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domingo, setembro 22, 2024

Com o modelo institucional colocado em xeque, Trump é sintoma de quê?


Trump: o que pode acontecer com o presidente até 20 de janeiro? – Mundo –  CartaCapital

Trump mostrou que a direita tem muita força nos EUA

Marcus André Melo
Folha

O debate sobre o modelo institucional americano sofreu inflexão notável nas duas últimas décadas: as instituições políticas passaram a ser pensadas em chave negativa. Durante muito tempo o desenho institucional americano emulava, para muitos, o britânico como modelo ideal. A crítica limitava-se a apontar sua incompletude: o desenho era exemplar, mas fora insuficientemente implementado no Sul do país.

“Tyranny of the Minority” (2023), de autoria de Levitsky e Ziblatt, é o último exemplo dessa crítica revisionista. Há poucos argumentos que já não estejam discutidos por Robert Dahl no clássico instantâneo “How democratic is the american constitution?”, ou Levinson e Balkin, em “Democracy and dysfunction”.

QUESTIONAMENTO – Aqui as novidades são duas. A primeira é um questionamento: se uma minoria (20 a 25% do eleitorado) nas democracias avançadas tem preferências políticas associadas à direita radical, por que apenas nos Estados Unidos ela já chegou ao poder? A resposta: as instituições. A combinação de regra eleitoral distrital, baixo comparecimento às urnas (pouco mais de 50%) e partidarismo forte (mais de 90% dos eleitores registrados dos partidos votam no escolhido em suas primárias) permite que uma minoria partidária hipermilitante chegue à Presidência.

Esta possibilidade é magnificada pelo colégio eleitoral permitindo que um candidato minoritário no voto popular seja eleito, o que já aconteceu cinco vezes, desde 1824. As fontes das distorções são conhecidas. Escrevi coluna sobre o tema aqui.

A primeira é que o número de delegados em cada estado é igual a soma do número de deputados na câmara dos representantes e de senadores, favorecendo estados menores. A segunda é que o candidato vitorioso nos estados leva todos os delegados (com apenas duas exceções), e não de forma proporcional.

QUÓRUM ALTO – Outra distorção é que o Congresso hiper-representa estados menores e rurais. O bicameralismo implica assim em poder de veto da minoria sobre a maioria. E mais: no Senado, a prática do filibuster (o obstrutor) implica quórum de 60% para aprovação de leis (e não 50%).

Caso ocorra obstrução, ela só poderá ser superada por esse quorum hipermajoritário. Por isso, quase mil propostas para derrubar o colégio eleitoral foram derrotadas embora contassem com a aprovação de maiorias de cerca de 80% do eleitorado.

Outras supostas disfunções seriam a Suprema Corte, que estaria atuando como um ponto de veto sobre preferências majoritárias, e uma Constituição cujas dificuldades de emenda são quase intransponíveis.

POPULAÇÃO – A segunda novidade do livro é o argumento que certa hegemonia republicana desde Reagan (1981-1989) —quando o controle dos democratas sobre o Congresso foi rompido— estaria ameaçada pela mudança sócio-demográfica devido sobretudo à imigração.

O espectro da maioria branca tornar-se minoria teria produzido a radicalização antidemocrática da qual Trump seria expressão. Os múltiplos pontos institucionais de veto estariam travando a mudança.

Mas aqui há muito mais em jogo do que os autores examinam.

Brasil e China atendem a Putin e voltam a articular acordo de paz

Publicado em 21 de setembro de 2024 por Tribuna da Internet

Os chanceleres do Brasil, Mauro Vieira (esq.), e da Rússia, Sergei Lavrov, no Itamaraty em abril de 2023

Chanceleres de Brasil e Rússia procuram entendimento

Eliane Cantanhêde
Estadão

Depois do excesso de ambição e sucessivos fracassos na tentativa de recuperar o protagonismo do Brasil e o prestígio internacional de Lula, o governo agora trabalha com a China, em silêncio e comedidamente, na busca de algum acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia. O momento é propício, já que os dois lados dão sinais de exaustão diante de uma guerra que se prolonga sem perspectiva de vitória para um ou para o outro.

