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sexta-feira, julho 08, 2022

Para que o oportunismo e a ideologia não gozem de liberdade ilimitada

 




O país não precisa de Dâmasos Salcedes redivivos e a melhor forma de evitar que eles apareçam é a criação de um ambiente político onde o oportunismo e a pura ideologia não gozem de liberdade ilimitada. 

Por Paulo Tunhas (foto)

O que mais impressiona na história do diálogo entre uma amiba flutuante e um tronco de jangada à deriva que foi o embate sobre o anúncio do futuro aeroporto de Lisboa entre António Costa e Pedro Nuno Santos é a absoluta falta de pensamento dos protagonistas. Dizer isto não é, de modo algum, acusá-los de falta de inteligência. Tudo, pelo menos no que a Costa diz respeito, aponta no sentido contrário. Infelizmente, o que há mais neste mundo é gente esperta – e não uso a palavra em sentido pejorativo – sem pensamento.

Como Costa fez tudo – ainda ontem, na Assembleia da República, o voltou a fazer: “erro grave, mas efémero”, chamou-lhe – para silenciar o episódio, convém lembrá-lo. O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, decidiu no outro dia apresentar ao país perplexo a solução que o Governo, segundo ele, havia tomado para responder a um problema velho de décadas: a construção do novo aeroporto de Lisboa. O novo aeroporto não seria, de resto, um só, mas dois. Como não há fome que não dê em fartura, haveria um em Montijo, outro em Alcochete. A coisa, explicou em várias entrevistas televisivas nessa mesma noite, estava já despachada e a caminho do Diário da República. Com voz grossa, aquela que usou há anos para declarar que faria “tremer as pernas dos banqueiros alemães”, explicou que nem o Presidente da República nem o novo líder da oposição, Luís Montenegro, precisavam de ser informados da decisão. O facto estava consumado.

Acontece que, aquando da comunicação ao país de tão relevante decisão, que envolve, além de tudo, uma batelada de dinheiro que não se conta, António Costa se encontrava numa cimeira da NATO, em Madrid, e, ainda por cima, por razões protocolares de segurança, incapaz de contactar com o mundo exterior através do telemóvel. Se acrescentarmos a isto, que já é estranho, o facto do mesmo António Costa ter repetidamente declarado, a última vez muito recentemente, que a decisão sobre o novo aeroporto só teria tomada em articulação com Luís Montenegro, a estranheza atinge proporções inéditas. Parecia um golpe de Estado.

Ao próprio Costa, aparentemente, pareceu. Porque, na manhã seguinte, estando ele ainda em Madrid, o seu gabinete fez saber, num comunicado particularmente duro, que o despacho do ministro havia sido revogado. Por outras palavras, fez saber que o chefe era ele e que o ministro tinha agido contra a sua vontade, em plena insubordinação. E, já de regresso a Lisboa, esteve cerca de uma hora reunido com Pedro Nuno Santos. Atendendo ao curso dos acontecimentos, toda a gente, sem excepção, deu de barato que o ministro se demitiria ou seria demitido.

Não foi, no entanto, isso que aconteceu. Saído da reunião, o ministro deu uma extraordinária conferência de imprensa, sem direito a perguntas, onde procedeu ao maior exercício de auto-humilhação de que há memória em democracia. Não houve imbecilidade ou falha de caracter que não tivesse generosamente atribuído a si mesmo. O homem das pernas a tremer dos banqueiros alemães pôs-se de cócoras. E, para acrescentar repugnância à repugnância, abjecção à abjecção, desfez-se em loas a António Costa, jurando-lhe amor eterno e absoluta servidão. Ele era um estouvado, um verme da terra, que traíra a confiança do extraordinário ser de luz que amava como Isolda amou Tristão, Julieta Romeu e um general norte-coreano Kim Jong-un. Via-se e não se acreditava. O ministro rastejante continuava ministro à custa de rastejar.

É impossível a um leitor d’Os Maias não se lembrar aqui do extraordinário Dâmaso Salcede. Recordar-se-ão que, depois de ter descoberto que Dâmaso Salcede havia sido o autor de um artigo da “Corneta do Diabo” onde se falava em termos torpes da sua relação com Maria Eduarda, Carlos da Maia envia João da Ega e Cruges a casa de Dâmaso, colocando-o perante uma alternativa: ou um duelo com Carlos ou uma carta onde Dâmaso pedisse de forma clara e inequívoca desculpa por ter escrito o artigo em questão. A hipótese do duelo não se coloca para Dâmaso, que acaba, para se salvar daquilo que designa por “entaladela”, por aceder à solução da carta. É João da Ega que a redige. Nela, Dâmaso confessa que escreveu o artigo, um pocinho de falsidades e incoerências, em estado de completa embriaguez. Essa embriaguez é, de resto, o produto de uma tara hereditária. Daí ser uma situação que lhe acontece amiúde e que corre o forte risco de se repetir no futuro, pelo qual pede antecipadamente desculpa. De mão tremente, depois de lida a carta, Dâmaso assina, aliviado, e, no íntimo, já pronto para o próximo “Chique a valer!”.

A conferência de imprensa de Pedro Nuno Santos é o perfeito análogo desta carta. E, tal como Carlos da Maia com nojo a aceitou, também António Costa, depois da conferência, declarou, mas aparentemente sem nojo algum, que, no fundo, o bom Pedro agira sem má-fé e fora humilde – um bom rapaz, no fundo, que reconhecera ser um bocado estouvado.

