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terça-feira, janeiro 04, 2022

Em ano de pandemia, Brasil tem superávit comercial de US$ 61 bilhões em 2021

 




Ainda sob os efeitos da pandemia do novo coronavírus, o Brasil encerrou o ano de 2021 com uma balança comercial superavitária de US$ 61,008 bilhões, informou nesta segunda-feira (3) a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia. O valor é recorde para um único ano. O montante foi resultado de exportações de US$ 280,394 bilhões durante o ano passado, menos as importações de US$ 219,386 bilhões.

Conforme a secretaria, o país registrou no período uma corrente de comércio total de US$ 499,780 bilhões. A corrente de comércio, que reflete a soma entre importações e exportações de produtos em geral, é um dos indicadores utilizados por economistas para medir o grau de abertura do país ao comércio internacional. Quando maior a corrente de comércio, maior a abertura.

Os US$ 61,008 bilhões de superávit em 2021 superaram em 21,1% o resultado obtido em 2020, quando a balança havia sido positiva em US$ 50,393 bilhões. As exportações de produtos no ano passado, em valores, cresceram 34,0%, considerando a média por dia útil. Já as importações aumentaram 38,2%.

Na apresentação dos números, a Secex justificou o resultado destacando a “forte recuperação mundial em 2021, resultado do aumento da vacinação e de programas de estímulo em países com espaço fiscal disponível”.

Além disso, a secretaria citou o cenário com preços de commodities elevados. “Países como o Brasil tiveram suas exportações impulsionadas em nível recorde, com ganhos de bem-estar provenientes de aumento dos termos de troca”, registrou.

As exportações superaram as importações também em dezembro. De acordo com a secretaria, a balança comercial brasileira no último mês do ano foi superavitária em US$ 3,948 bilhões. O valor foi resultado de exportações de US$ 24,366 bilhões e de importações de US$ 20,418 bilhões.

A corrente de comércio no último mês do ano somou US$ 44,784 bilhões.

A Secex também divulgou nesta segunda-feira seus primeiros cálculos para a área comercial em 2022. De acordo com a secretaria, a projeção para a balança comercial no ano é de saldo positivo de US$ 79,4 bilhões – portanto, cerca de 30% acima do verificado em 2021.

A estimativa da secretaria para as exportações em 2022 é de US$ 284,3 bilhões, enquanto a projeção para as importações é de US$ 204,9 bilhões.

Segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, essas projeções não consideram o risco de uma nova onda de covid-19 prejudicar o comércio internacional.

“Não trabalhamos com a possibilidade de uma nova onda de covid que possa distorcer estas previsões”, afirmou Ferraz, durante entrevista à imprensa.

POR FABRÍCIO DE CASTRO 

UOL / FolhaPress / Daynews

Como reconhecer fake news?




Desinformação – seja sobre covid-19, mudanças climáticas ou migração – se espalha seis vezes mais rápido nas redes sociais do que fatos. Mas como identificar e verificar notícias falsas? Aqui, algumas dicas.

Por Ines Eisele

Durante a campanha eleitoral de 2018, milhões de mensagens foram enviadas pelo WhatsApp em favor do então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Entre outras coisas, elas sugeriam que o PT planejava uma ditadura comunista ou queria legalizar a pedofilia no Brasil.

Em abril de 2021, uma captura de tela com uma citação da copresidente do Partido Verde alemão Annalena Baerbock circulou no Facebook. Nela, a então candidata a chanceler federal supostamente pedia o fim da criação de animais de estimação, porque eles liberariam muito CO2.

Durante a pandemia, vários vídeos e postagens de médicos cujas declarações sobre o coronavírus contradiziam outras descobertas científicas se tornaram virais. O mesmo aconteceu com milhares de afirmações falsas sobre vacinas contra a covid-19.

O que esses exemplos têm em comum? Todos são fake news: notícias falsas ou desinformação, ou seja, informações parcialmente ou mesmo completamente erradas que são disseminadas deliberadamente, por exemplo, para influenciar opiniões políticas ou para gerar o máximo de cliques possível.

As notícias falsas geralmente se espalham com a velocidade da luz e se tornaram um problema real no mundo digital. Muitos usuários têm dificuldade em distingui-las de informações confiáveis.

Por isso, aqui estão algumas dicas sobre como conter a enxurrada de informações falsas na internet. Este artigo é principalmente sobre fake news em forma de texto: a DW publicará em breve mais artigos sobre como identificar fotos e vídeos falsos.

