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quinta-feira, julho 07, 2022

Boris Johnson demite um dos ministros que pediu sua renúncia




Ministra britânica do Interior, Priti Patel, teria pedido a Johnson que renuncie

Mesmo sob pressão de aliados, primeiro-ministro britânico se nega a renunciar após o pedido de demissão de ministros de seu gabinete e de mais de 40 secretários de Estado e outros cargos ministeriais.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, demitiu nesta quarta-feira (06/07) um de seus maiores aliados, o ministro da Coesão Territorial, Habitação e Comunidades, Michael Gove, que mais cedo havia pedido que o líder conservador renunciasse à chefia do governo.

Segundo a emissora BBC, o ministro foi demitido pelo premiê depois que sua ausência na bancada governista durante a sessão de controle do governo desta quarta-feira chamou a atenção dos presentes.

Anteriormente, fontes próximas a Gove haviam indicado que o agora ex-ministro não concordava com a permanência de Johnson à frente do Executivo diante da recente onda de renúncias de ministros, secretários de Estado e outros cargos ministeriais em seu gabinete.

Uma fonte governamental citada pelo jornal Financial Times assegura que Gove, um dos ministros mais próximos de Johnson, visitou nesta quarta o premiê em sua residência e escritório oficial em Downing Street para dizer que seu tempo à frente do governo e do partido se esgotou.

"Michael [Gove] essencialmente disse a ele que é o momento de ir embora, que [seu tempo como primeiro-ministro] acabou", revelou a fonte.

A retirada do apoio de Gove, que se aliou a Johnson em sua campanha pela liderança do Partido Conservador em 2019, é percebida como um sinal inequívoco de que o primeiro-ministro já não tem a confiança de alguns dos seus colaboradores mais próximos.

Na terça-feira, o ministro da Economia, Rishi Sunak, e o ministro da Saúde, Sajid Javid, apresentaram suas renúncias, sendo seguidos nesta quarta por um total de 41 secretários de Estado e outros cargos ministeriais. Eles alegam descontentamento com os escândalos que afetam o chefe de governo - entre eles, o fato de ter mantido Chris Pincher em seu posto de encarregado de disciplinar a bancada de seu Partido Conservador no Parlamento, após acusações de má conduta sexual.

'Premiê teria dito a colegas que haveria "caos" se ele renunciasse'

Johnson diz que não renunciará

De acordo com a imprensa britânica, Johnson se recusa a renunciar apesar da crescente pressão de membros de seu gabinete e de deputados do próprio partido.

O primeiro-ministro se reuniu na sede do governo em Downing Street com seus ministros para decidir seus próximos passos. Ele não tem intenção de renunciar ao cargo e se mostra "absolutamente desafiador", conforme informou à emissora Sky News uma fonte do Executivo britânico.

Diferentes meios de comunicação também revelam que um "desafiador" Johnson rejeitou os apelos de seus colegas de gabinete para renunciar, durante uma reunião na qual lhe foi dito que ele havia perdido a confiança do partido e que, desta forma, não poderia continuar no cargo.

Segundo a imprensa britânica, os titulares de Interior, Priti Patel; Empresas, Kwasi Kwarteng; Transporte, Grant Shapps; e para o País de Gales, Simon Hart, estão entre os ministros que pediram explicitamente que Johnson saia.

Patel teria sugerido que o premiê acatasse a "posição esmagadora" do grupo parlamentar, enquanto Shapps teria alegado que Johnson tem poucas chances de ganhar outra votação interna de censura e deve definir um cronograma para sair em seus próprios termos.

No entanto, Johnson parece ter rejeitado as sugestões para que busque "uma saída mais digna" e indicou que lutará por seu futuro político, algo que pode desencadear ainda mais demissões entre seus colegas de gabinete.

Uma fonte próxima a Johnson revelou que o premiê disse a seus colegas que haveria "caos" se ele renunciasse e que o partido quase certamente perderia as próximas eleições gerais.

Crise mais profunda desde 2019

O primeiro-ministro está mergulhado em sua crise mais profunda desde que venceu as eleições gerais de 2019.

Há um mês, ele superou uma moção de desconfiança em seu partido, mas saiu com poder enfraquecido da votação, que mostrou insatisfação de 41% dos parlamentares conservadores com sua gestão e com a série de escândalos que o afetam.

Segundo a mídia do Reino Unido, os parlamentares conservadores contrários a Johnson querem modificar as regras do influente Comitê de 1922 – que reúne os deputados do partido sem pastas – para convocar uma segunda moção de censura contra o primeiro-ministro. Sob as regras atuais do comitê, Johnson não poderia enfrentar outra moção de desconfiança por 12 meses.

Nesta quarta-feira, durante uma sessão de questionamentos na Câmara dos Comuns, Johnson disse que não irá renunciar ao cargo. "O trabalho de um primeiro-ministro em circunstâncias difíceis, quando você recebeu um mandato colossal, é continuar", disse Johnson. "E é isso que irei fazer."

Acusações contra Chris Pincher

Na segunda-feira, foram divulgadas pela imprensa britânica seis novas acusações de comportamento impróprio do ex-deputado do Partido Conservador Chris Pincher, dias depois de ele ter sido suspenso pelo partido por ter "apalpado" dois homens.

As novas acusações contra Pincher, reveladas pelos jornais Independent, Mail on Sunday e Sunday Times, incluem outros três casos em que o político protagonizou "avanços não desejados" sobre outros deputados, como um ocorrido num bar do Parlamento e outro no seu próprio gabinete, há mais de uma década.