É claro que, além da questão da auto-humilhação, toda a gente se pôs a especular sobre as razões que teriam levado Costa a não demitir o ministro. Estaria ele antecipadamente a par da intempestiva intervenção deste naquele dia fatídico, tendo recuado, por uma razão ou outra, à última hora? Teria Costa medo da liberdade de acção para a crítica ao Governo de que Pedro Nuno Santos gozaria se Costa o demitisse? E por aí adiante.

São, é claro, questões legítimas. Mas a mim o que me parece mais digno de ser notado é a abissal falta de pensamento que engendra o vazio no qual se desenrola toda esta sórdida gesticulação. E, por isso, permito-me voltar ao que escrevi no primeiro parágrafo. Nem Costa nem Pedro Nuno Santos têm um real pensamento sobre Portugal. Têm truques e chavões, e, no vazio criado pelos truques e chavões, têm ambições. Depois, é uma luta em que nem os derrotados nem os vencedores se permitem perder tempo com a nobreza, ou sequer a decência, que apenas as convicções permitem. Nada mais natural que o resultado de uma tal situação seja grotesco.

Indo mais fundo. Não convém confundir pensamento com uma doutrina fixa sobre a sociedade, que traga consigo a receita mágica para curar, ou pelo menos remediar, os males de que possa padecer. Nem com a habilidade em encontrar argumentos sempre à mão para justificar o que a necessidade, em particular a dura necessidade do nosso interesse pessoal, nos obriga a fazer. Se assim fosse, António Costa e Pedro Nuno Santos teriam indiscutivelmente pensamento próprio.

O problema é que ter uma doutrina fixa da sociedade, qualquer que ela seja, é fatalmente mutilante. O modo de ser da sociedade não se deixa capturar por uma doutrina única. E é por isso que as controvérsias políticas não conhecem fim, não acabam, mesmo que apenas provisoriamente, por um acordo – que vai além do mero consenso, forçosamente subjectivo – em torno de certas interpretações dos factos, como acontece com as controvérsias científicas. Não há, por exemplo, e é um exemplo significativo, acordo generalizado sobre o que é, política e filosoficamente, a justiça. Por isso, uma visão monolítica e unívoca da sociedade repugna instintivamente a quem se atreva a pensar um pouco.

Do mesmo modo, a mera habilidade em encontrar argumentos que forneçam a aparência de uma justificação para as nossas crenças do momento não vale também como pensamento. Se a posição anterior escolhe um universal arbitrário como se fosse incondicionado e absoluto, com grande desprezo pela realidade empírica, o truque da habilidade consiste em ir saltitando de particular para particular, dando-se grandes ares de princípios que o mais desprevenido dos olhares vê serem puras ficções destinadas a simular uma coerência que, no melhor dos casos, não é senão a coerência do interesse próprio.

Por isso, o embate da amiba e do pedaço de madeira no meio do oceano mostrou o vazio em todo o seu esplendor. Não havia ali, de parte e de outra, o mais leve vestígio de pensamento político, de expressão de um genuíno sentimento do que deve ser a sociedade e do caminho a seguir para que ela seja como a desejamos. Para que tal acontecesse, seria necessário que houvesse um pequeno número de convicções firmes – quanto menor fosse o número, melhor – e que essas convicções pudessem conviver com aquilo que um poeta chamava “a rugosa realidade a abraçar”, correndo obviamente o risco de incoerências parciais. Não pode haver pensamento político – ou, já agora, ético – digno desse nome que não comporte incoerências e acomodamentos circunstanciais. Deus nos livre dos pensamentos políticos – ou éticos – absolutamente coerentes. Conduzem inevitavelmente a catástrofes. Há, nesta matéria, como lembrava o filósofo polaco Leszek Kolakowski, todo um elogio da inconsistência que é, ou devia ser, de regra. O verdadeiro juízo político não dispensa essa condição.

À falta dessas condições, só resta a vacuidade. O debate sobre o aeroporto, se mostrou alguma coisa para além da luta pelo poder no interior do PS que logo entusiasmou aficionados de vária pinta, mostrou essa vacuidade de forma indubitável. O grotesco daqueles que vivem perpetuamente a evitar vários tipos de “entaladelas” é o resultado directo da ausência de qualquer pensamento político digno desse nome, como coisa distinta do uso e abuso de chavões e truques.

Se o PSD de Montenegro quiser ser, de facto, a oposição que promete vir a ser, fazia-lhe bem olhar para aquilo e perceber que é o oposto daquilo que deve ser. O oposto do dogmatismo – sincero ou não, não interessa, mas certamente primitivo – e do oportunismo. Poucos princípios, mas firmes, e o máximo de liberdade que esses princípios permitirem. As pessoas, aposto, iam gostar de encontrar gente que defendesse isso pela frente. E que, de caminho, lhes poupasse a exibição dos espectáculos deprimentes como este do aeroporto. O país não precisa de Dâmasos Salcedes redivivos e a melhor maneira de evitar que eles apareçam é a criação de um ambiente político onde o oportunismo e a pura ideologia não gozem de uma liberdade ilimitada, aliando-se e opondo-se segundo as circunstâncias.

Observador (PT)

A insensatez e o efeito manada

 




A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação à estabilidade da própria moeda, o real.

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

A Marcha da Insensatez, da historiadora Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses, nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico da política.

Tuchman descreve a desastrosa atuação dos papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero — dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais profundas e longas crises políticas.

No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.

