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quarta-feira, outubro 05, 2022

Entrevista: Sérgio Abranches - Lula e Bolsonaro no 2º turno é mistura perigosíssima de ressentimentos e repulsa




Por Marli Olmos

Para o sociólogo, cientista político e escritor Sérgio Abranches (foto), esta é uma eleição singular, com dois candidatos que já experimentaram estar na cadeira do Presidente da República – Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca o terceiro mandato e Jair Bolsonaro (PL), a reeleição. O eleitor “rapidamente se posicionou entre os dois”, sem deixar espaço para terceiras forças. Para ele, se Lula não ganhou o voto “envergonhado”, como muitos esperavam, Bolsonaro conquistou o voto “enrustido”, que vem, sobretudo, da força das igrejas neopentecostais e de um conservadorismo da sociedade brasileira muito maior do que se imaginava, não contemplada na análise da sociologia política.

O resultado final, segundo Abranches, está indefinido porque ambos os candidatos atraem “sentimentos” de seu eleitorado, numa polarização baseada em “emoções ressentidas, por repulsa, não por oposição”. Apesar de o revanchismo ter tomado conta da campanha para o primeiro turno, o analista prevê, no entanto, que principalmente Lula terá, nessa nova fase, que mostrar ao eleitor quem vai compor sua equipe econômica se eleito. Porque essa é uma informação importante para a classe média, de onde, segundo prevê, virão os votos que definirão o vencedor.

Em relação à formação das bases parlamentares, o analista percebe um Congresso “dominado por partidos de oligarquias, ligados a determinados grupos de interesse, sem enraizamento na sociedade”. Por outro lado, bancadas mais concentradas facilitarão acordos seja qual dos dois o vencedor. 

Leia, abaixo, a entrevista que Abranches concedeu hoje ao Valor:

Valor: Qual é a sua avaliação em relação ao primeiro turno?

Sérgio Abranches: Creio que tanto o resultado da eleição para presidente, como o questionamento em torno das pesquisas e a formação do Congresso trouxeram boas e más notícias. Embora as pesquisas indicassem a probabilidade de vitória de Lula no primeiro turno, essa é uma eleição singular porque são dois presidentes disputando a eleição, com Lula em busca do terceiro mandato e Bolsonaro, a reeleição. O eleitorado rapidamente se posicionou entre os dois, sem deixar espaço para terceiras forças. Não havia a menor possibilidade de qualquer força crescer diante do gigantismo dessas duas candidaturas muito conhecidas e que despertam sentimentos muito fortes.

Valor: A diferença entre os dois finalistas foi menor do que os institutos de pesquisa indicavam. O que houve?

Abranches: O tamanho do eleitorado de Lula foi dimensionado e o do Bolsonaro subestimado. Acredito em mais de uma hipótese. A primeira tem a ver com a metodologia. Estamos sem Censo há 12 anos e não temos noção do que é a população brasileira. Cada instituto calibrou sua mostra por categorias sociais baseado na Pnad e pesquisas de mercado. Todas erradas. Nenhum instituto fez uma mostra representativa do eleitorado brasileiro tal como ele é hoje. E isso não é culpa de ninguém. Não tínhamos instrumentos adequados. Além disso, o último levantamento sério sobre a quantidade de evangélicos neopentecostais foi de 2018 a 2019. Sociólogos que estudam esse tema estavam projetando altas taxas de crescimento da população evangélica brasileira até 2030. Alguns com a hipótese de que essa população ultrapassaria os católicos. É possível que tenha havido um crescimento que não tenha sido captado. A maioria das igrejas neopentecostais ultrapassou a barreira da separação entre púlpito e palanque, inclusive com intimidação religiosa, do tipo ‘você vai para o inferno’. Uma parte desse voto não foi declarado para ninguém, foi guardado para si mesmo.

Valor: Seria o voto envergonhado que muitos esperavam ir para Lula?

Abranches: Houve, sim, um erro dos pesquisadores que achavam que votos envergonhados iriam para Lula. Mas eu não chamaria esse voto em Bolsonaro de envergonhado, mas de enrustido. A pessoa não quer confessar a sua posição. E aí se recusa a falar com pesquisador, seja porque não gosta dos institutos de pesquisa porque o Bolsonaro não gosta ou os pastores não gostam, seja porque tem medo de que o entrevistador seja petista ou não seja conservador e possa reagir. Isso cria um problema metodológico seríssimo porque ele pergunta para que não quer responder. Aí ele tem que substituir o entrevistado e nessa substituição não se tem certeza se está substituindo por outro com a mesma convicção.

Valor: Mas, além das pesquisas, a força da onda bolsonarista também não foi prevista pelos analistas.

Abranches: Estamos falando de duas forças subjacentes ao crescimento de Bolsonaro que não estavam contempladas na análise da sociologia política brasileira. De um lado, um conservadorismo da sociedade brasileira muito maior do que se imaginava. De outro, uma força reacionária. Há uma diferença entre ambos. O conservador é o que quer manter determinados valores. O reacionário é o que quer voltar atrás. Quer restaurar parte do passado. Retirar direitos. Voltar a determinados hábitos comportamentais que já foram superados.

Valor: Como o senhor avalia as características da polarização que se vê nessa eleição?