Na semana passada, o jornal The Sun revelou que Pincher estava bebendo no clube Carlton, um dos mais antigos e exclusivos da capital britânica, quando assediou dois convidados. Pincher renunciou, alegou que tinha "bebido demais" e disse que estava envergonhado.

Deputado diz que Johnson sabia das acusações

Após as acusações contra Pincher virem à tona, o governo britânico inicialmente alegou que Johnson não estava ciente do comportamento do colega de partido no passado. Mas o argumento desmoronou nesta terça-feira, quando um ex-colaborador de Johnson revelou que o chefe de governo foi informado em 2019, quando era ministro das Relações Exteriores, que Pincher já havia se envolvido nesse tipo de incidente.

O líder do Partido Trabalhista, de oposição, Keir Starmer, disse em um comunicado: "Depois de toda a sujeira, escândalo e fracasso, está claro que este governo está entrando em colapso".

O caso de Pincher junta-se a outros semelhantes no Partido Conservador nos últimos meses. Em meados de maio, um deputado suspeito de estupro foi preso e depois libertado sob fiança. Em abril, outro legislador renunciou por ver pornografia em seu celular. E um ex-deputado foi condenado em maio a 18 meses de prisão por agredir sexualmente uma menina de 15 anos.

Além disso, Johnson enfrenta uma investigação parlamentar sobre se ele mentiu em sua defesa sobre o chamado "Partygate", as festas realizadas na residência oficial de Downing Street durante a pandemia de coronavírus.

A crise política soma-se, ainda, às dificuldades que o país enfrenta para se adaptar à saída da União Europeia (UE) em 2020.

Deutsche Welle

Politicamente correto: o ponto de encontro de todas as covardias.




Considerar o aborto como um instrumento de decisão reprodutiva, colocando-o ao mesmo nível da pílula, é de uma frieza e falta de honestidade intelectual que só pode resultar de dogmas ideológicos. 

Por Nuno Correira da Silva (foto)

Não querer tomar posição, não deixar registo que mais tarde possa ser inconveniente, surfar a tendência para evitar o trabalho de procurar argumentos, tornou-se a regra nas ditas redes sociais.

Em nome do politicamente correcto, que mais não é que a “verdade” ditada pela maioria, ao arrepio dos factos, muitas das vezes negando a evidência e abdicando da racionalidade, as pessoas vão sendo capturadas, abdicando da sua individualidade, do sentido crítico que dá cor e sabor ao debate, que alimenta o contraditório, que é o verdadeiro substracto da democracia.

Vivemos um tempo paradoxal, o posicionamento dito “moderno” mais não é que uma versão reeditada da alegoria das cavernas. Tal como Platão concebeu a metáfora das cavernas, também hoje se confunde a realidade com as suas sombras, as pessoas abdicam de ser para parecer.

Na alegoria, as pessoas habitantes da caverna, por nunca terem visto outra coisa, acreditam que as sombras projetadas são a única verdade, a própria realidade. Hoje, a caverna são as redes sem rostos, as sombras são os seus conteúdos e as pessoas acreditam que a verdade virtual é a única, por se recusarem a conhecer a realidade.

O debate gerado pela decisão tomada em 24 de Junho pelo Supremo Tribunal de Justiça Americano é paradigmático desta enorme confusão entre a realidade e as suas aparências.

O Acórdão do Supremo Tribunal dos Estaos Unidos da América veio dar interpretação diferente à primeira secção da 14ª (décima quarta) Emenda da Constituição Americana. Ao contrário do que é dito, repetido e recalcado nos média, e depois amplificado pelas redes, a decisão não implica a proibição do aborto em toda e qualquer circunstância, é uma mentira que nem que seja repetida à exaustão passará a ser verdade. O que resulta do novo Acórdão é a liberdade para cada Estado legislar sobre a matéria conforme os seus eleitores entenderem.

Sim, veio criar essa liberdade, liberdade que estava negada desde 1973.

Em 1973 O caso Roe contra Wade teve forte impacto no Direito Constitucional Americano. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos entendeu que a liberdade individual consagrada na 14ª emenda abrangia o direito à mulher fazer aborto, pelo que nenhuma Lei poderia limitar esse direito. Decisão que vigorou atá ao passado dia 24 de Junho de 2022.

O novo entendimento do Supremo reconhece o direito à protecção constitucional dos nascituros, logo, pela mesma linha de raciocínio a dita “liberdade” para abortar choca com a “liberdade” para viver. Este foi o debate que o Tribunal veio colocar na agenda, debate que nunca deveria ter sido retirado, porque também não há direitos “grátis”, o que para uns é um direito, para outros significa a perda do maior de todos os direitos, o direito à vida.

A ligeireza com que algumas vozes, vindas das instituições mais respeitáveis, reagiram a esta decisão, diz muito da forma irresponsável como uma questão tão sensível é tratada.

Nancy Pelosi, sobre o acórdão, afirmou: “alcançou o mais negro e extremo objetivo de rasgar o direito das mulheres às suas próprias decisões reprodutivas”.

Considerar o aborto como um instrumento de decisão reprodutiva, colocando-o ao mesmo nível da pílula ou de qualquer outro método contraceptivo, é de uma frieza e falta de honestidade intelectual, que só pode resultar de dogmas ideológicos que tolhem a lógica e o bom-senso. Os métodos contraceptivos evitam o surgimento de uma nova vida, que ocorreria contra vontade dos progenitores; o aborto implica terminar com uma vida por vontade da progenitora.

Entre uma coisa e outra há um universo de diferenças. Querer confundi-las é pretender empurrar o debate para as tais “sombras da caverna”, onde a realidade se confunde com a sua sombra, mas a realidade é só uma, o aborto implica o sacrifício de uma vida.