Depois que os políticos do Centrão, aliados ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.

Criou-se uma situação de absurda desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União, estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem pleiteia a reeleição.

Seu objetivo seria mitigar os efeitos da inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população, porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria inflação, corroendo os seus benefícios.

Mais graves são as consequências em termos institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o real.

A três meses das eleições, essas medidas que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas crises.

A hiperinflação da década de 1980, que coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento, mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.

Encenação

O preço desse fracasso está anunciado: é a iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra (PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas públicas e entende de política de desenvolvimento.

Casa de ex-ministro e ex-governadores, muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá restaurar a moralidade.

O misancene que está sendo feito pela oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar aos eleitores.

O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.

Correio Braziliense

Engolido pelos fatos




A PEC do Desespero de Bolsonaro está ajudando Lula, visto como o que melhor garantiria benefícios

Por William Waack (foto)

Não há surpresa alguma na PEC do Desespero. Comprar votos é o que sempre fez a política como ela é. Vergonha na cara não existe nesse tipo de política (nem gratidão). É um traço aparentemente imutável da nossa cultura, goste-se ou não.

A questão é saber se a compra de votos vai funcionar. O universo de eleitores que vivem com renda familiar (atenção, familiar) de até 2 salários mínimos – o alvo da PEC do Desespero – é estimado em 60 milhões de pessoas. Esse número equivale à soma de colégios eleitorais como São Paulo, Minas e Bahia.

É a formidável massa de eleitores da categoria “mais pobres” (40% do total). Nesse enorme segmento a vantagem de Lula sobre Bolsonaro tem sido ampla, constante e, ao que tudo indica, consolidada. Em outras palavras, com a PEC do Desespero a estratégia de Bolsonaro consiste em atacar seu adversário onde ele é mais forte.

Dar dinheiro na mão do eleitor muda voto? Em parte, funciona. Os profissionais em leitura de pesquisa constataram sem dificuldades uma correlação entre ajuda emergencial e melhoria dos índices de popularidade de Bolsonaro, por exemplo. Mas, neste momento, dois fatores limitam consideravelmente a eficácia da desavergonhada compra de votos.

O primeiro é a deterioração da renda. Os eleitores mais pobres mencionam a economia como fundamental na formação do voto e consideram que R$ 600 de ajuda já não são R$ 600, grana que ainda por cima só será paga até o fim do ano. Ou seja, aos olhos do público-alvo a PEC do

Desespero chega com pouco.

Além de chegar tarde, o segundo fator limita sua eficácia eleitoral. Existe um reconhecido “time lag” entre a aprovação/efetivação de um benefício e a melhoria da situação do candidato nas pesquisas. Fala-se de um processo que demanda em torno de meio ano – e faltam menos de três meses para o primeiro turno das eleições.

Para piorar a situação de Bolsonaro, ele está sendo vítima da famosa lei das consequências não intencionais. Ao dedicar-se desesperado à compra de votos via benefícios sociais, paradoxalmente o presidente reforça a imagem de seu grande oponente – Lula é visto pelos mais pobres, em termos de atributos, como aquele que melhor garantiria os benefícios para além do horizonte de dezembro estabelecido na PEC do Desespero.

Em outras palavras, a derradeira estratégia de Bolsonaro promete trazer pouquíssimo ganho político obtido a um enorme custo financeiro e, principalmente, institucional ao País (algo que pouco importa para a política como ela é). Provavelmente o presidente nem percebe que foi engolido pelos fatos que pretendia mudar.

O Estado de São Paulo

Renúncia de Boris Johnson vem atrasada

 




Boris Johnson renunciou ao cargo de líder conservador, mas por ora segue como primeiro-ministro

Por Bernd Riegert

Johnson precisa deixar imediatamente não só a liderança do partido, mas também o cargo de premiê. Uma rápida mudança de governo poderia evitar que o Reino Unido fique paralisado na política externa, opina Bernd Riegert.

Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, deve seu fracasso a Boris Johnson. Não foi a derrota nas eleições ou a oposição que derrubou o populista conservador, mas seu próprio caráter. No fim, após uma série de escândalos e três anos no cargo, o premiê ficou marcado como um mentiroso, um acobertador e um negador.

Seu próprio gabinete e seu próprio partido chegaram à conclusão de que o político, outrora fonte de esperança, no fim não passava de um embaraço. Boris Johnson, que certamente tem talento político e é capaz de conquistar o poder e persuadir pessoas, acabou se emaranhando em uma teia caótica de mentiras, promessas não cumpridas e vaidade inflada.

Ele pensa ser insubstituível

Não é de se admirar que ele aparentemente planeje agora permanecer em Downing Street como um "pato manco" por possivelmente vários meses até que o Partido Conservador eleja seu novo líder em uma conferência da legenda.

Boris Johnson se considera insubstituível, agarra-se ao poder e ainda não entendeu por que precisa deixar o cargo e que somente ele é responsável por isso. Em seu discurso de renúncia, ele culpou o "instinto de rebanho" entre os parlamentares. Com esse erro de julgamento, ele lembra tragicamente seu modelo populista Donald Trump: assim como o ex-presidente americano, Johnson não quer aceitar que seu tempo acabou.

Boris Johnson cumpriu sua promessa de 2019 e tornou possível o Brexit, ou seja, a saída do Reino Unido da União Europeia. O pouco convencional Johnson fez o que sua infeliz (mas pelo menos responsável) antecessora Theresa May não conseguiu: assinou um acordo de saída com a UE que ele sabia que jamais conseguiria manter. Porque provavelmente ele nunca quis mantê-lo mesmo.