1) É oportuno suspeitar

No último Relatório de notícias digitais do Instituto Reuters da Universidade de Oxford, mais da metade dos entrevistados disse ter visto informações falsas ou enganosas sobre o coronavírus na semana anterior. Mais de um quarto se lembrava de ter recebido fake news sobre celebridades.

Isso mostra que qualquer pessoa que usa a internet – inclusive as plataformas de troca de mensagens – deve mostrar um grau saudável de desconfiança e não levar tudo ao pé da letra – especialmente quando se trata de tópicos que lidam com emoção ou controvérsias, algo que parece chocante ou espetacular demais.  

Foi esse o caso da alegada citação da copresidente do Partido Verde alemão, Annalena Baerbock, mencionado anteriormente. Ela nunca pediu que a criação de animais de estimação fosse proibida, mas, mesmo assim, muitos acharam que a citação fosse genuína.

Isso provavelmente teria sido evitado se o usuário da internet tivesse feito as seguintes perguntas:

- É um assunto que me desperta a atenção em particular, por exemplo, porque eu mesmo tenho animais de estimação?

- Está claro de onde vem a informação, ou seja, em que ocasião a citação teria sido feita?

- A informação – neste caso, a declaração de Baerbock – parece plausível?

- Quem poderia estar interessado em espalhar tal mensagem, neste caso, presumivelmente, para desacreditar a candidata verde e seu partido?

- Existem outras indicações de origem duvidosa, tais como erros ortográficos?

'Empresários apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro teriam bancado as mensagens em massa contra o PT, segundo a "Folha de S. Paulo"

2) Quem está por trás disso?

As notícias falsas geralmente chegam aos usuários por meio de publicações em plataformas como Facebook, Twitter ou Instagram. Confira a conta usada para difundir a mensagem: por vezes, isso revela muito sobre os interesses e convicções do autor. Talvez nem haja ninguém real por trás do perfil, mas sim um bot ou troll (mais sobre o tema num futuro artigo).

Outra forma de divulgar informações duvidosas é por meio dos serviços de mensagens, como WhatsApp, Telegram e Messenger. Um exemplo disso são as já mencionadas mensagens de WhatsApp com que os brasileiros foram bombardeados durante a campanha presidencial de 2018.

De acordo com uma investigação do jornal Folha de S. Paulo, empresas brasileiras encomendaram a provedores de serviços de internet o envio de mensagens em massa a favor do então candidato Jair Bolsonaro. Os números de telefones celulares dos destinatários vieram da campanha eleitoral do extremista de direita e de terceiros.

Se você receber um conteúdo por meio de um serviço de mensagens, pode perguntar ao remetente de onde ele obteve as informações. Muitas vezes, a pessoa simplesmente a encaminhou sem questionar a veracidade ou a origem – o que não é um bom sinal.

O problema do retransmissão de mensagens falsas se tornou tão grande que o WhatsApp introduziu algumas mudanças: se a etiqueta "encaminhada" aparece logo acima do texto, imagem, áudio ou link, isso significa que ela foi encaminhada para você. Se houver um ícone de setas duplas e a etiqueta "encaminhada com frequência" é exibida, o conteúdo passou por cinco ou mais conversas antes de chegar até você.

Se uma mensagem já foi compartilhada com tanta frequência, ela só pode ser reencaminhada com certas restrições. Em alguns países, tais mensagens chegam com uma pequena lente de aumento: ao clicar nela, pode-se fazer uma pesquisa no Google com o texto da mensagem.

Se o texto tiver um link, também vale verificar a qual mídia ou página ele leva. O fato de haver um link não significa que a informação esteja correta! Existem sites que desconsideram os princípios jornalísticos e se concentram em dramatizações e exageros em prol do maior número de cliques possível.

Observando com atenção, é possível descobrir se acessou um site controlado pelo Estado, um blog privado ou até mesmo um site satírico. Os sinais de alarme para sites duvidosos incluem a falta da seção "Quem somos", bem como erros de texto, publicidade excessiva e layout pouco profissional.

Vamos dar uma olhada em worldnewsdailyreport.com como exemplo. Visualmente, o site parece moderno e profissional, mas muitos dos artigos mostram curiosidades. Por exemplo, um navio que desapareceu no Triângulo das Bermudas aparece depois de anos no Saara, um cabeleireiro acaba na prisão por fazer bonecos vodu com o cabelo cortado de seus cliente: E essa  ainda é uma das histórias de crimes inofensivos: segundo outro texto no site, um irmão e uma irmã de Nova Jersey, EUA, podem se casar após uma batalha legal de dez anos.