Barak Obama também quis participar no coro do politicamente correcto e afirmou: “Hoje o Supremo Tribunal não só anulou quase 50 anos de precedente histórico, como também deixa a decisão mais pessoal entregue à boa vontade dos políticos e ideólogos, atacando a liberdade de milhões de americanos.” Não é a abordagem correcta, ninguém pretende interferir na soberania reprodutiva da mulher, mas o aborto atenta contra a vida de quem não se pode defender. Se não for protegido pela Lei, será protegido por quem?

A questão do perigo de vida da mãe ou da violação são questões que o direito já considera, são conflitos de interesses que constituem causas de exclusão da ilicitude. Todavia, por questões de eficiência jurídica, poderá admitir-se serem contempladas em Lei.

Ao contrário do “tom” em que se pronunciam as vozes do politicamente correcto, o aborto é um acto retrógrado. Na tendência, no futuro, com todos os meios disponíveis para planear uma gravidez, não se pode aceitar como razoável terminar com uma vida depois de ter sido gerada.

Observador (PT)

Há algo de podre no reino da Dinamarca




Para os russos, evidentemente, os ucranianos são menos pessoas dos que os russos. Se calhar, nem são pessoas. Como os fetos e os embriões humanos. 

Por Miguel Alvim (foto)

Vai um enorme barulho mediático na Europa e nos EUA à volta do suposto retrocesso civilizacional configurado no facto de o Supremo Tribunal norte-americano ter tido a ousadia (na voz dos descontentes) de desconsiderar a prática voluntária e forçada ou induzida do aborto como um direito constitucionalmente reconhecido.

A pergunta certa é outra: como foi possível ter-se constitucionalizado um dia o direito a matar?

O verdadeiro alibi de uma (falsa) questão que tem sido colocada relativamente à vida intrauterina.

Um feto humano (chama-se feto o estágio de desenvolvimento com início após nove semanas de vida embrionária, quando já podem ser observados braços, pernas, olhos, nariz e boca, e vai até o fim da gestação) é um ser humano, uma pessoa, ou não?

E o estágio anterior, o embrião humano, o que é?

Para desculpar o indesculpável, parece que só o recém-nascido, ou seja, o feto humano depois do parto, é pessoa e pode ser constitucionalmente protegido (na medida de que o direito à vida é inviolável).

Nesse falsíssimo debate, como é óbvio, vale simplesmente a vontade e a lei do mais forte (dos/das que induzem o aborto).

O embrião e o feto não têm, evidentemente, nenhuma palavra a dizer.

E não é disso rigorosamente – a protecção dos mais fracos e indefesos – de que trata, ou deve tratar, em primeira linha uma constituição?

“Algo vai podre no reino da Dinamarca.” !

E no outro lado da linha da vida, a par desta controvérsia, no meio do caos das urgências obstétricas, do colapso anunciado do SNS e em pleno e mal disfarçado fiasco inflacionário, o parlamento português não tinha mais nada para debater (pela terceira vez) do que a morte medicamente induzida e assistida dos adultos?

Não tinha, pelos vistos.

E pergunta-se: quantas mais vidas humanas serão reivindicadas (aqui na fragilidade da sua idade e/ou da sua doença e/ou do seu abandono e/ou do seu descarte) pela violência intrínseca destes projectos?

Sob o pretexto falacioso de uma “decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida”, pura e simplesmente mobiliza-se a morte.

Num caso e no outro, a morte dos mais fracos, indefesos e desprotegidos é autorizada e praticada ou ajudada por profissionais de saúde.

Tudo isto, forçosamente, tem de transportar-nos, moralmente, para outro cenário.

O cenário da guerra na Ucrânia, onde a morte, lamentável e criminosamente, a morte de milhares de inocentes, foi autorizada e é praticada e mobilizada, diariamente, pela vontade injustificada, injustificável, cega e tirânica dos dirigentes russos.

Também aí, na Ucrânia, como no direito internacional, pelos vistos, campeia a “lei do mais forte”. Porque sim.

Para os dirigentes russos, a Ucrânia nunca foi, não é, nem nunca poderá ser um país soberano e independente.

Para os russos, evidentemente, os ucranianos são menos pessoas dos que os russos.

Se calhar, nem são pessoas. Como os fetos e os embriões humanos.

Morrem sempre muitas pessoas, demasiadas pessoas, pela hipocrisia, cobardia e desonestidade de outras.

Quando lavamos as mãos dos problemas.

Quando cedemos nos princípios e nos valores.

Na representação repetida da tragédia humana: não querer ver o outro.

O passo absolutamente ao lado.

A expressão da doença humana mais perigosa, mais progressiva e parece hoje que incurável e irreversível, a pandemia moral.

Uma praga assustadoramente mortal.

Andam muito enganados os que supõem que o mal objectivo tem graus, que há males menores.

Não tem, não há.

Há o mal, ponto final.

Um só mal.

Da brutalidade abjecta da invasão da Ucrânia à discussão semântica sobre a vida.

Observador (PT)

Fome atingiu 828 milhões de pessoas em 2021, mostra relatório da ONU

 




Documento foi lançado por 5 agências da Organização das Nações Unidas

Por Alana Gandra 

O total de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo aumentou em 150 milhões desde o início da pandemia do novo coronavírus, alcançando 828 milhões, em 2021.

É o que revela o relatório O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, lançado hoje (6) por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU): Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na avaliação dos chefes das cinco agências da ONU, o relatório destaca a intensificação dos principais fatores de insegurança alimentar e má nutrição que são “conflitos, choques climáticos e choques econômicos, combinados com as crescentes desigualdades". Eles ratificaram que devem ser tomadas medidas mais ousadas para construir resiliência contra choques futuros.