O tratado prevê uma fronteira virtual de mercadorias e alfândegas entre o Reino Unido e a Irlanda do Norte, que continua fazendo parte do mercado interno da UE. Realmente inaceitável para os discípulos do Brexit, que se deixaram deslumbrar pelo populista flexível. Mas, para os conservadores, Johnson ainda obteve uma brilhante vitória nas eleições gerais de dezembro de 2019.

Na UE, prazer pela desgraça alheia

A partir daí, foi tudo ladeira abaixo. Boris Johnson queria simplesmente quebrar de forma unilateral o contrato internacional com a UE no início do ano, e remendá-lo com conversa fiada. Isso não acontecerá por enquanto, porque o governo interino em Londres não está mais em condições de fazê-lo.

Na UE há agora um certo alívio, ou até mesmo um prazer sádico, de que Boris Johnson é passado. Mas a esperança de que um sucessor respeite os tratados do Brexit ainda é prematura. Se a relação entre a UE e o Reino Unido vai melhorar ou piorar, não se pode prever no momento.

Boris Johnson conduziu seu país pela pandemia de covid-19 de forma cambaleante. No início ele não levou o vírus a sério, mas depois conseguiu organizar uma campanha de vacinação bem-sucedida, que teve impacto mais cedo do que no resto da Europa. Mas Johnson desrespeitou as regras de lockdown impostas por seu próprio governo, promovendo festas em sua residência oficial – que acabou por ser o golpe final em sua derrocada política.

Pato manco britânico

O próximo primeiro-ministro terá que lidar com a alta inflação, o tombo no comércio exterior após o Brexit, a tensa situação geopolítica após a invasão russa da Ucrânia, a crise mundial da fome e a eliminação dos combustíveis fósseis. Em termos de política externa, o Reino Unido ficará paralisado por meses com a saída anunciada de Johnson.

Agora, dá-se início a uma fase de incerteza até que um novo governo seja formado. Isso não é muito útil, dadas as múltiplas crises e a necessidade de trabalhar em conjunto com o resto do mundo. Johnson reconheceu que o presente parece sombrio, mas disse ver um "futuro brilhante" para a próxima equipe governista.

Boris Johnson não disfarçou o fato de estar imitando o grande primeiro-ministro Winston Churchill. Às vezes, até imitava seu jeito de andar e gestos. Mas é claro que isso não é suficiente. Já que, ao contrário de Churchill, Johnson não tem princípios firmes, convicções profundas, nem muita consciência.

*Bernd Riegert é jornalista da DW.

Deutsche Welle

Rússia avança no leste da Ucrânia e Putin alerta que o mais 'sério' está por vir




As forças russas continuaram, nesta quinta-feira (7), sua ofensiva para conquistar o leste da Ucrânia com ataques aéreos sobre diversas localidades da bacia do Donbass, embora o presidente russo, Vladimir Putin, tenha alertado que a campanha militar "séria" ainda não começou.

Os bombardeios deixaram um morto e muitos feridos em Kramatorsk, a capital da província de Donetsk, que forma o Donbass junto com a região vizinha de Luhansk.

Uma explosão deixou uma enorme cratera em um terreno situado entre um hotel e edifícios residenciais, conforme constataram os correspondentes da AFP.

Contudo, a ofensiva russa, que começou há mais de quatro meses e deixou milhares de mortos e milhões de deslocados, ainda não "começou a sério", disse Putin em uma reunião com parlamentares em Moscou.

Putin também desafiou os países do Ocidente que dão apoio militar à Ucrânia.

"Ouvimos atualmente que [os ocidentais] querem nos derrotar em um campo de batalha. O que dizer a eles? Que tentem a sorte!", declarou.

Mesmo assim, o líder russo deixou as portas abertas para uma negociação. "Não rejeitamos manter negociações de paz, mas aqueles que as rejeitam devem saber que será mais difícil chegar a um acordo" com a Rússia mais adiante, afirmou.

- A batalha do Donbass -

As forças russas afirmam controlar toda a província de Luhansk e agora querem conquistar Donetsk, para assumir o controle absoluto da bacia mineira, que já estava parcialmente nas mãos de separatistas pró-Rússia desde 2014.

Sloviansk e sua cidade-gêmea Kramatorsk se anunciam como os próximos objetivos das forças russas.

"O inimigo tenta lançar ataques em direção a Sloviansk", bombardeando as localidades vizinhas, assinalou o exército ucraniano.

O prefeito da cidade, Vadim Liakh, informou ontem que a retirada de civis seguia em curso.

Segundo Liakh, até a quarta-feira, restavam cerca de 23.000 habitantes na cidade, de um total de 110.000 que viviam ali antes da guerra.

"O que vamos fazer? Não temos nenhum lugar para onde ir, ninguém precisa de nós", lamentou Galyna Vasylivna, uma moradora de Sloviansk, de 72 anos.

Em Moscou, um promotor pediu hoje sete anos de prisão contra um político local, acusado de difundir "informações falsas" sobre os militares no contexto da ofensiva.

Na quarta-feira, a Rússia adotou um texto que introduz duras penas de prisão para quem incitar a agir contra a segurança nacional.

- Zelensky agradece a Johnson -

A renúncia do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, como líder do Partido Conservador, um passo prévio à sua saída do poder, sacudiu o cenário internacional.