Uma inspeção mais cuidadosa revela: trata-se de um site de sátira. O logotipo do portal diz "World News Daily Report – Where fatcs don't matter"  – onde os fatos não importam". E rolando a barra lateral até o fim, encontra-se outra explicação de que todas as "notícias" no site foram inventadas.

Mas tenha cuidado: por trás de links desconhecidos também pode haver tentativas de acessar seus dados para fins fraudulentos. Se lhe for solicitado para introduzir senhas ou dados pessoais num local duvidoso, pode-se tratar de phishing, ou seja, um site falso que tenta adquirir ilicitamente dados pessoais, bancários e financeiros.

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Como reconhecer fake news?

As fake news costumam apelar para emoções e instintos mais básicos: pense no motivo pelo qual uma notícia lhe atrai

As informações vêm de um site, perfil ou mídia transparente? Em caso afirmativo, verifique-as no original. Se não for possível, isso não é um bom sinal

A pessoa ou site que espalha a notícia parece verossímil? Vale a pena checar mais de perto

Formulações obscuras, um layout duvidoso ou erros ortográficos devem causar desconfiança

Pesquise mais informações sobre o tema para poder comparar diferentes fontes de informação

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3) É verdade o que foi alegado?

E agora chegamos ao conteúdo real de uma postagem, uma mensagem encaminhada ou qualquer outro texto que também deve ser examinado criticamente. Em outras palavras: o que é dito ou mostrado parece coerente e imaginável?

Para saber mais sobre o respectivo tema, se pode pesquisar o que mais há sobre o tema nas máquinas de busca como o Google. Por exemplo, se um político fez uma declaração histórica ou algo inovador aconteceu, a notícia provavelmente constará de outros meios de comunicação de renome. A melhor maneira de encontrar esses resultados nas máquinas de busca é na guia "Notícias". Também se pode modificar as opções de pesquisa, tais como o período de publicação ou idioma.

Os sites de órgãos oficiais e instituições reconhecidas também são um bom lugar para obter informações confiáveis. O da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, é uma fonte muito melhor de informações sobre o coronavírus do que vídeos no YouTube de médicos isolados. Mesmo que sejam especialistas, é possível que representem opiniões individuais, não deem uma visão geral sobre o assunto ou mesmo sejam negacionistas.

Se já existem referências concretas à origem da informação na notícia que pretende verificar – tal como um estudo específico, um programa de partido ou um discurso – então, se possível, confira o que o original realmente diz. Às vezes, as citações são encurtadas ou retiradas do contexto para dar-lhes um significado diferente.

Existem também vários sites dedicados a esclarecer notícias falsas. Você pode até encontrar um artigo que já expõe a notícia como falsa. No Brasil, há seções desse tipo nos sites da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Agência Lupa, G1 e outros.

4) Não encaminhe tudo!

Como usuário da internet, você pode também ajudar a combater a influência negativa das notícias falsas ao simplesmente não encaminhar sem pensar tudo o que recebe. Porque é exatamente isso que muitas vezes acontece: a desinformação não se espalha por má-fé ou convicção firme, mas por falta de atenção. Além disso, muitos se deixam guiar pelas emoções.

O melhor é não passar nada adiante se tiver dúvidas sobre a origem da informação e quão confiável ela é. Em vez disso, comunique ao remetente suas ressalvas. Você também pode relatar a suspeita de mensagem falsa aos operadores da plataforma e/ou a um site de checagem de fatos.

Deutsche Welle

Ômicron ataca menos o pulmão que outras cepas, dizem estudos




Exames em ratos de laboratório e tecidos humanos encontram indícios que poderiam explicar por que variante produz quadro mais leve de covid-19 que as versões anteriores do coronavírus.

Uma série de novos estudos laboratoriais encontrou indícios de que a variante ômicron produz um quadro mais leve de covid-19 do que as versões anteriores do coronavírus por causar menos danos aos pulmões.

Uma equipe de pesquisadores americanos e japoneses avaliou a ômicron e outras variantes em ratos de laboratório (camundongos e hamsters) e observou que a ômicron produziu infecções menos graves, muitas vezes limitadas às vias respiratórias superiores: nariz, garganta e traqueia.

A variante causou muito menos danos aos pulmões, onde as variantes anteriores costumavam causar cicatrizes e sérias dificuldades respiratórias.

Embora os animais infectados com a ômicron tenham tido, em média, sintomas bem mais leves, os pesquisadores ficaram especialmente impressionados com os resultados em hamsters sírios, espécie conhecida por ficar gravemente doente com todas as versões anteriores do vírus.