O documento sinaliza que o mundo está se afastando ainda mais da meta de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a má nutrição em todas as suas formas até 2030. Depois de permanecer relativamente inalterada desde 2015, a proporção de pessoas afetadas pela fome, que era da ordem de 8% em 2019, cresceu para 9,3% em 2020 e continuou a subir em 2021, chegando a 9,8% da população mundial.

Outro dado preocupante é que cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo (29,3% do total) enfrentaram insegurança alimentar moderada ou severa no ano passado, o que corresponde a 350 milhões a mais em comparação com o período pré-pandemia. Cerca de 924 milhões de pessoas (11,7% da população global) enfrentaram a insegurança alimentar em níveis severos, alta de 207 milhões de pessoas em dois anos.

Mulheres e crianças

A insegurança alimentar continuou a aumentar em 2021, na questão por gênero. Cerca de 32% das mulheres no mundo enfrentaram insegurança alimentar moderada ou severa, ante 27,6% dos homens. A diferença foi de mais de quatro pontos percentuais, em comparação aos três pontos percentuais observados em 2020.

Segundo o relatório, em torno de 45 milhões de crianças menores de cinco anos sofriam de baixo peso para a estatura (wasting), que é a forma mais mortal de má nutrição, o que aumenta o risco de morte das crianças em até 12 vezes. Além disso, 149 milhões de crianças menores de cinco anos tiveram crescimento e desenvolvimento atrofiados (stunting) devido à falta crônica de nutrientes essenciais em suas dietas. Por outro lado, 39 milhões estavam acima do peso.

Um dado positivo informado pelo relatório é que, no relativo ao aleitamento materno exclusivo, estão ocorrendo progressos. Quase 44% dos bebês com menos de seis meses de idade foram amamentados exclusivamente em todo o mundo, em 2020. Mas o número ainda está abaixo da meta de 50%, prevista até 2030. Outra grande preocupação é que duas em cada três crianças não recebem a dieta mínima diversificada de que precisam para crescer e desenvolver seu potencial máximo, indica a publicação.

No sentido negativo, aproximadamente 3,1 bilhões de pessoas não conseguiram pagar por uma alimentação saudável em 2020, com expansão de 112 milhões em relação ao ano anterior, reflexo dos efeitos da inflação nos preços dos alimentos ao consumidor, em decorrência dos impactos econômicos da pandemia de covid-19 e das medidas postas em prática para contê-la.

“A escala sem precedentes da crise da má nutrição exige uma resposta sem precedentes”, salientou a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell. Afirmou que os esforços de todos devem ser redobrados, para garantir que as crianças mais vulneráveis tenham acesso a dietas nutritivas, seguras e acessíveis, e serviços para a prevenção precoce, detecção e tratamento da má nutrição. “Com a vida e o futuro de tantas crianças em jogo, este é o momento de intensificar nossa ambição pela nutrição infantil. Não temos tempo a perder", indicou.

Guerra

Os representantes das cinco agências da ONU observaram que, neste momento, em que o relatório está sendo publicado, há uma guerra em curso na Ucrânia, envolvendo dois dos maiores produtores globais de cereais básicos, oleaginosas e fertilizantes. O conflito está interrompendo as cadeias de suprimentos internacionais e elevando os preços de grãos, fertilizantes, energia, bem como alimentos terapêuticos prontos para uso por crianças com má nutrição grave.

As cadeias de suprimentos já estão sendo afetadas negativamente por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, em especial em países de baixa renda, com implicações severas para a segurança alimentar e nutrição globais, destacaram as agências.

O relatório aponta que o apoio mundial ao setor alimentício e agrícola totalizou quase US$ 630 bilhões por ano, entre 2013 e 2018. A maior parte dos recursos é destinada aos agricultores individuais, por meio de políticas comerciais e de mercado e subsídios fiscais. De acordo com o estudo, entretanto, este apoio é distorcido pelo mercado, bem como não está atingindo muitos agricultores, o que prejudica o meio ambiente e não promove a produção de alimentos nutritivos que compõem uma alimentação saudável.

Isso acontece, em parte, porque os subsídios visam, muitas vezes, a produção de alimentos básicos, laticínios e outros alimentos de origem animal, especialmente em países de alta e média renda, enquanto frutas, legumes e verduras são menos apoiados, particularmente em países de baixa renda.

As agências da ONU que assinam o relatório consideram que, com as ameaças de uma recessão global iminente e suas implicações sobre as receitas e despesas públicas, uma forma de apoiar a recuperação econômica seria através da redefinição do apoio alimentar e agrícola para alimentos nutritivos direcionados onde o consumo per capita, isto é, por indivíduo, não corresponde ainda aos níveis recomendados para dietas saudáveis.

Cabe aos governos repensarem a destinação dos recursos usados para incentivar a produção, o fornecimento e o consumo de alimentos nutritivos, de modo a tornar as alimentações saudáveis mais baratas, mais acessíveis e equitativas para todas as pessoas. O documento recomenda que os governos poderiam reduzir as barreiras comerciais para alimentos nutritivos, como frutas, legumes, verduras e leguminosas.

Para o diretor-geral da FAO, QU Dongyu, "os países de baixa renda, onde a agricultura é fundamental para a economia, os empregos e os meios de subsistência rurais, têm poucos recursos públicos para reaproveitar. A FAO está comprometida em continuar trabalhando em conjunto com esses países para explorar oportunidades para aumentar a prestação de serviços públicos para todos os atores em todos os sistemas agroalimentares".