Abranches: Não é uma polarização qualquer. Totalmente diferente do que vimos entre 1994 e 2014, quando a disputa era entre PSDB e PT. Era uma época em que os petistas achavam o PSDB um horror, reacionário, um partido dos patrões, dos banqueiros. Mas os valores envolvidos eram políticos. Não é assim agora. Agora é o ‘ame ou odeie’. É uma mistura perigosíssima de ressentimentos e de sentimentos de repulsa. É antipetismo e antibolsonarismo. Lula até consegue escapar um pouco porque escapa um pouco do PT. Mas isso não constrói uma política em programas diferentes para a população.

Valor: A disputa, no caso, se concentra no lado pessoal?

Abranches: É o que a psicologia social chama de polarização afetiva. Eu diria mais, que é uma polarização baseada em emoções ressentidas, por repulsa, não por oposição. Isso tornará o segundo turno muito violento. Duvido que a calmaria que Bolsonaro mostrou após a apuração dos votos não seja resultado de Rivotril. Não era ele no seu normal. O verdadeiro deve reaparecer.

Valor: O primeiro turno já foi marcado por acusações. O segundo tende a ser pior?

Abranches: No primeiro havia isso. Mas aí aparecia a Simone Tebet (MDB) ou a Soraya Tronicke (União Brasil) e diziam: vamos discutir ideias. O único que embarcou na retórica dos ataques adjetivados foi Ciro Gomes (PDT).

Valor: E como será a estratégia dos candidatos para atrair os eleitores de Tebet e Ciro, que somaram pouco mais de 7%?

Abranches: Eles é que têm a diferença na mão. Uma parte vai anular, que na verdade é voto branco. Minha hipótese, sobre a qual não tenho certeza absoluta, é que a parte que é do Bolsonaro já foi e foi a que o ajudou a subir no primeiro turno. Do lado de Ciro, havia antipetistas, mas não muito simpáticos ao Bolsonaro. Mas diante de um antipetismo mais forte podem migrar para Bolsonaro.

Valor: Por que Ciro perdeu votos?

Abranches: O eleitor do Ciro não gostou da maneira como ele entrou nessa campanha. Ele deveria ter percebido, com a experiencia que tem, que entre Lula e Bolsonaro não havia espaço para ele. Apostar na ideia do programa é não entender a natureza da polarização que havia. Ciro vai ter que fazer uma espécie de autocrítica no segundo turno. Não há como apoiar Lula sem rever parte das posições assumidas na campanha. Há várias sintonias em parte do que Ciro propõe e Lula pensa. Há o problema do necessário movimento de Lula para o centro porque Ciro é estadista demais para Lula captar votos dos liberais. E ele precisa disso. Teria que ser uma conversa calibrada.

Valor: Simone Tebet disse que não vai se omitir no segundo turno. Mas, ao mesmo tempo, sua atitude pode influenciar suas futuras aspirações políticas. Como ela vai lidar com isso?

Abranches: Simone foi clara de que vai apoiar o Lula. Há espaço para as cúpulas partidárias negociarem, mostrando que ela é uma mulher de partido. Imagino que nas 48 horas que pediu vai conversar com Lula e apoiá-lo. Do ponto de vista do Lula, Simone é um ativo importante. Primeiro, ela é do agro, do ruralismo e de um Estado que elegeu uma senadora que foi ministra da Agricultura de Bolsonaro e é também do agro. Mas a Simone tem a sensibilidade para a questão ambiental que Tereza Cristina (PP) jamais teve. Tanto que durante toda a campanha Simone disse que é o agro e o meio ambiente, juntos. Como Lula terá que fazer um Ministério do Meio Ambiente forte, com base no programa que acertou com a Marina Silva (Rede), ter uma ministra da agricultura que de um lado defende o agro, mas, ao mesmo tempo, tem a sensibilidade para essa política ambiental, pode atrair a parte moderna do agro.

Valor: E como seria essa negociação do ponto de vista partidário?

Abranches: Do ponto de vista da estrutura partidária, Simone se impôs à velha oligarquia do partido. O Baleia (Rossi), que foi quem bancou a candidatura dela dentro do partido, se elegeu bem em São Paulo. Os dois são interlocutores necessários. O MDB não pode deixar de tê-los como parte dos protagonistas na conversa com o PT. O MDB é o primeiro partido a ser procurado porque é o tradicionalmente aliado de Lula fora da esquerda. Em todos os governos PT foi assim. O MDB foi uma peça-chave.

Valor: E qual sua avaliação em relação às derrotas do PSDB nessa eleição?

Abranches: O PSDB se extinguiu, deixou de ser um partido relevante., Perdeu São Paulo, vai perder o Rio Grande do Sul muito provavelmente e tem 18 deputados, uma bancada nanica. Quem tomou o lugar dele foi o PSD. Então outro interlocutor-chave para Lula provavelmente será (Gilberto) Kassab e Rodrigo Pacheco. Aí serão acordos fáceis: a reeleição de Pacheco para a presidência do Senado e Congresso e provavelmente uma volta de Kassab para o ministério do Lula. Vejo para Lula acordos tranquilos no caso de ele vencer. No caso de Bolsonaro, ele tem uma bancada que também dá a ele essas condições.

Valor: Qual é a sua avaliação em relação à composição do Congresso?