"Isso foi surpreendente, já que todas as outras variantes infectaram fortemente esses hamsters", afirmou ao jornal americano The New York Times o virologista Michael Diamond, da Universidade de Washington e coautor do estudo.

O motivo de pelo qual a ômicron é mais branda pode estar relacionado com a anatomia. Diamond e sua equipe constataram que a quantidade de ômicron no nariz dos hamsters era a mesma dos infectados com uma forma anterior do coronavírus. Entretanto, eles viram que os níveis de ômicron nos pulmões equivaliam a um décimo ou menos do verificado em outras variantes.

Tecidos do pulmão

Pesquisadores da Universidade de Hong Kong chegaram a resultados semelhantes analisando pedaços de tecido retirados das vias aéreas humanas durante uma cirurgia. Em 12 amostras de pulmão, os cientistas constataram que a ômicron avançou mais lentamente do que a delta e outras variantes.

Os especialistas também infectaram o tecido dos brônquios, os tubos na parte superior do tórax que levam o ar da traqueia até os pulmões. E dentro dessas células brônquicas, nos primeiros dois dias após a infecção, a variante ômicron avançou mais rapidamente do que a delta ou a cepa original.

Proteína incompatível com ômicron

Um grupo de 31 pesquisadores de diversas universidades descobriu características no tecido pulmonar humano que ajudam a evitar que a nova variante se espalhe para os pulmões. Células do pulmão carregam uma proteína chamada TMPRSS2, que é incompatível com ômicron, impedindo a variante de se espalhar no órgão.

De acordo com o pesquisador Ravindra Gupta, virologista da Universidade de Cambridge e um dos autores da pesquisa, os resultados mostraram que essa proteína não se adere bem à ômicron, levando a crer que a cepa é menos capaz de infectar células dessa maneira do que a variante delta.

Uma equipe da Universidade de Glasgow chegou à mesma conclusão independentemente, de acordo com o The New York Times. Mais acima, nas vias respiratórias, as células tendem a não transportar a proteína, o que poderia explicar evidências de que o ômicron é mais comum nessa região do que nos pulmões.

Os especialistas ainda relutam em aceitar esses resultados e aguardam dados mais significativos. As descobertas ainda têm que ser corroboradas por mais estudos, como experimentos com macacos ou exame das vias aéreas de pessoas infectadas com ômicron.

Menos hospitalizações

Dois estudos preliminares realizados no Reino Unido e divulgados no mês passado sugerem que as infecções com a variante ômicron da covid-19 têm menos probabilidade de resultar em hospitalização, comparadas com a variante delta.

Os resultados confirmam a tendência observada anteriormente na África do Sul, onde a ômicron foi registrada pela primeira vez.

No entanto, especialistas alertam contra o excesso de otimismo, devido ao alto índice de infecções. Qualquer vantagem teórica nos resultados ainda pode ser revertida pelo caráter altamente infeccioso da nova cepa, que se dissemina muito mais rápido do que a delta. O número absoluto de infecções ainda pode sobrecarregar hospitais.

Deutsche Welle

‘Get back’, o enigma do retorno




Por Fernando Gabeira (foto)

Neste fim de ano, vi o documentário sobre os Beatles. Não me trouxe lembranças apenas dos intensos anos 60. A música que dá título ao documentário, “Get back”, teve muita importância há pouco mais de 40 anos, quando voltei do exílio. Eu a cantarolava, enquanto ajuntava algumas coisas e viajei para o Brasil.

Foi um momento decisivo. Às vezes, penso o que seria de mim se não voltasse. Viveria em Estocolmo, passaria as férias no sul de Portugal, nas Ilhas Gregas? Conheci gente que não voltou de seu exílio. No meu caso, seria uma escolha fatal.

Quando desembarquei, tinha uma máquina de escrever portátil vermelha, a Olivetti Lettera 22. Os funcionários da alfândega a olharam como se fosse um artefato tributável. A revolução digital ainda era uma névoa no horizonte.

Fervilhavam ideias ecológicas na cabeça, mas as mudanças climáticas e os eventos extremos não eram prioridade. Chamaria de poesia se um amigo baiano, como na semana passada, me dissesse que os peixes na pista de pouso pararam o trânsito no Aeroporto de Ilhéus.

Depois de quase meio século, nossa experiência democrática desembocou na ascensão de Bolsonaro. É um nó na garganta, mas não a ponto de desesperar. A democracia americana, mais sólida, acabou desembocando também na eleição de Trump.