Futuro

O cenário projetado para 2030 não é otimista, de acordo com o relatório. As projeções são que cerca de 670 milhões de pessoas (8% da população mundial) ainda enfrentarão a fome em 2030, “mesmo que uma recuperação econômica global seja levada em consideração”. O número é semelhante ao de 2015, quando o objetivo de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a má nutrição até o final desta década foi lançado sob a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

O presidente do FIDA, Gilbert F. Houngbo, considerou os números deprimentes para a humanidade. “Continuamos nos afastando da nossa meta de acabar com a fome até 2030. Os efeitos da crise alimentar global provavelmente piorarão o resultado novamente no próximo ano. Precisamos de uma abordagem mais intensa para acabar com a fome e o FIDA está pronto para fazer sua parte, aumentando suas operações e impacto. Estamos ansiosos para ter o apoio de todas as pessoas", afirmou.

Na avaliação do diretor executivo do WFP, David Beasley, existe um perigo real que os números subam ainda mais nos próximos meses. Ele estimou que os aumentos globais de preços de alimentos, combustíveis e fertilizantes que resultam da crise na Ucrânia ameaçam empurrar os países ao redor do mundo para a fome. “O resultado será a desestabilização global, a fome e a migração em massa em uma escala sem precedentes. Temos que agir hoje para evitar essa catástrofe iminente", defendeu.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, comentou que, anualmente, 11 milhões de pessoas morrem devido à alimentação não saudável e que o aumento dos preços dos alimentos aponta para a piora desse cenário. “A OMS apoia os esforços dos países para melhorar os sistemas alimentares, tributando alimentos não saudáveis e subsidiando opções saudáveis, protegendo as crianças contra o ‘marketing’ prejudicial e garantindo rótulos nutricionais claros. Devemos trabalhar juntos para alcançar as metas globais de nutrição de 2030, combater a fome e a má nutrição, para garantir que os alimentos sejam uma fonte de saúde para todas as pessoas", destacou o diretor-geral da OMS.

Brasil

Em relação ao Brasil, o documento indica que a prevalência de insegurança alimentar grave subiu de 3,9 milhões, ou o equivalente a 1,9% da população, entre 2014 e 2016, para 15,4 milhões (7,3%), entre 2019 e 2021. A prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave em relação à população total aumentou de 37,5 milhões de pessoas (18,3%), entre 2014 e 2016, para 61,3 milhões de pessoas (28,9%), entre 2019 e 2021.

Agência Brasil

O que a imprensa brasileira ainda não entende sobre o conservadorismo




A imprensa brasileira ainda está longe de reconhecer alguns princípios e valores do conservadorismo. 

Por Bruna Komarchesqui e Maria Clara Vieira 

Quando os girondinos, grupo que representava a face mais “conciliadora” da Revolução Francesa, se sentaram à direita da Assembleia Nacional Constituinte de Paris para defender o estabelecimento de uma monarquia constitucional – uma alternativa moderada à radicalidade dos jacobinos, posicionados à esquerda -, em 1789, certamente não vislumbravam um mundo no qual pessoas do mesmo sexo solicitariam o direito de se casar. É de se esperar que, à época, mesmos os mais ávidos companheiros de Robespierre considerassem a possibilidade um disparate, bem como a ideia de que homossexuais pudessem adotar crianças.

Ainda que, no alvorecer da Era Contemporânea, as definições de “direita” e “esquerda” tenham nascido da contraposição entre a defesa da continuidade, da moderação e da manutenção, ainda que parcial, do status quo, e o clamor por mudanças radicais que reorganizariam por completo a sociedade, mais de dois séculos depois, estes termos tão comuns ao vocabulário político abrangem uma vasta gama de posicionamentos que não se restringem sequer ao papel atribuído ao Estado. Eis a primeira razão pela qual a pesquisa publicada no último domingo (3), pelo jornal O Globo, intitulada “A cara da democracia”, é provavelmente um retrato restrito não apenas do público, mas sobretudo das próprias visões políticas que pretende analisar.

Conduzida pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), a pesquisa entrevistou presencialmente 2.538 eleitores em 201 cidades em todas as regiões do país e, de largada, diz revelar "duas pistas da cabeça do eleitorado: opiniões majoritariamente de direita, conservadoras ou 'linha-dura' - cada vez menos envergonhadas - convivem, pontualmente, com visões de mundo mais vinculadas à esquerda, aos direitos humanos ou à diversidade". Ainda que admita que "a construção do que é ser de direita ou esquerda faz parte do dia a dia político e seus significados sofrem alterações ao longo do tempo", o texto não se furta em associar à direita pautas que dividem liberais e conservadores de diversas matizes. Mal comparando, é como colocar no mesmo balaio um libertário e um monarquista, cujas visões acerca do papel Estado são fundamentalmente opostas mas, ainda assim, são associados à “direita”. Isso sem falar na própria definição de “conservadorismo”, associado a posições “linha dura”, que sejam consideradas as nuances que cada posicionamento implica.

Segundo a pesquisa, por exemplo, “a maioria dos brasileiros tem posicionamentos conservadores em temas como redução da maioridade penal (70% a favor) e legalização do aborto (73% é contra), mas se posiciona contra a pena de morte (53%) e apoia tanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo (49%) quanto, ainda de forma mais intensa, a adoção de crianças por casais homoafetivos (56%)". Cada posicionamento desses exige uma análise menos simplista sobre qual seria uma verdadeira visão conservadora. Mas é preciso analisar com base obras de autores renomados e não apenas em perfis de redes sociais.