Abranches: Esse talvez tenha sido um acerto dos politólogos. Achávamos que as regras novas diminuiriam a fragmentação. O número de partidos efetivos em 2018 era 17. Passou para nove. No Senado, foi de 14 para nove. Houve, portanto, redução significativa da fragmentação. São bancadas mais concentradas. Mas não muito grandes. Para ter uma ideia, o PT voltou a 2010. Mas sua melhor foi em 2002, com 91 deputados. O MDB, com 42 deputados, não chegou sequer ao que tinha na legislatura de 2014 a 2018. A melhor foi no governo de FHC, com 107 deputados. As duas únicas fortes agora são do PL, 99, e a do PT, com 79. Houve uma concentração entre 40 e 80 deputados, o que permite fazer coalisões muito mais manejáveis. Mas a qualidade não melhorou. Era outra esperança que se tinha. Mas eu acho que mudança de regra não altera a natureza do bicho. Temos cento e poucos parlamentares com alguma base social. Assim, temos um Congresso dominado por partidos de oligarquias, ligados a determinados grupos de interesse, sem enraizamento na sociedade.

Valor: Numa eventual vitória de Lula, isso dificulta a forma de governar?

Abranches: Acho que até facilita. Como eles não têm base social não têm compromissos, só interesses. Negociando seus interesses tudo bem. E basicamente são interesses estaduais. Vão precisar de obras. As negociações terão muito menos do ‘toma-lá-dá-cá’, sob o ponto de vista de corrupção e de propina, do que no passado. A Lava Jato fez uma certa assepsia nesse processo. Por medo; não por convicção moral.

Valor: Como especialista em meio ambiente, como o senhor vê a eleição do ex-ministro Ricardo Salles (PL) como deputado federal? Além dele, a Câmara também terá Eduardo Pazuello (PL), que, quando ministro da Saúde durante a pandemia, foi desautorizado por Bolsonaro na compra de vacinas.

Abranches: Há uma bancada, sobretudo de senadores e alguns deputados, que obteve votos pelos valores conservadores e reacionários. Ricardo Salles quer reverter todo o processo de proteção da Amazonia. Pazuello quer governo de autoridade, é o ‘manda quem pode e obedece quem tem juízo’. No Senado temos Damares Alves (Republicanos), de inclinação fascista e ultraconservadora. Essa é uma bancada problema. É pequena. Mas são todos a cara de Bolsonaro, de Michele e dos filhos. Mas tem que ver qual será sua influência nas negociações internas do Congresso. Eu presumo que será pequena.

Valor: E como o senhor acredita que o próximo governo tratará a questão ambiental?

Abranches: Está claro. Num governo Bolsonaro será um desastre total. Vai ser o império do garimpo ilegal legalizado, invasão de terras, da desproteção absoluta das unidades de conservação e das terras indígenas. Isso vai fazer do Brasil um país pária, com o qual ninguém vai querer lidar. Não por acaso o país com o qual Bolsonaro tem a melhor relação é a Rússia. Houve um voto muito anti-ambiental no Norte e no Centro-Oeste. Houve uma tomada do poder por parte do ruralismo e do garimpismo. O Estado icônico nesse sentido é o Acre, governado pelo PT durante muito tempo e hoje na mão da direita ruralista.

Valor: A questão ambiental parece não seduzir o eleitor. Marina Silva (Rede) obteve muito menos votos do que Ricardo Salles.

Abranches: São Paulo está fora da órbita dessa discussão. Não teve uma discussão sobre o impacto da poluição do ar em São Paulo na saúde pública. A questão ambiental ficou submersa também por dois fatores. O grosso das forças a favor de Lula e Bolsonaro eram da repulsa recíproca. E aí não tem tema. Além disso, havia uma preocupação muito forte com a questão econômica, sobretudo em relação a desemprego, fome e inflação. O eleitor fica menos focado em questões que podem até ser fundamentais para ele em outras circunstâncias. Mas não nessa.

Valor: Se repulsa leva a não ter tema, não teremos programa de governo na campanha do segundo turno?

Abranches: Tanto Bolsonaro com Lula terão que disputar, na margem, o voto de quem está pedindo programa. O primeiro turno era a eleição pela democracia e com polarização. Não se ganhou voto com programa e Ciro é um exemplo disso. Ficou o tempo todo em cima de um programa. Mas a parte do eleitorado que está para ser puxada está mais interessada em programa. O que sobra, agora, na disputa de votos, eu presumo, está na classe média média e classe média alta. É aí que vai se dar essa disputa em torno de dois ou três pontos percentuais. Esses querem saber quem estará na equipe econômica de Lula. Vão querer também saber se Paulo Guedes vai continuar a fazer vista grossa para tudo o que é absurdo do Bolsonaro. O eleitor que sobrou é mais liberal.

Valor: Na campanha do primeiro turno o empresariado em geral parecia mais influenciado pelas pesquisas e, de certa forma, não tão próximo de Guedes como no começo do governo.

Abranches: Quem sempre entendeu de empresário foi Roberto Campos. Ele dizia que o capital não tem pátria e nem partido, tem interesses. Vai se acomodar a qualquer uma das situações.

Valor: Em relação à economia, a quantidade de votos em Bolsonaro no primeiro turno, acima do que previam as pesquisas, não estaria também refletindo as medidas de última hora, como a redução no preço dos combustíveis?

Abranches: Parte dessa base popular do Bolsonaro, que foi subestimada, deve ter a ver com isso. O auxílio adicional deu resistência à inflação e melhorou a cesta de consumo de muitos que certamente votaram em Bolsonaro. E essa é a vantagem que ele terá nos próximos dias, já que é possível que a economia melhore ao longo de outubro.

Valor: Nesse momento, então, não dá para arriscar quem sairá vencedor no segundo turno?