Acontece. Alguns acham que a ascensão de Bolsonaro foi produto de um golpe, envolvendo os americanos, mercado financeiro, Faria Lima e o escambau.

Não quero polemizar. Acho que foi uma escolha popular equivocada, resultante dos erros na democratização. Minha interpretação no mínimo contém mais esperança: se tudo aconteceu como fruto dos nossos erros, é possível corrigi-los e evitar uma recaída. Americanos, mercado financeiro e Faria Lima são variáveis que não podemos modificar com facilidade.

A derrota torna atraente a teoria da conspiração. Até o Iluminismo foi interpretado como um complô, assim como a Revolução Francesa, a Independência Americana. Maçons, cavaleiros templários, diferentes vilões desfilaram pela História.

Bolsonaro impactou a luta contra a pandemia com seu negacionismo, muitas pessoas poderiam ter sido salvas. Estimulou a destruição da Amazônia, fez vista grossa para as queimadas que carbonizaram milhões de animais no Pantanal.

Foi um preço alto. A reconstrução não só do país, mas de seu projeto democrático, não será fácil. O Congresso se protege contra a renovação, garantindo uma grana alta para a reeleição de quem está lá. A campanha presidencial, pelo menos até o momento, passa ao largo de grandes temas como as mudanças climáticas e a revolução digital.

Mas o país não se resume a lacunas ou dados negativos. Trabalhadores na saúde, médicos e cientistas lutaram bravamente contra a pandemia. Comunidades indígenas se organizaram, alçaram sua voz; mesmo sufocada, a cultura seguiu produzindo. E houve solidariedade popular nos grandes desastres.

Bolsonaro está se isolando, mas não esteve nunca completamente só. Muitos se surpreenderam com o apoio popular que obteve em 2018 e logo depois da vitória. Poucos como eu se lembram da campanha do governo militar chamada “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A base conservadora sempre esteve aí, mas ela se dispersa quando a economia vai mal.

O Brasil precisa resgatar o processo democrático inaugurado pelas Diretas Já. Não se trata de uma volta de gente que partiu ao lugar a que pertenceu, como na canção dos Beatles. Mas de uma volta do lugar a seu próprio eixo.

Não enumerei aqui todos os obstáculos. Sei que pareço otimista ao dizer que é possível, apesar de tudo, pensar em reconstrução, evitando os descaminhos que nos trouxeram ao governo da extrema direita.

Quarenta anos depois, é preciso tentar de novo. Li uma frase de Mark Twain que talvez possa combater a ideia que temos da História como repetição: “Um gato que se senta num fogão quente nunca mais se sentará num fogão quente. Mas tampouco se sentará num fogão frio”.

Feliz Ano-Novo!

O Globo

Quantos Bolsonaro matou na pandemia?

 




Conforme a vacinação contra Covid cresce, o número de óbitos cai 

Por Celso Rocha de Barros (foto)

Nos últimos dias de 2021, um grupo de pesquisadores brasileiros, ligados à Fundação Oswaldo Cruz e ao Observatório Covid-19 Brasil, disponibilizou um artigo em pré-print —ainda não avaliado, portanto, pelos pareceristas da publicação científica— que dá uma nova contribuição à estimativa de quantos brasileiros Jair Bolsonaro matou durante a pandemia de Covid-19.

O cruzamento entre dados de vacinação e óbitos por Covid-19 em 2021, ano em que a vacinação começou, não dá margem a qualquer dúvida. Observe o que acontece quando a vacinação vai progredindo. Conforme a vacinação cresce, o número de óbitos cai, e cai rápido.

Com esses dados, os pesquisadores utilizaram técnicas estatísticas para verificar, com base no padrão observado em 2021, duas coisas. A primeira, a boa notícia, é que a vacinação salvou, no mínimo, 75 mil idosos brasileiros em 2021.

Setenta e cinco mil pessoas são um Maracanã cheio. Imaginem o estádio cheio de pais e mães, avôs e avós. Há um botão que abre os portões e os deixa ir para casa festejar o Natal de 2021 com suas famílias, lhes dá mais tempo com seus filhos e netos, dá a seus filhos e netos mais tempo com eles.

A vacina apertou esse botão. Todos saíram e passaram o Natal de 2021 com suas famílias.

A segunda conclusão do estudo é a seguinte: se a vacinação tivesse seguido exatamente o mesmo ritmo, mas começado um mês antes, 25 mil idosos que morreram em 2021 não teriam morrido. Se tivessem começado dois meses antes, 48 mil idosos que morreram em 2021 não teriam morrido.