Pressionado por escândalos e por seu próprio partido, Johnson se notabilizou como um dos líderes ocidentais que mais ofereceu apoio à Ucrânia.

Nesse sentido, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, telefonou para Johnson para manifestar "tristeza" por sua saída.

"Não há dúvidas de que o apoio do Reino Unido vai continuar, mas sua liderança pessoal e seu carisma o tornaram especial", disse Zelensky.

Momentos antes do telefonema, a presidência ucraniana agradeceu o apoio de Johnson nos "momentos mais difíceis" da guerra. O Kremlin, por outro lado, expressou seu desejo de que "gente mais profissional" chegue ao poder no Reino Unido.

A crise política britânica teve o seu desenlace na véspera de um encontro ministerial na Indonésia dos países do G20, no qual participarão a Rússia e os aliados ocidentais da Ucrânia.

É provável que nesse encontro aconteça "uma confrontação bastante dura", segundo uma fonte diplomática francesa.

A tensão também aumentou entre Ucrânia e Turquia depois que um navio-cargueiro russo com grãos zarpou de águas turcas e retornou à Rússia.

A Ucrânia, que acusa Moscou de roubar sua safra de trigo, garante que a embarcação Zhibek Zholy, que zarpou na semana passada do porto ucraniano de Berdiansk (controlado pela Rússia), transportava 7.000 toneladas de grãos obtidos ilegalmente.

Segundo afirmou a agência espacial dos Estados Unidos (Nasa), com base em dados de satélites, a Rússia controla 22% das terras cultiváveis da Ucrânia.

A guerra na ex-república soviética e as sanções contra a Rússia provocaram a interrupção das exportações dos dois países, com consequências no aumento dos preços de grãos e fertilizantes em todo o mundo, e no abastecimento de energia na Europa.

AFP / Estado de Minas

Boris Johnson: como premiê britânico seguiu 'manual de Trump' em crise que o levou à renúncia




Boris Johnson foi comparado a Donald Trump durante grande parte de sua ascensão dentro da política britânica

Por Anthony Zurcher

Durante grande parte de sua ascensão ao topo da política britânica, o primeiro-ministro Boris Johnson atraiu comparações com Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos.

Antes da decisão de renunciar ao cargo de líder do Partido Conservador (e, consequentemente, de primeiro-ministro), Johnson aplicou algumas lições da cartilha do ex-presidente dos EUA.

Não faça concessões. Afaste-se das críticas. Pressione. Faça-os arrancar o poder de suas mãos.

Se há uma coisa que o ex-presidente provou na política dos EUA, é que as normas e tradições políticas só importam se você as reconhece. E isso é algo que Trump nunca fez.

Mesmo em seus dias mais sombrios como presidente - através de dois impeachments e incontáveis polêmicas que questionavam ​​"ele finalmente foi longe demais?" , - Trump apontava para sua base leal e citava, às vezes sem evidências, o enorme apoio que teve em pesquisas com republicanos e a margem confortável pela qual ganhou o voto eleitoral (mas não popular) em 2016.

Antes do momento de sua renúncia, Johnson seguia uma estratégia semelhante, citando o apoio dos milhões que votaram nos conservadores nas eleições de 2019, em vez da insatisfação de dezenas de políticos e funcionários do partido que o abandonaram nos últimos dias.

Esta comparação é válida, ainda que os sistemas de governo dos EUA e do Reino Unido sejam muito diferentes e que uma reivindicação presidencial a um mandato popular — quando os eleitores marcam uma caixa ao lado de seu nome na cédula — é consideravelmente mais forte do que a de um primeiro-ministro que governa em nome de seu partido.

E foi só nas últimas semanas de Trump, depois que ele perdeu a reeleição e uma multidão de seus apoiadores atacou o Capitólio dos EUA, ele viu um êxodo em massa de conselheiros semelhante ao que Johnson está experimentando.

Trump mostrou que afirmar ser a voz do povo contra o establishment da elite pode ser o equivalente político de um colete à prova de balas. Essa é uma lição que Johnson parece ter levado a sério.

BBC Brasil

Uma pesquisa estranha...como o conservadorismo de Carla Zambelli.




Paulo Cruz escreve sobre o ataque que sofreu da deputada bolsonarista Carla Zambelli (foto) (que, no Tweet, o blogueiro trata como Zambetta), que o destratou num podcast. Pois é, se o que defende a Zambetta, espadachim do bolsonarismo, é conservadorismo, salve-se quem puder:

“Creio em Deus, mas detesto a teocracia. Todo governo consiste apenas em homens e, numa visão estrita, é um paliativo. Caso acrescente comando ‘Assim diz o Senhor’, está mentindo, e essa mentira é perigosa.” (C.S. Lewis, O progresso é possível?)

No último domingo acordei com o frisson de uma pesquisa acadêmica que visava a nos apresentar “A cara da democracia”. Conforme noticiou o Estadão, a pesquisa foi realizada por acadêmicos ligados às universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj, e, ao que parece, os pesquisadores se espantaram com o fato de que “opiniões majoritariamente conservadoras ou ʻlinha-duraʼ convivem na população com visões de mundo mais vinculadas aos direitos humanos ou à diversidade”. Ou seja, parece que os pesquisadores acabaram de descobrir que a sociedade não é formada por gente maniqueísta e binária. Mas o que me causou espanto foram os critérios utilizados pela pesquisa para avaliar se as pessoas são de direita ou de esquerda – os tais temas polêmicos.