Abranches: Como disse no início, essa é a primeira vez que dois presidentes disputam a eleição juntos. Ambos são muito conhecidos, já governaram, existem sentimentos em relação aos governos de ambos. No caso de Lula, esse sentimento é hereditário, é o do jovem cujo pai melhorou de vida durante o governo Lula. Sabe o que aconteceu e está hoje enfrentando dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho. Mas não há nenhuma referência que nos permita dizer que quem sai na frente no primeiro turno ganha. Todos os que tentaram a reeleição foram eleitos. É a primeira vez que se tem um ameaçado de não ser. Embora a tradição presidencial brasileira é de reeleição, nunca foi reeleito um presidente saindo na desvantagem. Seria a primeira vez.

Valor: E da base de governadores eleitos podem sair lideranças para a disputa presidencial em 2026?

Abranches: Se não sair o Brasil caminha para o desastre. Acre mostra isso. O fato de o PT não ter gerado novas lideranças ali mostra que há fastio. A população brasileira está cansada das mesmas caras e essa é uma das razões pelas quais ela tentou o Bolsonaro. Era uma cara desconhecida, mesmo sendo um deputado medíocre, obscuro. O fastio talvez explique também um pouco o fato de Lula não ter vencido no primeiro turno. As sementes estão sendo colocadas. Mas não se sabe se vão vingar.

Valor: Quais seriam essas sementes?

Abranches: Temos Tabata Amaral (reeleita deputada federal em São Paulo pelo PSB). Temos também a Soraya Thronicke pela direita. Ela nasceu no movimento de 2013, defendendo o ruralismo, mas com espírito democrático. Essa direita liberal conservadora é fundamental para a estabilidade da democracia. Tem que ter essa válvula de escape. Não pode haver apenas esquerda e centro. Tem que ter uma direita que pegue esses interesses conservadores e traga para o seio da democracia. Na Bahia, temos o governador que está saindo (Rui Costa, PT). Mas um que não vingou foi Eduardo Leite (PSDB-RS), que vacilou muito e foi punido. Renunciou ao governo estadual para disputar a Presidência e depois renunciou à candidatura de presidente para se candidatar ao governo do Estado que abandonou. Os gaúchos não aceitariam um desaforo desse.

Valor Econômico

Bolsonaro deu sova em Lula nos EUA. Petista ganhou de lavada na Europa




Por Vicente Nunes (foto)
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, foi o grande vitorioso no primeiro turno de votações nos Estados Unidos. Ele conquistou 33.799 votos na terra do Tio Sam, quase o dobro dos 17.457 votos de Lula (PT).

Dos sete colégios eleitorais nos Estados Unidos, Bolsonaro venceu em quatro, sendo que a votação mais expressiva foi registrada em Miami — teve 11.682 votos contra 2.548 de Lula. Coincidentemente, o segundo maior colégio eleitoral fora do Brasil é reduto de apoio de Donald Trump.

Nos EUA, além de Miami, o presidente ganhou em Atlanta (2.879 contra 973 de Lula), em Nova York (5.088 ante 4.716) e em Boston (9.046 contra 2.982). Lula venceu em Los Angeles (1.793 frente a1.671 de Bolsonaro), Washington (2.271 ante 2.089) e São Francisco (2.174 contra 1.344).

Toda a vantagem de Bolsonaro sobre Lula nos EUA foi tirada nos principais colégios eleitorais da Europa, sobretudo em Portugal (Lisboa, Porto e Faro): o petista teve 21.839 votos e o oponente, 11.218. Em Paris, o placar foi de 7.089 votos para Lula e 1.384 para Bolsonaro. Em Berlim, de 5.713 a 809.

Pelos dados consolidados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula venceu a disputa no exterior com 138.933 votos (47,17%) ante 122.548 (41,67%) de Bolsonaro. Apesar da frequência maior dos brasileiros que vivem fora do Brasil nas urnas, a abstenção foi elevada: 56,24%.

A expectativa é grande em relação ao segundo turno. Como houve longas filas nos principais colégios eleitorais dos Estados Unidos e da Europa, especialistas questionam se os eleitores estarão dispostos a voltar às urnas para enfrentar os mesmos problemas.

Defensores dos dois candidatos prometem trabalhar muito para que os votantes não só retornem às seções eleitorais, como boa parte dos que não votaram no primeiro turno compareça às urnas na nova etapa da disputa entre os candidatos à Presidência da República.

Correio Braziliense

Eleições 2022: quantos deputados e senadores cada partido elegeu




O Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, terá a maior bancada da Câmara dos Deputados e no Senado, conforme mostram os resultados das eleições legislativas de domingo (02/10).

A legenda, que já é atualmente o maior partido na Câmara com 76 das 513 cadeiras da Casa, elegeu 99 deputados federais — 23 assentos a mais do que tem hoje — para a nova legislatura, que começa a partir de 1º de fevereiro de 2023.

Já a Federação Brasil da Esperança (FE Brasil), que inclui o PT, PV e PCdoB, e atuará na Câmara como um só partido, elegeu 80 deputados (12 a mais do que os 68 que as legendas têm atualmente juntas) — e será dona da segunda maior bancada na Casa.

Levando em consideração apenas o PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado no primeiro turno nas eleições presidenciais, a legenda elegeu 68 parlamentares, 12 a mais do que na eleição anterior.

Na sequência, aparecem os seguintes partidos por ordem de tamanho de bancada: União Brasil (58), PP (47), MDB (42), PSD (42), Republicanos (41), Federação PSDB/Cidadania (18) e PDT (17).