Mas Jair Bolsonaro apertou o botão de não comprar vacina. Todos no estádio morreram se debatendo por oxigênio. Seus filhos e netos choraram de saudade no Natal de 2021, como vão chorar nos próximos. Enquanto isso, Bolsonaro dançava funk em uma lancha.

O novo estudo parte do princípio de que as vacinas teriam sido aplicadas no ritmo e no volume em que foram, de fato, aplicadas no Brasil em 2021. Mas a CPI provou que, se Bolsonaro não tivesse recusado as ofertas de Pfizer, Butantã e metade da oferta do Covax Facility, teria havido muito mais vacina, muito mais cedo. Muitos outros estádios teriam o botão de abrir a porta.

Como já disse aqui na coluna, o epidemiologista Pedro Hallal fez a conta de quantas pessoas teriam sido salvas até o final de maio se as ofertas da Pfizer e do Butantã tivessem sido aceitas.

O resultado foi 95 mil. Uma arena do Palmeiras e arena do Corinthians somados. Imaginem esses estádios lotados de pais e mães, avôs e avós. Eles queriam voltar para casa para festejar o Natal de 2021 com suas famílias.

Ainda não temos estimativas de quantos estádios cheios de mães e pais, avós e avôs, filhos e filhas, irmãos e irmãs, teriam sido salvos depois do final de maio, ou se Bolsonaro tivesse aceitado a outra metade da oferta do consórcio Covax Facility, ou se não tivesse sabotado o trabalho dos governadores, ou se não tivesse combatido o uso de máscaras, ou se tivesse implementado a testagem em massa com rastreamento de contato.

Se alguém no governo tem como contestar esses números, o debate está aberto.

Folha de São Paulo

Nova York convoca Trump em investigação por fraude

 




A procuradora-geral de Nova York convocou o ex-presidente Donald Trump, seu filho, Don Jr. e sua filha, Ivanka, como parte de uma investigação sobre os negócios da família, segundo um documento judicial apresentado nesta segunda-feira (3).

A procuradora Letitia James, democrata, emitiu no mês passado as convocações para testemunhos em uma investigação civil de vários anos, segundo o documento.

O fato é divulgado depois que o jornal Washington Post reportou em dezembro que James pediu a Trump para se apresentar em seu gabinete em 7 de janeiro para dar seu testemunho pessoalmente.

Após o informe, Trump processou James, argumentando que violava seus direitos constitucionais ao realizar uma investigação com motivações políticas.

James averigua se a Organização Trump reportou ilegalmente valores falsos de suas propriedades para potencialmente obter vantagens bancárias e fiscais.

A procuradora iniciou a investigação em março de 2019 e suspeita que a Organização Trump superfaturou algumas propriedades para pedir empréstimos bancários e em seguida reportou valores muito menores no momento de pagar impostos.

O filho de Trump, Eric, vice-presidente-executivo da Organização Trump, foi entrevistado a esse respeito pelo gabinete de James em outubro de 2020.

A organização Trump também é investigada pelo promotor do distrito de Manhattan por possíveis crimes financeiros e fraude à seguradora.

Em julho, a Organização Trump e seu diretor financeiro de longa data, Allen Weisselberg, se declararam inocentes de 15 acusações de fraude e evasão fiscal em uma corte de Nova York.

O julgamento deveria começar em meados do ano.

AFP / Estado de Minas

Mais sacrifícios, menos soluções mágicas




Economia precisa resistir a tentações populistas em 2022

Por Bruno Carazza* (foto)

Governos fracos são presas fáceis das tentações populistas, principalmente quando se encaminham para o final do mandato. Nas últimas semanas de 2021, vimos a popularidade do presidente sangrar, e na busca de aprovar medidas que revertam a má avaliação da sua gestão, grupos de interesses deram o bote e arrancaram nacos expressivos do orçamento público.

A última leva de pesquisas revela que a economia - mais especificamente o bolso e o estômago do cidadão - será o grande tema da disputa eleitoral deste ano.

O levantamento da CNT/MDA que saiu pouco antes do Natal revelou que 63,7% dos entrevistados avaliam que durante o governo Bolsonaro seu poder de compra encolheu. Entre os principais vilões da inflação estão os preços dos alimentos, seguidos de combustíveis, energia elétrica e moradia. Maior evidência de bem-estar alimentar, o consumo de carne caiu nos lares de 71,9% das pessoas que participaram da enquete.

