam aos 13, 12 anos, que era a idade em que as bisas casavam. Hoje, sarados oitentões usam shorts de surfista. Enfim, o tempo é outro. Os trajes são outros. Os octogenários são outros.
Cada capital européia registra diariamente centenas de chamadas nos disque-silêncio com reclamações contra políticos que mantêm um comportamento adolescente. Vejam o caso do peralta Berlusconi, 75 anos, dando festinhas até altas horas, indo a aniversários de menininhas de 18, buscando a companhia das jovens. Isso é normal para quem acabou de descobrir o sexo, e está explorando o próprio corpo e o dos outros. Há tanto o que descobrir. Um mundo de sensações à espera das mucosas excitadas. Por que o Brasil seria diferente?
O leitor pode reconhecer facilmente em certas atitudes de Arruda, que é um baby comparado a Berlusconi, uma certa imaturidade que, a rigor, é até muito saudável para o bem público. E uma rebeldia lúdica, talvez até um pouco de irresponsabilidade e indolência, mas tudo isso é muito positivo — oxigena a cútis política. E nada como uma cútis política oxigenada. Ele está no vídeo estendidão lá no sofá, totalmente relax, talvez assistindo um Bob Esponja na TV Senado, depois de um dia estafante. Nenhum sinal exterior ou interior de irritação, mau humor ou depressão. Tudo respira a paz, o clima é quase brâmane, de harmonia com a alma cósmica. Então, alguém (o perverso Durval, o vilão) joga à traição um maço de tutu grosso em cima dele. Quem ia ter reflexo moral tão rápido pra rebater isso de primeira? Foi uma brincadeira de criança do colega de gazeta política. Fica pouco audível no vídeo, mas o sujeito até diz antes: "Pensa rápido!" E se a gente olhar o lado humano, ai é que fica impossível não perdoar: quem não se sentiria tentado?
Ponhamo-nos no lugar de Arruda, estatelados no sofá, assistindo Bob Esponja na TV Senado. Alguém joga um maço de notas graúdas. Qual é o reflexo moral natural do brasileiro? Lançar de volta o maço como se fosse granada em filme de guerra? Grunhir um apoplético "não aceito dinheiro de origem maravilhosa"? Ignorar solenemente o fato e continuar ligado no Bob Esponja? Já estou ouvindo aquele "não", tímido, cheio de ethos brasileiro, que o Durval, que responde aos 32 processos, endereça ao amigo Arruda quando este indaga se é rabuda sair com o “panetone das crianças” daquela sala: "Não". Um "não" carismático, entre um miado de gato manhoso e um sussuro tímido, mas sedutor. A reação de Arruda não é coisa do outro mundo. A criancice nem está ai. Ele até mostrou uma certa maturidade ao receber o dinheiro.
É só comparar com o outro, o presidente de alguma coisa distrital que também aparece em vídeo. O camarada que enfia dinheiro nas meias. Esse fica tão perdido que tenta meter três ou quatro vezes o maço de notas no bolso esquerdo do paletó e erra o bolso, o mesmo acontece quando tenta no direito. Arruda não perde a elegância. O seu "ahhh, ótimo" foi uma exclamação convencional. Um gesto contido e puramente cortês. Seus movimentos não mostram uma particular ansiedade. É mais inconsequência mesmo. Talvez a falta do simbolismo paterno. Não do pai empírico, o pater familias, mas do pai significante, o pai da pátria. A pátria também pare os seus rebentos e, estranhamente, a pátria é mãe. O que significa que seus filhos são produtos de incesto com o pai da pátria. Mas essa temática da ciência política, por demais cabeluda, não é coisa que se discuta na frente das crianças.
A criancice de Arruda se nota em vários aspectos. Eu não direi, caso tudo venha a ser confirmado, que foram falcatruas, me inclino muito mais a reconhecer traços de rebeldia teen. Os indícios são vários. Estão nos sentimentos, por exemplo. Ouvi dizer que ele não tem dormido bem. Pura criancice. Depois do que temos visto nos últimos tempos, Arruda deveria estar tranquilão. Mensalão do PT, do PSDB, do catinguelê, do pqp, do abc etc. Que partido pode atirar a primeira pedra inaugural? O próprio Arruda, faz alguns anos, reconheceu que errou, quando cometeu a infantilidade de brincar com o painel. "Eu errei porque agi como todos os políticos" foi mais ou menos o que ele disse. Também nas explicações que ele dá não tem como elidir a imaturidade. O papo dos panetones e dos brinquedos infantis foi bem sintomático. Como não lembrar o falecido Michael Jackson e o rancho Neverland? Sim, Arruda é uma espécie de Peter Pan, só que a fadinha Sininho (vulgo Durval) abusou da sua confiança, usou câmeras escondidas e se aboletou na delação premiada.
Claro que, desde o escândalo do painel eletrônico, de lá prá cá, podem-se notar embriões - ainda que muito tênues, tímidos, porque a adolescência é uma fase de muita timidez - de maturidade em Arruda. A verdade é filha do tempo, que é o ministro da morte, como dizia alguém. Mas cada um tem seu ritmo. O eleitorado já mostrou de forma muito clara que entendeu a situação de Arruda quando o elegeu deputado e depois governador, e tudo isso pós-painel. A voz do povo é a voz de Deus. Perdoado por um, perdoado por mil.
Onde está o problema então? O companheiro Lula viu muito bem: está na estrutura política, no financiamento das campanhas. Na falta de maturidade dessa estrutura que, por causa disso, acaba, na outra ponta, promovendo a falta de maturidade dos políticos:
"Já mandei duas minirreformas políticas para o Congresso Nacional. Mandamos agora uma reforma com sete pontos importantes para serem votados, entre eles o financiamento público", disse Lula.
Mas mandar minirreformas resolve? Creio que não. Só infantiliza mais. O que é bom.
A maior infantilidade de Arruda é preocupar-se com ninharias. Ele já conseguiu muitas vitórias na vida política. Agora mesmo acaba de fazer o DEM desistir da expulsão sumária. Seu caso será decidido no dia 10. Ora, daqui até o dia 10, o assunto Arruda já terá sido extinto. Daqui até o dia 10, faltam uns três séculos, em escala brasileira. Vejam só. Não faz uma semana, uma coisa que poderia deixar aterrado qualquer ser humano, a participação de dois conhecidos políticos em desovas clandestinas de presos políticos assassinados pela ditadura, a tentativa de instalar um forno crematório, no estilo nazista, no coração de São Paulo, veio à tona. Quem se lembra disso hoje? Quem se lembrará de Arruda amanhã? O mundo está mais infantil, está muito mais alegre.
*Bajonas Teixeira de Brito Junior é doutor em Filosofia, professor universitário e autor do ensaio, traduzido pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la classification raciale au Brésil (Cf. na Internet), e do livro Lógica do disparate
Fonte: Congressoemfoco