O que significa ser conservador

Uma das tentativas mais abrangentes e assertivas de retratar a origem das divergências políticas é a obra do economista americano Thomas Sowell, “Conflito de Visões”. De partida, o renomado intelectual reconhece que, no cerne das diferentes opiniões que dividem liberais, libertários, conservadores, progressistas e comunistas – e toda sua gama de “variantes” - há uma questão essencial para que se escape de reduções grosseiras: “Um olhar mais atento aos argumentos utilizados pelos dois lados mostra que, em geral, essas pessoas estão raciocinando a partir de premissas fundamentalmente diversas. (...) Eles têm visões distintas sobre como o mundo funciona”.

Contrapondo os escritos do filósofo político britânico William Goodwin e os do filósofo e economista Adam Smith, Sowell identifica duas “lentes” distintas para enxergar o mundo: a visão irrestrita e a visão restrita. Para os adeptos da primeira, representados por Goodwin, a natureza humana é perfectível - isto é, pode e deve ser melhorada e pode chegar à perfeição. Para os que compartilham da “visão restrita” de Smith, ao contrário, o homem possui limitações morais intrínsecas que não podem alteradas, de modo que “o desafio moral e social fundamental consiste em fazer o melhor possível dentro dessa limitação, em vez de gastar energia em uma tentativa de se mudar a natureza humana”.

“Na visão restrita, em que tudo o que esperamos são as contrapartidas, a prudência é uma das tarefas mais elevadas. (...) Na visão irrestrita está implícita a ideia de que o potencial é muito diferente do que é real, e isso significa que existe para aprimorar a natureza humana rumo a seu potencial, ou que tal recurso pode ser desenvolvido ou descoberto, para que o homem faça a coisa certa pela razão certa, em vez de agir por posteriores recompensas psíquicas ou econômicas”, explica Sowell.

Em se considerando a definição de “conservadorismo” feita por um de seus maiores expoentes da modernidade, o britânico Michael Oakeshott, fica claro como a visão restrita identificada por Sowell tende a estar associada a esta corrente política: "Ser conservador é, pois, preferir o familiar ao estranho, preferir o que já foi tentado a experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada momentânea à felicidade eterna. (...) Significa viver dentro dos limites do patrimônio, usufruir dos meios possíveis à riqueza, contentar-se com a necessidade de maior perfeição que é exigida a cada um em dada circunstância".

Outra tentativa de compreender o que está por trás das diferenças ideológicas resultou na Teoria dos Fundamentos Morais, desenvolvida pelo psicólogo Jonathan Haidt. Em seu livro, “A Mente Moralista: Por que as pessoas boas se separam por causa da política e da religião?” (Editora Alta Books), cuja síntese foi apresentada por Haidt em uma palestra na conferência TED Talk em 2012, o psicólogo explica que, ao analisar um extenso escopo de culturas, estudos antropológicos, correntes filosóficas etc, percebeu a existência de cinco “instintos morais” aos quais o ser humano tende a responder instintivamente; com base, inclusive, em predisposições genéticas: cuidado, justiça, lealdade ao grupo, autoridade e pureza.

Em suma, pessoas que são, naturalmente, mais abertas à novidade e, portanto, tendem a ser mais progressistas, dão muito valor à justiça (também entendida como “equidade”) e ao cuidado com o próximo, mas quase nenhuma importância à lealdade grupal, autoridade e pureza; enquanto pessoas que valorizam a estabilidade e tendem ao conservadorismo valorizam os cinco itens. Nesta reportagem, a Gazeta do Povo destrincha como há, de fato, um abismo moral entre a imprensa e a população. Além disso, é possível identificar a predileção pelos “canais morais” de justiça e cuidado à visão irrestrita de Sowell, associada aos que acreditam em soluções permanentes para problemas universais – a insistência na proibição dos “discursos de ódio”, como se o sentimento em si pudesse ser extirpado da terra, é um belo exemplo. Por outro lado, o respeito à ordem e à autoridade como formas de contenção da inevitável falibilidade humana são associáveis à visão restrita e ao conservadorismo.

Disto não decorre, contudo, que os conservadores não estejam preocupados com questões de justiça ou cuidado, mas que tendem a equilibrá-los com outros elementos também indispensáveis para a convivência (o próprio Haidt avalia que todas as sociedades que evoluíram e prosperaram contam com membros capazes de operar nos “cinco canais”). Não à toa, o filósofo político Russell Kirk, um dos pais do conservadorismo contemporâneo, afirma que “a permanência e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade vigorosa”.

Cabe retomar, por fim, o alerta do próprio Kirk acerca da definição do conservadorismo: “Portanto, senhoras e senhores, caso estejais procurando por algum ‘Manual Infalível do Conservadorismo Puro’ - ora, estais perdendo o vosso tempo. O conservadorismo, não sendo uma ideologia, não tem nenhum gabarito presunçoso, estimada criação de algum terrível simplificador, ao qual o cândido devoto da salvação política possa recorrer toda vez que tiver alguma dúvida”. O que nos leva aos elementos avaliados pela pesquisa.

O papel da escola e da família na educação

A militarização das escolas (anseio de 67% dos ouvidos pela pesquisa) e a opinião de que se deve ensinar a rezar e acreditar em Deus (84%) não, por exemplo, bandeiras conservadoras para a educação. “Não existe isso de que um conservador quer que os alunos rezem na escola, porque conservadorismo não é religião. E o conservadorismo não tem a ver com a ideia de que as escolas militarizadas são melhores que as outras, mesmo porque, se ele se pauta por uma tradição, as escolas tradicionalmente não são ambientes militarizados. Muito pelo contrário, são ambientes de liberdade, de ensino, pedagógicos e não propriamente de regras rígidas e militarizadas, como uma escola militarizada vai preconizar”, defende o colunista da Gazeta do Povo Paulo Cruz, que é palestrante sobre educação e professor de Filosofia e Sociologia em escolas estaduais e privadas de São Paulo.