Esse cenário econômico adverso, que por si só despertaria preocupações em qualquer governante interessado na sua própria reeleição, ganha proporções muito maiores quando seu principal rival desfruta de um lugar especial na memória do eleitor. Segundo a mesma pesquisa, 58,9% dos entrevistados consideram que, em toda a história recente, o poder de compra da sua família foi mais alto justamente no governo Lula (2003-2010).

Esses resultados são confirmados pela última pesquisa Datafolha, que mostra que a vantagem do petista reside justamente no segmento de renda mais baixo (até dois salários-mínimos), onde bate Bolsonaro pela expressiva diferença de 36 a 11 pontos percentuais. À medida em que se avança para as faixas de rendimentos mais altos, Bolsonaro cresce: encosta em Lula no segmento de 2 a 5 salários-mínimos (24% vs 29%), assume a dianteira no grupo de 5 a 10 (30% a 24%) e amplia a liderança entre aqueles que possuem renda familiar acima de 10 salários-mínimos (33% a 23%). Para recuperar as chances de ser agraciado com um novo mandato, portanto, Bolsonaro precisa agradar o cidadão de baixa renda.

Esses números explicam as principais medidas tomadas pelo governo no encerramento de 2021. O lançamento do Auxílio Brasil de R$ 400 mensais e a edição da medida provisória concedendo o perdão das dívidas do Fies são ações que têm como alvo justamente os grupos sociais que pior avaliam a atual gestão do país.

Passar essas propostas no Congresso, porém, tem um preço alto. Não se atropelam os pilares do teto de gastos ou se aprova um calote multibilionário nas dívidas judiciais do governo impunemente. A fatura já foi apresentada - e a diferença é que ela será paga por todos nós.

Os R$ 16 bilhões das emendas de relator (o famoso “orçamento secreto”) e os R$ 6 bilhões de fundos eleitoral e partidário para as eleições deste ano são apenas a parte mais visível do butim. No apagar das luzes de 2021, as edições do Diário Oficial da União vieram recheadas de benesses dadas como contrapartidas ao seu plano de ampliar as transferências de renda para as famílias mais pobres.

Ainda em novembro, Bolsonaro se reuniu com representantes dos 17 setores contemplados pela desoneração da folha de pagamentos e se comprometeu a prorrogar o benefício em troca de apoio político para a aprovação da PEC dos Precatórios. Promessa feita, promessa paga: no último dia do ano, o presidente sancionou a lei que estende sua vigência até 31/12/2023. Criado por Dilma em 2011 com a intenção de durar três anos, o agrado vem sendo prorrogado sucessivamente - só no governo Bolsonaro já é a segunda extensão de prazo.

No pacote de bondades de final de ano, houve ainda a ampliação do regime especial de Microempreendedor Individual (MEI) para os caminhoneiros que recebem até R$ 20.966,67 por mês, que pagarão apenas 12% do salário-mínimo como contribuição para a Previdência Social.

Taxistas e pessoas portadoras de deficiência também continuarão a gozar da possibilidade de adquirir automóveis novos, no valor até R$ 200 mil, com isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até 31 de dezembro de 2026.

As empresas aéreas também conseguiram seu quinhão. A isenção do imposto de renda sobre operações de arrendamento mercantil de aeronaves e motores, que foi estabelecida em 2006 para ter duração de dois anos, foi expandida até o final de 2023.

O alargamento desses regimes especiais, além de ampliar as distorções de nosso sistema tributário, exigirá sua compensação futura, com alíquotas mais altas impostas, em geral, sobre produtos e serviços amplamente consumidos pela população - em outras palavras, todos pagarão pelas benesses de alguns.

O que se observou nas últimas semanas do ano passado pode ser uma pequena amostra do que nos reserva o ano de 2022. Com as eleições se aproximando a passos rápidos, Bolsonaro tentará de todas as formas impulsionar sua popularidade para chegar competitivo no pleito de 2 de outubro. No afã de reconquistar o apoio eleitoral, crescerão as demandas por maior crescimento econômico, ainda que a qualquer custo.

Com as previsões sinalizando um crescimento nulo ou até mesmo uma pequena recessão no ano que vem, Bolsonaro será tentado a lançar programas de estímulo à geração de renda e emprego no curtíssimo prazo - num filme semelhante ao que assistimos no governo Dilma. Para piorar a situação, no posto de responsável pela gestão econômica do país temos um Paulo Guedes cada vez mais fraco e subserviente às vontades do presidente.