O primeiro sinal de abertura da Rússia ao diálogo foi dado por Vladimir Putin, quando citou Brasil, China e Índia, publicamente, como potenciais mediadores. A partir daí, a diplomacia voltou a agir. Na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov conversou com o brasileiro Mauro Vieira em Riad, na Arábia Saudita, e depois com o assessor internacional Celso Amorim, em Moscou. E Amorim já engatou contatos com seu correspondente chinês, que integra o Politburo do seu país.

REAÇÃO DE PUTIN – Essa sinalização, ou convocação, de Putin ocorreu após a reação considerada “branda” de Moscou aos ataques ucranianos ao território russo, também entendida como sinal de flexão de Putin e de esgotamento da própria guerra. O grande temor, no primeiro momento, era que Putin contra-atacasse de forma avassaladora, o que não ocorreu. Juntando as pontas, Brasil e China puseram-se a postos, mas a Índia, nem tanto, ao menos até onde a vista alcança e os ouvidos captam.

O pano de fundo para as conversas tem sido a ampliação dos Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) com quatro novos parceiros já integrados (Emirados Árabes, Etiópia, Egito e Irã) e outros tantos ainda em negociação. Essa também foi a pauta oficial do telefonema de Putin para Lula na quarta-feira, mas mal disfarça os avanços nas conversas sobre a guerra Rússia-Ucrânia, que têm até cronograma e um rascunho com quatro condições para os dois países.

O próximo passo será na semana que vem, com mais uma rodada de conversas entre Brasil e China, em paralelo à abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.

ENTENDIMENTO – E a proposta rabiscada prevê redução das hostilidades, preservação de alvos e cidadãos civis e troca de prisioneiros, compromisso de não uso de armas atômicas em nenhuma circunstância e, por fim, uma conferência internacional de paz que inclua tanto a Ucrânia quanto a Rússia. Essa conferência poderá ser lançada já na semana que vem, em Nova York, envolvendo um conjunto de países e um pré-acerto: todas as propostas de cessar-fogo deverão ser consideradas.

Ainda embrionária, essa construção exige paciência e tempo, mas uma coisa é certa: é uma faca de dois gumes para Lula. O envolvimento direto joga holofotes e confere status a ele e ao Brasil, reduzindo as legítimas críticas de muita ambição, pouco resultado; muito falatório, pouca ação.

Além do alto risco de virar mais um tiro n’agua, a articulação tende a aumentar as suspeitas sobre os rumos dos Brics, da política externa brasileira e de suas alianças com China e Rússia, que de democracias não têm nada.

Lembrem o óbvio: se houvesse maior fiscalização, haveria menos queimadas


Queimadas em território florestal.

Na área de encosta o fogo se espalha com mais rapidez

Roberto Nascimento

As queimadas para fazer o manejo da terra e os consequentes incêndios florestais não são invenção brasileira. Muito pelo contrário, existem desde tempos imemoriais e tão cedo isso não acaba. O problema ocorre em todos os países do mundo em que há expressiva produção agrícola, incluindo Estados Unidos, Canadá, Índia, Austrália, Rússia e China.

A União Europeia, formada por países que se incendeiam anualmente, está aproveitando as queimadas provocadas pelos fazendeiros do Brasil e querem boicotar a importação de nossos principais produtos agrícolas e beneficiar os ruralistas locais.

COMO PROVAR? – Criar esse tipo de lei é fácil, mas é muito difícil provar que esse ou aquele produto agrícola é oriundo de desmatamento. Vai ser uma briga danada, porém certamente os países da UE vão arranjar as mais implausíveis justificativas para instituir o boicote.

No mundo inteiro, há fazendeiros que queimam as plantações após o corte, para renovar a pastagem para gado ou fazer o manejo da terra para suas culturas.

O problema aqui no Brasil e em outros países é que passaram a fazer também queimadas para desmatamento, destinadas a aumentar os campos de cultivo ou criação. Assim, deram um tiro no próprio pé, porque passaram do ponto, a seca foi muito mais intensa e espalhou o fogo da destruição pelo mundo, e aqui o Brasil foi praticamente inundado de fumaça tóxica.