O PSB, partido do candidato a vice de Lula, Geraldo Alckmin, elegeu 14 deputados, assim como a Federação PSOL/Rede — esses partidos são seguidos pelo Pode (12), Avante (7), PSC (4), Solidariedade (4), Patri (4), Novo (3), PROS (3) e, por último, PTB (1).


A nova composição do Senado

Nas eleições para o Senado deste ano, foram renovadas um terço das 81 cadeiras da Casa — ou seja, 27 vagas estavam em disputa.

Como o mandato dos senadores é de oito anos, as eleições para o Senado renovam alternadamente, a cada quatro anos, um terço e dois terços das cadeiras.

As 27 cadeiras que foram renovadas neste ano mudaram em relação às eleições legislativas de 2014, quando também havia 27 vagas ao Senado em disputa

Foi a legenda que mais elegeu senadores — oito, no total —, que somados aos atuais cinco parlamentares do partido em exercício com quatro anos de mandato pela frente, totalizam uma bancada de 13 senadores.

Mas, dependendo do resultado do segundo turno das eleições estaduais, este número pode mudar — assim como a composição das demais bancadas da Casa.

É que permanece indefinida a situação de cinco senadores (dois deles, do PL), que ainda têm mais quatro anos de mandato, mas estão disputando o cargo de governador no segundo turno. Se vencerem, podem ser substituídos por suplentes de outros partidos; e se perderem, podem voltar à Casa (caso tenham se licenciado para concorrer), alterando assim a configuração das bancadas.

Os cinco senadores em meio de mandato que ainda disputam o segundo turno para governador são: Rodrigo Cunha (União Brasil, Alagoas), Eduardo Braga (MDB, Amazonas), Marcos Rogerio (PL, Rondônia), Jorginho Mello (PL, Santa Catarina) e Rogério Carvalho (PT, Sergipe).

Sem contar com senadores que estão de licença por outros motivos, sendo representados atualmente por suplentes, e que ao voltar podem promover uma nova dança das cadeiras.

O União Brasil foi o segundo partido que mais elegeu senadores neste ano — cinco, no total — e pode contar com a segunda maior bancada, formada por 12 senadores. Mas um deles está disputando o segundo turno das eleições estaduais, e poderá ser substituído pelo suplente se for eleito.

O título de terceira maior bancada seria dividido, a princípio, entre MDB e PSD — com 10 senadores cada. Mas a situação de um dos senadores do MDB também está indefinida.

Já o PT, que elegeu quatro senadores neste ano, deve ter a quarta maior bancada, com nove representantes no total. Mas também tem um senador disputando o segundo turno para governador — e, se ele ganhar, esse número pode mudar.

Os demais partidos que também elegeram senadores neste ano são: PP (3), PSD (2), Republicanos (2), MDB (1), PSC (1) e PSB (1).

BBC Brasil

PSDB volta a encolher e fica perto de virar partido nanico




Sigla que governou Brasil duas vezes sofre novo derretimento nas urnas, perdendo até mesmo o governo de SP pela primeira vez em 28 anos e mostrando que a antiga centro-direita continua a ser engolida pelo bolsonarismo.

Por Jean-Philip Struck

Outrora um dos maiores partidos políticos do Brasil, o PSDB saiu do pleito de domingo (02/10) ainda menor, acentuando o processo de decadência da legenda que começou a ser explicitado em 2018.

Ao eleger apenas 13 deputados para a Câmara, o PSDB CAIU para zona do Congresso que concentra siglas de nicho, como o PSOL, ou sem tradição como o Podemos e que fica pouco acima da linha dos nanicos – as legendas com menos 11 deputados que não têm mais direito a receber recursos público e tempo de TV.

A situação só não é pior porque o partido formou uma federação com o Cidadania, o que vai garantir uma bancada de 18 deputados.

A votação total dos candidatos tucanos à Câmara Federal foi de apenas 3,2 milhões – contra 11 milhões em 2014.

O partido também não conseguiu eleger senadores no último domingo, e vai ver sua bancada na Casa cair de seis para quatro membros. Em contraste com seus tempos mais exitosos, o partido ainda fracassou em eleger governadores no primeiro turno.

Ainda tem quatro candidatos em disputas de segundo turno pelos governos do Rio Grande do Sul, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, mas todos passaram para a nova rodada em desvantagem, atrás de nomes do bolsonarismo ou da esquerda.

Derrotas históricas

A derrota mais significativa dos tucanos, porém, ocorreu no berço da legenda: o estado de São Paulo. Pela primeira vez em 28 anos o partido perdeu a disputa pelo Executivo paulista, não conseguindo nem chegar ao segundo turno do antigo "tucanistão”. Os resultados de domingo mostraram que o bolsonarismo continua a engolir a velha centro-direita do PSDB no estado.

Em vez de um tradicional duelo entre um petista e um tucano, a segunda rodada vai ser protagonizada por Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), um carioca que mudou seu domicílio eleitoral para São Paulo em janeiro e, com forte apoio do Planalto, conseguiu reunir 42,3% dos votos no primeiro turno. O candidato tucano, o atual governador Rodrigo Garcia, terminou em terceiro lugar, com 18,4%.

'O governador tucano Rodrigo Garcia, um novato no PSDB, não conseguiu chegar ao segundo turno da disputa pelo Executivo Paulista'

No mesmo estado, os tucanos ainda sofreram outras derrotas simbólicas. Nome histórico da legenda e duas vezes candidato à Presidência, o ex-governador José Serra conseguiu apenas 88 mil votos na sua campanha para deputado federal, amargando a suplência. Os tucanos ainda viram sua bancada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) cair de 13 para 9 deputados.