Neste primeiro dia útil de 2022, desejo a todos os leitores uma postura crítica frente às tentações populistas que surgirão no debate eleitoral deste novo ano. Os desafios para colocar a economia brasileira nos eixos são imensos, e seremos bombardeados com propostas mirabolantes vindas de candidatos à direita e à esquerda. É bom duvidar de quem vier com soluções mágicas. Assim como em nossa vida cotidiana, precisamos de quem se comprometa com trabalho duro, suor e sacrifícios na administração do Brasil.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

Valor Econômico

Círculo vicioso - Editorial




A Constituição de 1988, que já nasceu extensa, tornou-se com o tempo ainda mais ampla e detalhista, o que acarreta novas demandas de alteração, fragilizando-a ainda mais

Grande número de emendas intensifica fenômeno da constitucionalização.

Mesmo os mais ardentes defensores da Constituição admitem: o texto produzido pela Assembleia Constituinte é muito extenso. No momento da promulgação, a Carta de 1988 tinha 245 artigos, além dos 70 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Houve o chamado fenômeno da ampla constitucionalização. Muitos assuntos, que poderiam ser regulados pela legislação ordinária – ou mesmo serem deixados à livre disposição da sociedade –, ganharam assento constitucional.

Pode-se dizer que o tamanho da Constituição de 1988 foi uma escolha da sociedade. Para garantir a ampla proteção do indivíduo e uma determinada configuração do Estado, retirou-se da esfera legislativa ordinária uma série de temas, dando-lhes status constitucional. O art. 5.º, sobre direitos e garantias fundamentais, tem 78 incisos.

Em tese, a ampla constitucionalização deveria significar uma maior estabilidade do ordenamento jurídico, uma vez que mudanças constitucionais são mais difíceis de serem realizadas. Há rito próprio, com requisitos mais exigentes: aprovação em dois turnos por cada Casa Legislativa com quórum de três quintos.

No entanto, mais do que preservar a estabilidade da ordem jurídica ao longo do tempo, essa ampla constitucionalização produziu um efeito inverso: o enfraquecimento da Carta de 1988. Por tratar de muitos assuntos, muitas vezes num detalhamento excessivo, a Constituição tornou-se, desde a promulgação, objeto de muitas pressões para sua alteração. Com isso, ainda que existam condições específicas para alterar o texto, o Congresso aprovou muitas Emendas Constitucionais (ECS). A EC relativa ao não pagamento dos precatórios foi a 113.ª emenda promulgada!

É muita alteração sobre um texto cuja função é precisamente prover estabilidade. Por exemplo, o art. 37, XI, que dispõe sobre o teto da remuneração do funcionalismo público, teve quatro versões ao longo desses anos.

Vale lembrar também que o grande número de emendas intensifica ainda mais o fenômeno da ampla constitucionalização. Quase sempre, as alterações levam a um aumento de assuntos e de detalhamento sobre o texto. Assim, a Constituição de 1988, que já nasceu extensa, tornou-se ao longo de tempo ainda mais ampla e detalhista, o que por sua vez acarreta novas demandas de alteração.

Recente levantamento do Estado mostrou que o número de Propostas de Emendas à Constituição (PECS) cresceu 190% na última década, considerando-se as iniciativas em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Ao todo, o Congresso tem hoje mais de 1.300 emendas passíveis de aprovação. Tem-se, assim, o círculo vicioso, prejudicial à força e estabilidade da Constituição: ao ampliar o texto, as emendas o fragilizam, o que demanda novas emendas, e assim vai.

A Constituição, que deveria ser causa de estabilidade e segurança jurídica, torna-se ela mesma fonte de instabilidade. Em vez de ser referência perene para a sociedade e o Judiciário, torna-se ela mesma o grande objeto de mudança. A centena de emendas promulgadas fala por si.

O fenômeno da crescente constitucionalização produz ainda outro efeito, especialmente sentido nos dias de hoje e que tende a crescer. Uma vez que a função do Supremo Tribunal Federal (STF) é defender a Constituição, a ampliação do texto constitucional conduz necessariamente a um aumento dos temas de competência da Corte.

Dar status constitucional a um tema significa colocá-lo sob a alçada do Supremo. Assim, mais do que uma usurpação de poder, a crescente interferência do STF nos mais variados temas e questões da sociedade é também resultado da atividade do próprio Legislativo, que continuamente insere na Constituição novos temas, e do Executivo, autor de muitas PECS.

Esse cenário revela que não basta “fazer reformas”. É preciso pensá-las bem, de forma orgânica, tendo em conta também seus efeitos sistêmicos. A atividade legislativa não pode se converter num mero fazer, como se viu em 2021. É preciso estudo, planejamento, ponderação – ou seja, competência e responsabilidade.

O Estado de São Paulo

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