PRIMEIRAS PRISÕES -Amazônia, Pantanal, Cerrado e até o interior de São Paulo ardendo no fogo da destruição. Foram além do previsível, o fogo ficou sem controle e a tendência é piorar, porque estamos longe do período de chuvas torrenciais, que começa em novembro. E o calor do verão promete ser avassalador.

 A Polícia Federal acaba de divulgar a prisão de incendiários do Pantanal, procurados desde as queimadas de 2020.

Essas áreas desmatadas pelo fogo estavam sendo usadas para pastagem de gado. Evidente, que pecuaristas de Corumbá estão no foco do crime.

SEM FISCAIS – Se houvesse fiscalização, nada disso aconteceria, porque no Pantanal o produtor agrícola tem de manter como reserva 50% da área de sua propriedade. Se queimou a floresta para ampliar pastagens, é fácil constatar, via satélite, mas não há vontade política.

Se não houver fiscalização, a tendência é acabar o Pantanal e secar a maior parte da região, conforme denuncia a ministra Marina Silva.

Se isso acontecer, esses criminosos vão usar os lobistas do Senado e da Câmara para conseguir bilhões de reais do Orçamento para usar o aquífero (águas subterrâneas) e dar de beber ao gado.

OMISSÃO TOTAL – O que o governador Eduardo Riedel, do Mato Grosso do Sul, tem feito para coibir esse crime ambiental das queimadas provocadas em áreas privadas? Pelo visto, nada vezes nada.

Essa leva de políticos e de governadores é a pior de todos os tempos. O Brasil inteiro está sendo desmatado, o governo federal está claramente se omitindo e os governadores também nada fazem.

E não há a quem reclamar, porque os três Poderes são cúmplices entre si.  

sábado, setembro 21, 2024

Eleitores de última hora podem decidir pelos líderes nas pequisas

Herdeiros do rinoceronte Cacareco têm espaço, mas quem se lembra do Enéas?

Publicado em 21 de setembro de 2024 por Tribuna da Internet

homem careca de farta barba preta, bigode preto e óculo preto

Enéas Carneiro foi eleito deputado federal duas vezes

Elio Gaspari
O Globo/Folha

Desde 1959, quando o rinoceronte Cacareco teve 100 mil votos para uma cadeira de vereador na eleição municipal de São Paulo, os candidatos pitorescos ganharam um espaço inédito. Só na noite de 6 de outubro se saberá se ganharam peso político. As pesquisas de outros estados mostram o contrário. Na vida real, a baixaria é alimentada por dois candidatos, só em São Paulo. No Rio, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte e nas outras capitais, a campanha vai bem, obrigado.

Depois de Cacareco, vieram fenômenos como Enéas Carneiro e o comediante Tiririca. Enéas disputou três vezes a Presidência da República e chegou a conseguir 1,4 milhão de votos. Em 2002, elegeu-se deputado federal por São Paulo com a maior votação da época, 1,6 milhão de votos. Reelegeu-se em 2006 e morreu no ano seguinte. Tiririca elegeu-se deputado federal por São Paulo em 2010, também como o mais votado (1,3 milhão de votos), e está até hoje na Câmara.

ENÉAS E TITIRICA – Cacareco morreu no zoológico em 1962. O quadrúpede passou pela vida pública sem deixar vestígios. Seus similares também. Ganha um archote para produzir uma queimada quem souber das contribuições de Enéas e Tiririca para a vida do país. Representaram um desconforto dos eleitores, nada mais que isso. Ninguém votou em Cacareco, Enéas ou Tiririca esperando alguma coisa. Afinal, o voto é obrigatório. Se não fosse, esse eleitor ficaria em casa.

Um cidadão que acompanhou por dez anos a Operação Lava Jato e viu seu funeral melancólico tem razões para não acreditar em coisa nenhuma. Outra coisa é entregar a administração de sua cidade ao produto de uma vaia. Os candidatos pitorescos vestem-se com mantos radicais para nada. Fanáticos sem causa, são asteriscos que acabam esquecidos.