“Educar, no sentido conservador do termo, é transmitir para a nova geração o legado das gerações anteriores, o máximo daquilo que foi aprendido e os erros cometidos também”, salienta. Nesse sentido, a grande crítica da direita se dá mais no âmbito da nova pedagogia, que “rejeita não somente a ideia da importância dos conhecimentos, mas também a das exigências, a da autoridade do docente e das regras de conduta, assim como as referências a uma cultura compartilhada”, como define a pedagoga sueca Inger Enkvist, em seu livro Repensar a Educação.

“A nova pedagogia passa a advogar um ensino para transformar o cidadão, ou para criar cidadãos melhores, e abandona a tradição de educação, que privilegia o ensino da tradição histórica do país e do mundo”, explica Cruz. Como afirma Enkvist: “A nova pedagogia não se interessa pela criatividade das grandes personalidades históricas: prefere a expressão da criatividade no aluno”. Além disso, “não leva em consideração a experiência de muitas gerações com relação à importância do professor para criar entusiasmo pelo conhecimento”, o que, na opinião da autora, é um erro.

“As crianças aprendem mais com a ajuda dos adultos que de seus colegas porque os adultos sabem mais e ensinam melhor. Entre pares, somente de vez em quando costuma ser obtido um bom resultado, mas não há garantias. O trabalho em equipe entre companheiros deixa de fora a retroalimentação, muito importante para a aprendizagem, porque os alunos ignoram se sua resposta é correta ou não”, explica a pedagoga, com base em um estudo norte-americano sobre o pensamento infantil.

Mais do que as disciplinas, acrescenta Enkvist, nessa corrente pedagógica o foco são as diferenças sociais entre os alunos. “Decidiram que a escola deve se transformar no lugar no qual se resolve de uma vez para sempre o problema da desigualdade entre indivíduos. (...) O pedagogismo se opõe a toda seleção e a qualquer livre opção de tom qualitativo. Concebe o conceito de igualdade na educação como igualdade não tanto de oportunidades como de direitos. Os jovens aprendem a não ter que assumir as consequências derivadas de seus atos. As transgressões na esfera pública não somente não se sancionam, como também não é infrequente que sejam celebradas como uma genialidade”, critica.

A defesa do meio ambiente

Quando se fala em preservação do meio ambiente no Brasil, a associação com a esquerda é quase automática, mas sua ligação com o conservadorismo é, inclusive, etimológica. Conservador vem do latim “conservare”, ou seja, “manter intacto, guardar, preservar”, palavras caras também à causa do meio ambiente, como lembra o ativista ambiental Jota Júnior, membro da Youth Climate Leaders.

“O conservadorismo, em sua essência, não é uma ideologia. Quando o Bolsonaro fala que não vai demarcar um centímetro de terra indígena, isso é ideologia, não tem a ver com ciência ou com análise situacional. A visão conservadora exige uma análise circunstancial e situacional”, defende. “O problema é que o conservadorismo acabou se afastando de pautas tomadas pela esquerda. Mas eu defendo que precisamos oferecer perspectivas acerca de pautas sociais, como questões raciais e LGBT, por exemplo”, completa Jota.

Segundo a pesquisa, na área ambiental os brasileiros tendem a ser mais de “esquerda” ao rejeitarem supostos “temas caros ao bolsonarismo”, como a liberação de mais agrotóxicos (83% são contra) e a permissão para mineração nas terras indígenas (72% discordam). O ambientalista Jota Júnior, que se define como conservador, é favorável aos agrotóxicos - embora seja contra o PL 6.299/2002 e a favor da demarcação de terras indígenas. “A análise de dados mostra que, quando o objetivo é a preservação da floresta, as terras indígenas têm sucesso, com menos de 1% de desmatamento. O conservadorismo é muito mal comunicado através da mídia, com esse conservadorismo de rua, brutamontes, como o do Bolsonaro. A pesquisa traz rótulos que me colocariam na esquerda”, pondera Jota.

Guilherme de Carvalho, um dos fundadores da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, critica conservadores que desprezam as árvores e zombam dos verdes”. “Cuidar da família, da mulher, do nascituro e do meio ambiente: todos pertencem à mesma lógica da mordomia da criação, da ética do cuidado, de um conservadorismo generoso”, reforça.

O tema, inclusive, merece um capítulo inteiro no best-seller “Como ser um conservador”, de Roger Scruton, que é considerado por alguns o “guru da nova direita brasileira”. “[Conservadores] acreditam que a coisa mais importante que os vivos podem fazer é radicar-se, construir um lar e deixá-lo como legado para os filhos. Oikophilia, o amor pelo lar, serve à causa do ambientalismo”, afirma.

Scruton acredita em conquistas concretas, em pequena escala, “que mudariam a face da Terra” caso reproduzidas em escalas maiores, por sua ligação com um “motivo natural - o vínculo compartilhado com um lugar comum e com os recursos que oferecem para os que nele vivem”. É nesse sentido que ele separa o conservadorismo das “formas de ativismo ambientalista em voga”. “Ambientalistas radicais têm uma tendência a definir as finalidades em termos globais e internacionais, e apoiam organizações não governamentais e grupos de pressão que lutarão contra as predadoras multinacionais no território delas e utilizando armas que prescindem da soberania nacional.”

