Publicado em 6 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
Há alguns dias foi noticiado que Roberto Irineu Marinho deixou a presidência do Conselho de Administração do Grupo Globo, que será ocupada por João Roberto Marinho, seu irmão. Antes ele já tinha transferido a presidência executiva para o economista Jorge Nóbrega.
Sabe-se que esse afastamento do filho mais velho do vitorioso empresário Roberto Marinho, criador de um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo, se deu em decorrência de problemas de saúde, que o impediam de manter a intensa rotina de trabalho que vinha sendo obrigado a cumprir.
SUPEROU A CRISE – Essa notícia está incompleta pois deixou de registrar que, se não fosse sua competência e emulação, o Grupo Globo não teria vencido as insuperáveis dificuldades financeiras que enfrentou entre 2002 e 2005.
As dívidas do grupo de empresas se aproximavam de cerca de US$ 2 bilhões, hoje, mais de dez bilhões de reais. E como o endividamento se deu em moeda norte-americana, com o real fortemente desvalorizado e com a queda do faturamento publicitário das emissoras de televisão, o futuro não era nada promissor e uma crise de liquidez sem precedentes levou as Organizações Globo a entrar em default, suspendendo o pagamento das dívidas.
Segundo relato oficial, “declarada a moratória em 28 de outubro de 2002, por solicitação de seus irmãos, Roberto Irineu Marinho assumiu a presidência do grupo para liderar o processo que viria a seguir.
COMITÊ DE NEGOCIAÇÃO – Formou imediatamente então, na Globo, um comitê interno de negociação para
buscar com os credores uma solução para a crise. Por seu lado, os credores organizaram-se em dois grupos: os credores de debêntures (bonds), que eram pessoas físicas e jurídicas espalhadas por vários países, e os credores bancários nacionais e internacionais.
O comitê Globo, além disso, tinha o objetivo de sanear internamente as empresas deficitárias e buscar a melhoria dos resultados das Organizações Globo como um todo.
Em 20 de outubro de 2006 estava resolvida a situação financeira. A recuperação das Organizações Globo foi tão bem-sucedida que rendeu ao grupo o prêmio internacional Latin Finance 2006, de reorganização empresarial do ano”.
SEM APOIO OFICIAL – E é bom esclarecer que, desta vez, nenhum centavo do BNDES, Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal foi aportado para que a renegociação dessa assustadora dívida bilionária fosse equacionada.
No Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, na época, foi publicado que, em AGE em 2005, os acionistas das sociedades do Grupo Globo, incluindo Globopar Overseas Ltd., assinaram a renegociação de sua dívida financeira com grandes bancos nacionais e internacionais.
Do documento da reestruturação financeira aprovada constavam a Escritura de Hipoteca do Projac, o contrato de penhor de contas bancárias, entre outras garantias, com indicação de escritório especializado para receber citações judiciais no Reino Unido relativas aos documentos da renegociação da dívida, cuja quitação se alongará até 2030.
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ALGUMAS DÚVIDAS A SERES ESCLARECIDAS
Nesse contexto de dificuldades financeiras vencidas, graças aos complexos acordos firmados com poderosas instituições bancárias internacionais, surgem, porém, algumas dúvidas consideradas merecedoras de boas explicações por especialistas que militam nessa área:
1 – Por que, em 8 de junho de 2005, dias antes da assinatura e aprovação desse difícil acordo, os controladores do Grupo Globo compraram em São Paulo a sociedade sem atividade específica 296 Participações S/A, com denominação alterada para Cardeiros Participações S/A e capital de meros R$1.000,00 (mil reais)?
2 – Por que, após a concretização dessa renegociação financeira, celebrada em 24 de junho de 2005, os irmãos Marinho requereram ao governo federal a incorporação da TV Globo Ltda. (emissoras de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Distrito Federal) pela GLOBOPAR S/A – Globo Comunicação e Participações S/A e que, em seguida, por decreto de 23 de agosto de 2005, assinado pelo então presidente Lula, teria, de pronto, todas as suas ações transferidas para a desconhecida empresa sem atividade específica Cardeiros Participações S/A, ou seja, nova denominação da ex-296 Participações S/A, empresa de fachada?
3 – Essa operação societária de transferência de ações e de ativos, requerida antes da assinatura da renegociação dessa dívida, em 24 de junho de 2005, e oficializada em 23 de agosto, já era do conhecimento dos credores e teria ajudado na conclusão positiva do acordo ou foi implementada por conta e risco dos devedores?
4 – Se a unificação e a centralização da gestão das empresas do Grupo Globo foram fundamentais para o êxito da renegociação das dívidas, por que um ano depois, em 2006, seus controladores-concessionários – sem prévia autorização da União – poder concedente de outorgas de concessões – fatiaram o patrimônio que haviam transferido da GLOBOPAR S/A (R$5,4 bilhões),para a Cardeiros Participações S/A, desta vez dividindo o patrimônio entre várias holdings pessoais dos três irmãos – RIM 1947 Participações S/A, de Roberto Irineu Marinho; JRM 1953 Participações S/A, de João Roberto Marinho. e ZRM 1953 Participações S/A, de José Roberto Marinho?
5 – Cada uma dessas “holdings” pessoais ficou com capital de R$1,8 bilhão, assim zerando o capital da GLOBOPAR/Cardeiros Participações S/A, que junto com a Globo Rio Participações S/A e TV Globo Ltda. integraram o comitê responsável por toda essa eficaz reestruturação. Foi um ato interna corporis, ignorado pelas autoridades e até pelos credores?
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P S 1 – Impossível que tão importantes passos societários não tivessem a ciência e o de acordo de todos os envolvidos na grande reestruturação financeira do Grupo Globo, que, se repita a bem da verdade, não contou com recursos de nenhuma instituição financeira que tenha a participação do governo federal. Ainda bem. Aliás, a Globo tem receita de cerca de 15 bilhões de reais por ano e dívidas de centenas de milhões de dólares a vencer em 2025, 2027 e, finalmente, em 2030. Tomara que o real se estabilize frente ao dólar.
P S 2 – Reitera-se, por outro lado, que não passam de “fake news” as informações sobre a possível venda do conglomerado a grupos estrangeiros, mesmo porque a legislação vigente e a Constituição Federal não permitem tal transferência de controle de emissoras de radiodifusão de som e imagem. (CN) ).