Em Minas Gerais, estado que o PSDB governou três vezes, o candidato tucano ao governo local em 2022, Marcos Pestena, obteve apenas 0,56% dos votos – a pior marca dos tucanos em Minas desde a criação do partido e próxima de candidatos nanicos do PMB e PCB. Foi a primeira vez desde 1990 que um tucano não ficou entre os dois mais votados no estado. Assim como em São Paulo, os antigos votos do PSDB migraram para um político alinhado ao bolsonarismo, o atual governador Romeu Zema (Novo).

Candidato à Presidência pela sigla em 2014, Aécio Neves ainda conseguiu se reeleger por pouco deputado federal em Minas, mas perdeu 21 mil votos em relação ao pleito de 2018.

'José Serra, ex-governador, ex-ministro e duas vezes candidato à Presidência. Tucano histórico não conseguiu se eleger deputado'

Declínio

No final de 1998, dez anos após a sua fundação, o PSDB vivia seu auge. Havia garantido a reeleição de um presidente da República em primeiro turno, vencido o governo de sete estados e eleito a segunda maior bancada da Câmara, com 99 deputados.

Nas quatro eleições seguintes, o partido ainda se mostrou capaz de colocar um candidato no segundo turno da disputa presidencial, além de se manter encastelado no governo de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, que havia sido conquistado pela primeira pelo PSDB em 1994, quando os tucanos substituíram o malufismo e o quercismo como as maiores forças do estado.

A fase turbulenta do PSDB teve início após a eleição de 2014, quando o partido ficou apenas 3,28 pontos atrás de Dilma Rousseff (PT) na disputa presidencial.

À época, o então líder da sigla, Aécio Neves apostou em uma estratégia de colocar o resultado do pleito em dúvida, pedindo uma auditoria das urnas e estimulando uma clima de contestação da legitimidade do governo. No entanto, o partido não conseguiu colher os frutos da radicalização do eleitorado, que passou a exigir o impeachment de Dilma nas ruas.

'Aécio Neves ficou perto de conquistar a Presidência do país em 2014, mas pouco depois teve papel decisivo no início da derrocada do PSDB'

A liderança de Aécio frente ao partido se revelaria decisiva para acelerar a derrocada do partido. Em 2016, ele articulou a entrada do PSDB no impopular governo Michel Temer, que logo ficaria paralisado por uma série de escândalos de corrupção. No ano seguinte, foi a vez de o capital político de Aécio desmoronar após o empresário Joesley Batista revelar uma gravação em que Aécio aparecia pedindo R$ 2 milhões.

Aécio tentou se manter no Senado e na presidência do partido, mas no final de 2017 acabou substituído por Geraldo Alckmin. Além de ter que lidar com o desafio de liderar um partido com imagem desgastada, Alckmin tinha seus próprios problemas.

Em 2016, ele havia promovido dentro do partido um apadrinhado que não fazia parte dos quadros históricos do PSDB: o publicitário João Doria. Inicialmente, a estratégia funcionou: o novato Doria conquistou a prefeitura de São Paulo no primeiro turno.

À época, as profundas divisões que se avolumavam dentro do PSDB foram escancaradas quando militantes de alas rivais do partido trocaram socos na rua durante as prévias para a escolha do candidato do partido à prefeitura da maior cidade do país.

Na cúpula, as brigas também se espalharam. Logo a criatura passou a rivalizar com o criador. Alckmin e Doria romperam em 2018, acelerando o processo de desagregação do tucanato paulista. Enquanto isso, o mineiro Aécio continuava a operar nos bastidores para recuperar sua antiga influência.

Em 2018, Alckmin lançou uma nova candidatura à Presidência, mas o desgaste provocado pela associação do partido com o governo e os escândalos de Aécio cobraram seu preço. O candidato obteve humilhantes 4,76% dos votos – o pior resultado do PSDB numa eleição presidencial. Após anos de tensão política, o eleitorado que costumava apoiar o PSDB em contraposição ao PT escolheu migrar para a candidatura de extrema direita de Jair Bolsonaro. Na Câmara, o PSDB encolheu de 54 para 29 deputados.

Durante a campanha de 2018, o partido ainda acumulou mais fatos negativos. O ex-governador do Paraná Beto Richa, filho de um dos fundadores mais destacados da sigla, foi preso por suspeita de corrupção.

Diante do quadro, Tasso Jereissati, ex-presidente nacional da sigla, chegou a fazer uma auto-crítica. "O grande erro, e boa parte do PSDB se opôs a isso, foi entrar no governo Temer. Foi a gota d’água, junto com os problemas do Aécio. Fomos engolidos pela tentação do poder", disse à época.

Com a derrocada de Alckmin, parecia que Doria seria alçado à figura mais influente do partido graças à sua bem-sucedida candidatura ao governo paulista no mesmo ano. Mas sua liderança nunca foi aceita por nomes mais antigos da sigla.

Ainda assim, Doria passou a articular uma candidatura à Presidência. Mas, no final de 2021, as novas prévias do partido, longe de caminharem para um consagração da sua pré-candidatura, acabaram se transformando numa nova luta interna. Doria acabou vencendo as prévias, mas foi forçado pela cúpula do partido e por maquinações estimuladas por Aécio Neves a desistir da candidatura. Os caciques tucanos preferiram concentrar os esforços na disputa pelo Executivo paulista.

À época, Aécio afirmava que, diante da alta rejeição nacional de Doria, o PSDB corria o risco de virar uma sigla “nanica” se insistisse na candidatura do político paulista.