A defesa da vida e da dignidade humana

Ao contrário do que indica a pesquisa publicada pelo O Globo, também não há uma contradição entre ser contra o aborto e não desejar a prisão de uma mulher que tenha abortado. “É possível se posicionar moralmente contra o aborto com bastante firmeza e não achar que uma mulher deve ser presa, não vejo relação. O criminoso vai preso porque tem uma culpa diante da sociedade, precisa ser isolado do convívio social para não cometer mais crimes e precisa reparar. No caso de uma mulher que toma a decisão de abortar, esses critérios não são muito óbvios. Ela faz mais pelo desespero, por várias razões, é muito mais da natureza psicológica do que psicopata. Mas é moralmente grave, moralmente ilícito, não precisa ser criminoso para estar errado”, defende o professor de filosofia Francisco Razzo, autor do livro “Contra o Aborto”.

A educação da consciência moral para a dignidade da vida do nascituro, portanto, tem mais valor para o conservadorismo nesse debate. “O liberalismo tende a transformar a moralidade em foro íntimo, em privacidade, como se fosse uma experiência subjetiva, e é errado. Moral é o que tece nossas relações na sociedade e fundamenta, inclusive, alguns princípios fundamentais do Direito”, reforça Razzo.

É próprio do conservadorismo analisar e compreender as situações em suas particularidades. Assim, ainda que o aborto seja um atentado contra a vida humana em todas as etapas da gestação, Razzo defende que haja punição quando praticado em fases mais avançadas. “Uma mulher com seis, sete meses que enfia uma agulha na barriga, aí acho um caso limite de ter que responder penalmente e talvez ir presa mesmo”, analisa.

Outro tema comumente ligado à direita é a defesa da pena de morte. Embora muita gente que se considera conservadora expresse opiniões favoráveis, a dignidade da vida e a desconfiança natural do Estado (que, em última instância, decidiria quem vive e quem morre) são alguns dos valores do conservadorismo atentados pela pena capital. Mesmo que a dignidade moral possa ser livremente perdida, ela também pode ser recuperada por decisão do indivíduo, mas nunca retirada. Assim, mais eficiente que a pena de morte seria o fim da impunidade, a celeridade na Justiça e a adoção de penas proporcionais à gravidade dos crimes.

O problema das drogas e da segurança pública

Tão problemática quanto a associação da pena de morte ao conservadorismo é à da frase “bandido bom é bandido morto”, rejeitada por 59% dos entrevistados na pesquisa e associada a posições “linha-dura” na segurança pública, que incluem a redução da maioridade penal (70% de aprovação). Enquanto a primeira incorre em uma distorção do conservadorismo, a segunda não representa sequer uma unanimidade na direita – que inclui liberais, libertários e afins -, tal como ocorre com a descriminalização das drogas.

Tome-se, como exemplo, os escritos do economista austríaco Ludwig von Mises: “É fato notório que o alcoolismo, o cocainismo e o morfinismo são inimigos mortais da vida, da saúde e da capacidade de trabalho e de lazer; e o usuário deveria, por conseguinte, considerá-los vícios. (...) Não é de modo algum evidente que tais intervenções do governo sejam de fato capazes de suprimir tais vícios; e, mesmo que este objetivo fosse atingido, não é nada evidente que tal intervenção não irá abrir uma caixa de Pandora de outros perigos não menos nocivos que o alcoolismo e o morfinismo”.

Alguém que se declare "de direita" pode, portanto, posicionar-se em qualquer um dos polos no tocante à maioridade penal ou à descriminalização das drogas. Imbuído de uma visão circunstancial, calcada na experiência e na moralidade, um conservador pode, por exemplo, posicionar-se contra as drogas com base nas experiências fracassadas de outros países, ou ter visões pontuais acerca de usos específicos destas substâncias.

O casamento LGBT

“O casamento fornece uma âncora (…) no caos do sexo e dos relacionamentos a que todos somos propensos. Fornece um mecanismo para estabilidade emocional, segurança econômica e a criação saudável da próxima geração”. Assim o jornalista britânico Andrew Sullivan defendeu, em um famoso artigo publicado em 1989, que a união entre pessoas do mesmo sexo poderia ser abraçada por conservadores.

Não se pretende, aqui, entrar em discussões religiosas acerca do assunto nem nos elementos que justificam a intervenção do Estado na relação entre dois adultos. Ocorre que a pesquisa publicada por O Globo parece assumir que entre os autodeclarados conservadores, “linha-dura” e supostamente contrários à diversidade, haveria uma ampla rejeição aos homossexuais. Mas o artigo de Sullivan mostra que o tema ainda é controverso. Ou seja, um conservador alinhado com o autor seria considerado de esquerda pela pesquisa.

Outro exemplo recente que parte de um autor apreciado entre conservadores brasileiros aparece na conversa entre o psicólogo canadense Jordan Peterson e o jornalista Dave Rubin, que é homossexual e pai de dois filhos. “Eu nunca forçaria uma igreja, mesquita ou sinagoga a realizar um casamento que fosse contra suas crenças, mas da perspectiva secular, se você não der às pessoas a mesma oportunidade de estar em um relacionamento duradouro e aprender tudo o que conversamos [a importância de relações estáveis e duradouras para o amadurecimento pessoal], o que sobra para elas?", declara Rubin, a certo ponto. Ao que Peterson comenta: “Quem sabe o que pode acontecer quando você não tem permissão para ser quem é? Parece bastante provável que [nessa situação] um excesso de rebeldia comece a parecer atraente”.

Rubin, então, reforça sua crença na família como elemento essencial à sociedade e diz se solidarizar com conservadores que, hoje, lutam contra o autoritarismo dos ativistas queer. Há, inclusive, quem defenda que a rejeição popular ao casamento gay se deve sobretudo a estes excessos, que descambam para a defesa de cirurgias de transição sexual em crianças e o completo apagamento do termo “mulher”, por exemplo.

Gazeta do Povo (PR)

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