Casamento entre pessoas do mesmo sexo, redução da maioridade penal, prisão de mulheres que interrompem a gravidez (?!), adoção de crianças por casal gay e legalização do aborto. Outros itens ainda são: militarização das escolas, rezar e acreditar em Deus nas escolas (?!), descriminalização das drogas e permissão para mineração em terras indígenas. Com tais critérios podemos ter uma ideia de como as pessoas pensam, circunstancialmente, a respeito de temas que ou lhes são caros ou que elas não têm muita ideia do que sejam, mas intuem pelo senso comum – perguntar para um transeunte sobre mineração de terras indígenas não me parece inteligente se queremos uma resposta consciente –, mas não é possível saber se essa pessoa é conservadora ou progressista.

O que parece é que, primeiro, os pesquisadores acadêmicos tentaram reduzir os conservadores a simples moralistas retrógrados. Segundo, que eles nem sequer avaliaram as circunstâncias que o próprio país vive e o quanto isso influencia em suas escolhas em relação aos tais “temas polêmicos”. Por exemplo: num país extremamente violento como o nosso, com adolescentes assassinando pessoas pobres em pontos de ônibus por causa de um celular, é óbvio que mais pessoas serão a favor da redução da maioridade penal. É também óbvio que, à medida que o tempo vai passando, mais pessoas vão se acostumando com a ideia de adoção de crianças por casais do mesmo sexo – sem fazer muita avaliação moral disso. Mas isso está longe de definir, técnica e conceitualmente, se uma pessoa é conservadora ou não. Uma pesquisa deveria esclarecer, não confundir.

Perguntar se as pessoas creem numa ordem moral duradoura, na imperfectibilidade humana, se defendem a prudência política e a conciliação entre estabilidade e mudança, ou, ainda, se advogam a ligação íntima entre liberdade e propriedade – esses, sim, princípios conservadores –, os acadêmicos não farão, pois nem sequer sabem o que é isso. Michael Oakeshott, um dos grandes teóricos do conservadorismo e já citado várias vezes nessa coluna, tem um parágrafo preciso sobre o tema. Segundo ele, em seu ensaio Conservadorismo:

“Ser conservador é, pois, preferir o familiar ao estranho, preferir o que já foi tentado a experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada momentânea à felicidade eterna. Relações familiares e lealdades têm preferência sobre o fascínio pelas alianças de momento; comprar e aumentar é menos importante do que manter, cultivar e aproveitar; a tristeza da perda é mais aguda do que a empolgação pela novidade e pela promessa. Significa viver dentro dos limites do patrimônio, usufruir dos meios possíveis à riqueza, contentar-se com a necessidade de maior perfeição que é exigida a cada um em dada circunstância. Para algumas pessoas essa postura seria fruto de uma escolha; para outras seria uma predisposição que surge naturalmente, com maior ou menor frequência, em suas preferências e aversões, sem que tenham sido escolhidas ou especificamente cultivadas.”

É claro que qualquer pesquisador sério teria de “traduzir” tais conceitos para o cidadão comum a fim de obter respostas precisas, mas é necessário se quiser discutir seriamente se a sociedade é conservadora ou meramente moralista. E eis aqui o principal problema dos acadêmicos atualmente, que são, em sua imensa maioria, progressistas. Eles ignoram o objeto que pesquisam e buscam pelo espantalho que eles mesmos criaram. Um exemplo é uma citação que está na matéria do Estadão: “Mulheres tendem a ser menos conservadoras, e este é um foco para análises sobre transições nos rumos das pesquisas a partir de respostas a temas polêmicos como os que investigamos neste levantamento – explica Oswaldo Amaral, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp”. Para os nobres pesquisadores, a evidência de que as mulheres são menos conservadoras é que são mais favoráveis à adoção de crianças por casais do mesmo sexo – 64% aprovam (o que chamaram de ampla maioria), contra 47% dos homens.

O que os acadêmicos não avaliam – porque, em certo sentido, são parte do problema – é que o recrudescimento reacionário dos últimos tempos foi provocado pela esquerda, que, nos últimos anos e por muitas vezes, demonstrou seu caráter afrontoso e fascistoide. Quem não se lembra da polêmica, em 2017, com a “performance”, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na qual uma criança é estimulada pela própria mãe a interagir com um homem completamente nu? Ou da performance Macaquinhos, em que adultos nus ficam olhado e tocando uns nos ânus dos outros, dizendo que, com isso, estavam buscando “a transformação subjetiva do corpo em seu estado limite, através das ações contínuas de paquerar, cutucar, assoprar, procurar e tocar um o rabo do outro”? Ou a performance num evento chamado Seminário Internacional Desfazendo Gênero, na qual uma artista nua se besunta de azeite de dendê? Ou, ainda, a maior intelectual do petismo, Marilena Chauí, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), dizendo, diante de Lula: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez, é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. [...] A classe média é uma abominação política, porque é fascista; é uma abominação ética, porque é violenta; e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”. Ou, ainda – perdoe, caro leitor –, outra célebre acadêmica do petismo, Márcia Tiburi, dizendo que é a favor e vê lógica no assalto?!

Tudo isso, no calor da disputa política dos últimos anos, foi amplamente divulgado na mídia tradicional e nas redes sociais, causando uma justa reação da sociedade. Não há como avaliar o que as pessoas pensam sobre temas polêmicos sem considerar que a agenda progressista, tradicional e identitária, vinha ultrapassando todos os limites em sua busca por subverter os padrões estabelecidos e desestabilizar a ordem social. Isso não é teoria da conspiração, são fatos. E isso não tem nada a ver com conservadorismo no sentido técnico do termo. Do mesmo que não tem como avaliar se uma pessoa é de esquerda ou não só porque defende os direitos humanos e o assistencialismo estatal.