Tudo isso pode fazer sentido, mas falta incluir no quadro o fenômeno Jair Bolsonaro, saído da avalanche eleitoral de 2018. Seu filho Eduardo quebrou o recorde de Enéas, elegendo-se para a Câmara com 1,8 milhão de votos. Quatro anos depois, quando o pai disputava a reeleição, teve menos da metade de eleitores.

LULA NA CADEIA – A eleição de 2018 foi única e ainda reverbera. Lula, o principal candidato, estava na cadeia, trancado por decisão do Supremo Tribunal Federal, soprada pelo comandante do Exército. Poucos países passaram por experiências semelhantes.

A maré conservadora e antipetista elegeu os Bolsonaro. No Rio, o anônimo juiz Wilson Witzel capturou o governo do estado e foi deposto em 2021. O Supremo soltou Lula, os generais voltaram aos quartéis e, no Rio, o candidato de Bolsonaro, sem a plumagem dos pitorescos, patina.

As pesquisas dos próximos dias dirão qual foi o efeito da cadeirada de domingo no debate da TV Cultura e, na noite de 6 de outubro, virá o juízo final. O candidato Pablo Marçal é qualificado como “influenciador”. Trata-se de um vago anglicismo. Na mesma noite, se saberá se existe bolsonarismo, ou se ele é um vagão atrelado a um locomotiva conservadora.

OUTROS CACARECOS – O protesto encarnado por Cacareco era muito mais inteligente. O rinoceronte nunca disse besteira nem foi a debates. Para quem está a fim de jogar o voto fora, limitando-se a mostrar seu desconforto, aqui vão duas sugestões de candidaturas, de animais que alegram o Zoológico de São Paulo:

1 – Pepe é um chimpanzé, maior de idade.

2 – Sininho é uma fêmea de hipopótamo, filha da falecida Tetéia, a decana do pedaço.


A lama que rola na campanha mostra a política em processo de degradação


A degradação da política é uma ameaça à democracia

Dora Kramer
Folha

O lamaçal que assola a disputa eleitoral em São Paulo à parte, mas ele incluído como símbolo do fenômeno de que falaremos a seguir, nosso ambiente político sofre acelerado processo de degradação e não é de hoje. Há pelo menos uns 20 anos o nível dos meios e modos na política vem baixando de modo permanente. Uma maravilha nunca foi, mas havia qualidade em meio a nichos de desqualificação nos partidos e no Congresso.

Tanto que a Constituição que nos rege, lembremos, foi elaborada, votada e aprovada por senadores e deputados há 36 anos. Em legislatura anterior, senadores e deputados rejeitaram o candidato à Presidência da ditadura e, antes disso, fizeram a Lei da Anistia. Imperfeita? Era o possível à época.

FRUTO DA POLÍTICA – A transição do regime autoritário para o Estado de Direito foi fruto da política, atividade sem a qual não se tem um país democrático. Portanto, a navegação em ondas de sentimentos antipolítica corresponde ao embarque no barco do autoritarismo.

Personagens que encarnavam esse figurino faziam sucesso pontual, mas acabavam sendo expelidos ou extintos por inanição. O que temos hoje é um cenário onde a exceção está em via de se tornar quase numa regra de mau espetáculo.

Assusta, embora não surpreenda, ver o circo mambembe exibido nos debates da eleição municipal da maior cidade do país. Se essa canoa virou foi porque deixaram ela virar.

CULPADOS – E nisso a culpa é coletiva: dos partidos em sua distorção de critérios para escolha de candidatos, do eleitorado em seu apreço pelo baixo entretenimento, dos políticos mais qualificados que se deixam levar e aderem ao deboche, mas também dos organizadores dos encontros em sua busca por audiência.

As cenas de ofensas e agressões se repetem no Parlamento, onde hoje não é mais fato raro reuniões de comissões e até sessões em plenário se transformarem em tablados de vale-tudo enquanto nos bastidores se administram balcões de negócios. Já disse e repito: não foi sempre assim.

Em nome da saúde da democracia urge que a política entre em processo de reabilitação, antes da degradação total.


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