'João Doria tentou se lançar candidato à Presidência pelo PSDB em 2018. Foi abandonado pela cúpula do partido'

Queda

Com Doria fora, o governo paulista ficou nas mãos de Rodrigo Garcia, que assim como seu antecessor, era um neófito no PSDB, tendo migrado do antigo DEM no ano anterior.

Sem disputar a eleição paulista com um tucano tradicional e sem lançar um candidato próprio à Presidência pela primeira vez desde 1989, o partido ainda se associou de maneira pouco entusiasmada à candidatura ao Planalto de Simone Tebet (MDB), indicando sua vice. No final, Tebet obteve somente 4,16% dos votos. Já Garcia acabou sendo atropelado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas.

"O PSDB se esfacelou nessa eleição, e não foi por falta de aviso”, disse o deputado tucano Alexandre Frota após a derrota do partido em São Paulo. O próprio Frota não conseguiu se reeleger.

No momento, o partido sofre novo racha. Parte da velha guarda tucana, formada por nomes como Tasso Jereissati e Aloysio Nunes, já anunciou que pretende apoiar Lula. Mas deputados federais da sigla, mais jovens, já vem se associando ao bolsonarismo.

O atual presidente do partido, Bruno Araújo convocou uma reunião para decidir qual deve ser a posição no segundo turno. A tendência deve ser liberar os filiados a apoiarem quem quiser. É um contraste e tanto com a posição que o partido teve em 1989, quando o PSDB era chefiado por Franco Montoro (1916-1999) e apoiou Lula no segundo turno contra o populista Fernando Collor.

Deutsche Welle

O maior vencedor do primeiro turno




Por Carlos Andreazza (foto)

Foi reeleita a engenharia de rapto do Orçamento da União por meio do orçamento secreto. Foi reeleito o orçamento secreto – o maior vencedor do primeiro turno, instrumento do qual outras vitórias são tributárias. Não terá sido somente Bolsonaro o grande eleitor.

Reeleito o orçamento secreto, reelegeu-se o pior Parlamento da história. O pior e o mais rico, donde o mais independente.

De contrato assinado com a tinta do orçamento secreto, a sociedade de Bolsonaro com o consórcio parlamentar Lira/Nogueira triunfou. O presidente da Câmara encaminhou bem a sua reeleição ao comando da Casa.

Senado incluído, o Brasil terá um Parlamento eleito pelo tripé bolsonarismo, antilulopetismo e orçamento secreto. Será um Congresso de caráter sectário, com natureza fundamentalista, e de motor autoritário na distribuição orçamentária. Essa é, aliás, a conjunção que impulsiona a competitividade de Bolsonaro.

Reeleito o pior Parlamento da história; reeleito sobretudo pelo esquema do orçamento secreto; reeleita a estrutura que dá nova altitude a Bolsonaro.

Como é que o Supremo cassa agora o orçamento secreto? Omitiu-se com a plantação de que enfrentaria o tema – constitucional por excelência – depois das eleições. A matéria nunca admitiu cálculo político. Aí está. Agora, como é que o STF enfrenta o vencedor das eleições?

O vencedor das eleições, orçamento secreto, compôs um Congresso de governabilidade sem precedentes para Bolsonaro; Parlamento potencialmente hostil a um governo Lula. Não será barato reverter esse perfil. O cenário e a história autorizam supor Lula se comprometendo com o orçamento secreto. Como é que, uma vez eleito, ante esse Congresso, sustentaria a promessa de acabar com o bicho? Não lhe seria mais fácil, presidente do governo sob o qual houve o mensalão, viabilizar a relação abraçando o troço?

O mundo real se impõe.

O pior Parlamento da história se reelegeu. A votação legislativa foi dura sobre a presença da pandemia nas urnas. Quase nenhuma. A formação do Congresso consagrou o desejo de esquecimento da peste. Votou-se por ignorar perversidades; para informar que a página já fora virada. Rejeição mesmo à memória da pandemia. É o efeito São Clemente, simbolizado pela derrota eleitoral do ex-ministro da Saúde Mandetta.

O efeito São Clemente: a escola de samba que, em abril de 2022, sob ambiente festivo em que as pessoas se consideravam livres do vírus e celebravam essa superação, pretendeu homenagear Paulo Gustavo, morto pela peste, mas que acabou rebaixada por entregar à passarela uma lembrança de dor.

Foi eleito Pazuello.

O eleitor não votou – não decisivamente – condicionado pela barbárie expressa em quase 700 mil mortos. A pandemia apareceu na forma de seus impactos sobre a economia. Bolsonaro, tardiamente, parece ter entendido. Disse que percebe um desejo de mudança, mas que esse ímpeto pode produzir resposta ainda pior. Contra a associação à tragédia econômica, acirrará o investimento no sentimento antilulopetista.

Lula passou o primeiro turno inteiro sem entender que não venceria apenas com discurso de defesa da democracia contra o cramulhão. A campanha toda sem apresentar programa econômico, fiado no “farei porque fiz no passado” – como se o que fez há vinte anos, na hipótese de bom, não tivesse produzido também o período Dilma.

Se havia alguma chance de Lula vencer em primeiro turno, e havia, estava em falar aos exaustos de Bolsonaro que nunca lhe votaram; e que mesmo não gostam do ex-presidente. Precisará cuidar disso doravante. Será mais difícil. O pior parlamento da história se reelegeu, tem bilhão para empenhar, é bolsonarista e está solto. Chancelado pelas urnas e capitalizado pelo orçamento secreto, virá ainda mais agressivo, senhor do cofre. E seus expoentes no Nordeste, lá onde as emendas têm especial efeito, ficaram livres para usar a força econômica a favor de Bolsonaro.