A verdade nua e crua é: o extremismo da esquerda permitiu a ascensão política de seu duplo, Jair Bolsonaro, e do chamado bolsonarismo. Bolsonaro e sua entourage foram sagazes ao aglutinar todo o sentimento de repulsa a esse comportamento da esquerda – sobretudo a identitária, com suas teorias sobre gêneros, seu feminismo extremado e seu racialismo radical –, alinhá-lo a um senso religioso de parte da sociedade e dizer que estava lutando por restabelecer a ordem e os valores conservadores. A partir de então o conservadorismo, enquanto tradição de pensamento, foi sequestrado por uma agenda política eleitoral. A caricatura se tornou realidade e os acadêmicos, que nunca leram uma linha de autores conservadores, abraçam-na e fazem suas análises baseados nela – para tentar atingir o governo.

Não é fácil definir o que é conservadorismo, pois este é, em tese, como diz Michael Oakeshott, uma disposição, “é estar inclinado a pensar e agir de certas maneiras; significa preferir alguns tipos de condutas e algumas circunstâncias de condições humanas a outras; é ter uma tendência a fazer alguns tipos de escolhas”. Russell Kirk, considerado o pai do conservadorismo moderno nos EUA, diz, em seu inescapável A política da prudência, que o conservadorismo não é uma ideologia, e critica com veemência “jovens ideólogos que se imaginam conservadores, e aos jovens conservadores esperando apaixonadamente se converterem em ideólogos”. E o filósofo britânico sir Roger Scruton, em seu O que é conservadorismo, faz questão de distinguir conservadorismo e religião, dizendo: “embora haja uma conexão entre conservadorismo e sentimento religioso, é difícil argumentar a favor de sua identificação”. E, após uma análise detalhada da relação entre o sentimento religioso e o conservadorismo, de reconhecer sua validade dizendo que mesmo Burke e Disraeli acreditavam que a “religião é uma força essencialmente conservadora”, afirma que, apesar de o compromisso social conservador se dar por laços transcendentes, também é forçoso admitir que:

“A aceitação de laços transcendentes, no entanto, não requer a crença em seres transcendentes. Os japoneses, famosos (aliás, notórios) por sua prontidão em aceitar os primeiros, são igualmente conhecidos por sua relutância em acreditar nos últimos. Já os romanos, aos quais devemos o conceito de piedade, eram irregulares e mesmo descomprometidos em termos de religião – uma característica que eles compartilharam com os mais hábeis representantes do papado. Assim, parece-nos que a visão conservadora da sociedade poderia sobreviver na ausência de uma crença religiosa clara, apesar do fato de que ela sempre se irá beneficiar com sua presença.”

Nem mesmo o Dez Princípios Conservadores, desenvolvidos por Russell Kirk, têm conotação diretamente religiosa. O conservadorismo defende uma tradição, e um governante conservador respeita essa tradição, seja ela religiosa ou não. E isso não quer dizer que o conservadorismo aceita o secularismo moderno sem criticá-lo, mas que não se pode advogar a favor do conservadorismo com discursos meramente religiosos ou moralistas. E é exatamente nesse ponto que tanto os pesquisadores acadêmicos quanto os bolsonaristas erram.

E a prova – quero comentar rapidamente para não cansá-lo mais, caro leitor – foi o episódio do Flow Podcast em que participei, como co-host, entrevistando a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli. A compreensão que ela tem do conservadorismo é tão errônea quanto a da esquerda. Quando afirmei, categoricamente, que Bolsonaro não é conservador, por conta, dentre outras coisas, da exposição a que submeteu seus apoiadores no meio da pandemia, ela disse: “você vai me dizer agora que um dos principais princípios cristãos, que é o livre arbítrio, não deve valer numa situação de pandemia, por exemplo?” Eu perguntei: “o que isso tem a ver com conservadorismo? O que conservadorismo tem a ver com religião?” Ela respondeu: “Tudo”. E tentou se sair dizendo que o conservadorismo é fundamentado no direito romano, que seria baseado nos Dez Mandamentos – ignorando completamente a Lei das Doze Tábuas (450 a.C.) e filósofos como Cícero, que foi um dos fundamentadores do direito romano e viveu antes de Cristo. Não preciso avançar muito aqui, paciente leitor, para que perceba o equívoco dessa afirmação. Sociedades não cristãs, ou não pautadas pela tradição judaico-cristã, como a hindu ou a japonesa (como citada por Scruton), por exemplo, são conservadoras. Mas ela insistiu dizendo que Jesus Cristo e Tomás de Aquino eram conservadores.

Eu até entendo o que ela quis dizer, mas penso que ela não entendeu o que eu quis dizer, pois não sabe o que é, de fato, conservadorismo – e ter dito que o escritor católico Orlando Fedeli, fundador da Associação Montfort, era um autor conservador, é prova cabal disso. Por isso estiquei o argumento para que ela demonstrasse seu desconhecimento. Veja, amigo leitor, eu mesmo já fiz, nesta Gazeta do Povo, uma análise dos princípios conservadores do cristianismo e disse, num outro artigo: “As bases para o conservadorismo podem ser retiradas de muitos lugares – e nisso os livros podem nos ajudar: das mitologias à experiência de nossos pais e avós; dos contos de fadas à poesia; dos Dez Mandamentos às virtudes cardeais dos gregos; do Tao das religiões orientais àquele que considero a quintessência do conservadorismo: o Evangelho”. Mas percebe a diferença? São muitas as bases do conservadorismo. E é óbvio que eu, como cristão, reconheço os valores conservadores da religião que professo, mas não deixo de reconhecer que a tradição conservadora não é exclusividade do ocidente cristão. Eu ainda digo, quando ela afirma que os autores escolásticos eram conservadores: “eles eram autores cristãos. Se o cristianismo que eles professavam era conservador, é outra coisa; agora, dizer que o conservadorismo é cristão, é coisa completamente diferente”. Zambelli ainda tentou evocar a citação de Oakeshott que fiz acima como se fosse uma citação religiosa. Enfim, uma confusão só.

Por isso julgo que o trabalho daqueles que são conservadores sérios e estudiosos é confrontar essas distorções produzidas tanto pela esquerda e seus intelectuais de gabinete quanto por essa direita bolsonarista ignorante dos conceitos básicos do conservadorismo. Fazer isso é recuperar o sentido de uma tradição conservadora pautada não só no senso comum, como também naqueles autores que, a partir do rigor conceitual e da honestidade intelectual, forneceram as bases para um conservadorismo saudável, democrático e plural. Um trabalho para separar, como fez o nosso João Camilo de Oliveira Torres, conservadores de reacionários.

Gazeta do Povo (PR)

Rússia comemora queda de Johnson, enquanto Ucrânia lamenta

 




Kremlin vê prova da "crise política e ideológica" das democracias liberais do Ocidente. Já o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, exalta "liderança pessoal e carisma" de seu colega.

A renúncia de Boris Johnson da liderança do Partido Conservador e, consequentemente, do cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, repercutiu também na Ucrânia e na Rússia, embora as reações dos dois países tenham sido muito diferentes.

A decisão de Johnson, que põe fim a uma crise sem precedentes que paralisou o governo britânico, abre caminho para a escolha de um sucessor na chefia de governo do país, em um processo que poderá levar meses. Em pronunciamento em frente à sede do governo em Downing Street, nesta quinta-feira (07/07), Johnson afirmou que "ninguém é indispensável", e se disse triste por "abrir mão do melhor trabalho do mundo".

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, telefonou em seguida a Johnson para expressar sua tristeza com a decisão do colega britânico, que visitou Kiev duas vezes após o início da invasão russa na Ucrânia.

"Todos nós recebemos a notícia com tristeza. Não somente eu, mas toda a sociedade ucraniana, que simpatiza muito com você", disse Zelenski a Johnson, segundo informou o gabinete da presidência em Kiev. O líder ucraniano reiterou a gratidão de seu povo pelo apoio recebido do primeiro-ministro britânico desde o início do conflito.

Kiev considera o governo de Johnson como um de seus apoiadores mais fervorosos no Ocidente. "Não temos dúvida de que o apoio do Reino Unido continuará, mas sua liderança pessoal e seu carisma o tornaram especial", disse Zelenski.

Na conversa, os dois líderes também discutiram a cooperação militar e política entre as duas nações, além das negociações para desbloquear a exportação de grãos a partir dos portos do país.

"Ele não gosta de nós", diz Kremlin

O Kremlin, por sua vez, aproveitou a oportunidade para criticar Johnson e seu governo, além de apontar o "fracasso" das democracias liberais.

"Gostaríamos de esperar que algum dia, no Reino Unido, pessoas mais profissionais, que possam tomar decisões por meio do diálogo, cheguem ao poder", disse o porta-voz o governo russo, Dmitry Peskov. "Mas, no momento, há poucas esperanças a respeito disso."

A relação entre o Reino Unido e a Rússia, que já vinha mal há alguns anos, entrou em colapso após o início das agressões russas ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro.

O governo de Johnson sancionou dezenas de bilionários russos ligados ao Kremlin, e declarou que o dinheiro deles não é mais bem-vindo no Reino Unido. "Ele realmente não gosta de nós. E nós, também não [gostamos dele]", disse Peskov.

"Colapso das democracias liberais"

Moscou disse que a crise política britânica seria uma prova do aprofundamento do colapso das democracias liberais em todo o mundo. "Está claro para todos que os regimes liberais se encontram em uma profunda crise política, ideológica e econômica", afirmou a porta-voz do Ministério russo do Exterior, Maria Zakharova.

O embaixador russa no Reino Unido, Andrei Kelin, disse a queda de Johnson foi uma consequência de sua política "beligerante" contra a Rússia e pelo apoio à Ucrânia. "Ele se concentrou demais na situação geopolítica, na Ucrânia", afirmou o diplomata

"É claro que preferimos alguém que não seja tão antagonista ou beligerante", disse Kelin, sobre o futuro sucessor de Johnson. O embaixador aproveitou para criticar o legado deixado pelo premiê britânico, com o que chamou de "promessas não cumpridas em relação à alta nos preços e nos impostos. 

Kelin disse ainda que o apoio total de Johnson à Kiev foi um "erro estratégico". "Não posso dizer que ele tenha sido um amigo da Rússia." Ele ainda fez uma recomendação ao futuro governo britânico, dizendo que deve se concentrar "não somente em assuntos internacionais, mas, primeiramente, em seu próprio país e sua economia".

Deutsche Welle

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