O presidente precisará dessa ajuda; de que seus liras radicalizem os costumes que fundamentam a sociedade. A porteira arrombada pela PEC Kamikaze dá passagem. A ladeira é íngreme, mas escalável. Bolsonaro vai passar nova boiada de bondades.

Bolsonaro pode ampliar a vantagem no Centro-Sul, e terá a máquina ora liberada dos reeleitos Zema e Castro. Pode crescer em São Paulo. Tal esforço será insuficiente se não tirar algo da frente que Lula abriu no Nordeste. Não convém subestimar as chances de fazê-lo. Veja-se o que indica a eleição de Rogério Marinho – ex-ministro da pasta-eixo do orçamento secreto – ao Senado pelo Rio Grande do Norte. Ganhou com tranquilidade num estado em que Lula venceu firmemente.

Fato: os parlamentares bolsonaristas eleitos no Nordeste não precisam mais temer a força do ex-presidente contra seus planos eleitorais. Poderão prometer, orçamento secreto em mãos, por Bolsonaro. O jogo está aberto.

O Globo

A onda reacionária - Editorial




O relativo sucesso do bolsonarismo nas urnas nada tem de conservador, é só reacionário. Esquerda e direita republicanas têm o desafio de articular antídotos com mais democracia

A reação ao risco da volta do lulopetismo ao poder brotou forte das urnas na eleição de domingo passado. Mas não nas formas sadias do liberalismo e do conservadorismo, e sim na sua deformação: o reacionarismo. Conservadores e liberais buscam conservar liberdades fundamentais e valores universais, materializando-os progressivamente com base na estabilidade das instituições e reformas articuladas e pactuadas na arena política. O revolucionarismo progressista se opõe a esses princípios. Mas o reacionarismo também: em nome de um passado idealizado, busca autoritariamente girar a roda da História para trás, arruinando as instituições democráticas.

A democracia só é funcional quando esquerda e direita, no debate mais livre possível, encontram algum ponto em comum ao negociar políticas públicas, vencendo impasses em nome do atendimento ao conjunto da sociedade. Mas o reacionarismo opera não na dialética entre a disputa e o consenso, e sim na lógica da aniquilação. Para os extremistas à direita, assim como os à esquerda, o campo adversário é visto não como um agrupamento político que busca realizar acordos constitucionais com métodos diferentes, mas como um inimigo a ser abatido. Por isso, o bolsonarismo reacionário tem especial predileção por desqualificados – quem se notabiliza por seu total despreparo para a vida pública, como é o caso dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, ganha lugar de destaque no palanque bolsonarista.

Desde que Jair Bolsonaro encerrou sua carreira militar ameaçando explodir bombas em quartéis, sua vida política foi pautada pela destruição e a ruptura. O saudosismo da ditadura e o revanchismo em relação à Constituição de 88 são explícitos. Nada há de conservador na desmoralização sistemática e truculenta da comunidade acadêmica, do sistema partidário ou da Suprema Corte. Como organizações humanas, estas comportam defeitos, e devem ser aprimoradas para melhor representar a vontade e a consciência populares. Mas os populistas só projetam nelas cadeias de opressão a serem rompidas por meio de mais concentração de poder nas mãos do líder que supostamente encarna o “povo”.

Como se chegou a essa situação? Como remediá-la?

O PT praticou o populismo autoritário à sua maneira: sua obsessão pela hegemonia política e sua pretensão ao monopólio moral se traduziram na sua aversão às composições, na demonização dos adversários à direita e na desmoralização de dissidentes à esquerda. A impaciência da população com o PT se desfraldou em manifestações multitudinárias que foram capitalizadas pela ferocidade antipetista de Bolsonaro em 2018.

No entanto, se a onda disruptiva não arrefeceu, mas cresceu, é pelos desmazelos da própria direita. A população conservadora nunca teve problemas em confiar seu voto a partidos formados na redemocratização que muitas vezes nem sequer propunham as pautas mais caras à direita, como o PSDB, desde que se comprometessem a conter a “república sindicalista” e outras utopias petistas. Mas, à medida que esses partidos perderam identidade, transigindo com retrocessos petistas e entregando-se ao tráfico fisiológico ou disputas fratricidas, criou-se um vácuo de poder.

Para muito além dessas eleições, a direita e a esquerda republicanas têm um imenso desafio. A esquerda terá de fazer brotar e cultivar novas lideranças no deserto de alternativas deixado pelo culto lulopetista. A direita precisará não tanto se renovar, mas se inventar. A ditadura legou seu próprio deserto, e inexistem no Brasil partidos conservadores liberais (como o centenário Republicano, nos EUA, ou os Tories, no Reino Unido) ou sociais (como as democracias cristãs que reconstruíram a Europa no pós-guerra), ou meramente liberais.

Como dizia Nelson Rodrigues, “o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. O neorreacionarismo brasileiro é, no mínimo, obra de décadas. As eleições mostram que chegou para ficar. A reconstrução da República também não se dará no improviso. Ela exigirá composições das forças republicanas conservadoras e progressistas. Não se pode dizer de antemão se serão logradas nem em quais termos. O certo é que só há um meio para tanto: mais democracia, não menos.

O Estado de São Paulo

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