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terça-feira, maio 31, 2022

Bolhas de desconfiança de lulistas e bolsonaristas




Datafolha indica elevação de risco de questionamento do resultado das urnas

Por Bruno Carazza* (foto)

O resultado da última pesquisa Datafolha agitou a política brasileira. Apontando uma vitória de Lula já no primeiro turno, com 54% dos votos válidos, ela enfureceu os apoiadores de Jair Bolsonaro, que passaram a desacreditar o instituto e acusá-lo de manipulação dos dados, que seriam incompatíveis com o “DataRua” das aparições públicas do presidente.

Não é a primeira vez que isso ocorre, e há poucas semanas as críticas tiveram outro alvo e origem oposta. Publicado em 13 de abril, levantamento do PoderData mostrou a diferença de Lula sobre Bolsonaro caindo para apenas cinco pontos percentuais, o que gerou uma avalanche de acusações vindas da esquerda sobre a lisura da pesquisa e supostos interesses escusos nos números indicados.

Vivemos um tempo em que a credibilidade das pesquisas está abalada, e isso se deve a uma série de fatores. Para começar, a ausência de um censo demográfico desde 2010 prejudica o planejamento da amostragem. Diferentes metodologias e tecnologias de coleta também produzem resultados muitas vezes divergentes, deixando muitas dúvidas no ar.

Com as sucessivas ondas de golpes a que estamos sujeitos diariamente, cidadãos se tornaram mais arredios a atenderem os entrevistadores, sejam presenciais ou por telefone. A elevada abstenção nas eleições e as decisões tardias de voto, marcas dos últimos pleitos (como nas vitórias de Witzel no Rio e Zema em Minas Gerais em 2018), produzem surpresas que são apontadas como erros flagrantes dos institutos de pesquisas.

Mas há outro fenômeno que prejudica ainda mais a confiança nas medidas de intenções de voto: a forte segregação da população brasileira, agravada pelos algoritmos das redes sociais, nos prenderam em ilhas de preferências políticas que causam falsas percepções da realidade.

Nem sempre foi assim. Entre 1994 e 2002, os presidentes eleitos (FHC duas vezes e depois Lula) dominaram por ampla margem as intenções de voto durante boa parte da corrida eleitoral em todos os segmentos de todos os recortes usualmente utilizados nas pesquisas eleitorais - gênero, idade, escolaridade, renda, região etc. O resultado das urnas era aceito de forma inconteste.

Em 2006, porém, começa a surgir uma nítida clivagem social nas preferências eleitorais. Naquele ano, apesar da folgada vitória de Lula sobre Alckmin no segundo turno (60,83% a 39,17%), as pesquisas na véspera da votação indicavam que o ex-tucano levava vantagem sobre o petista entre os eleitores de nível superior (53% a 47%), de rendimentos mensais superiores a dez salários mínimos (56% a 44%) e moradores da região Sul (52% a 48%).

Desde então, esse padrão só se intensifica. De um lado, a maioria petista a cada eleição (com Dilma Rousseff em 2010 e 2014, Fernando Haddad em 2018 e agora Lula em 2022) se consolidou entre as mulheres, os jovens e os eleitores de baixa renda e ensino fundamental, além dos moradores do Nordeste. O outro lado (José Serra em 2010, Aécio Neves em 2014 e Bolsonaro em 2018 e 2022), por sua vez, ampliou sua base no público masculino, mais velho, de renda e escolaridade altas e habitantes do centro-sul do país - mais recentemente, acrescente-se aí também a maioria dos eleitores evangélicos.

O fato de termos maiorias de esquerda e de direita, lulistas e bolsonaristas, em territórios tão fortemente demarcados demonstra que nós vivemos em bolhas não apenas na internet. Enquanto nas redes sociais os algoritmos se encarregam de aproximar aqueles que pensam igual, na vida real a classe social a que pertencemos e nossas relações de trabalho e amizade também nos segregam em câmaras de ressonância de convicções e preferências políticas mais ou menos uniformes.

Numa sociedade tão dividida em termos econômicos, regionais, etários e religiosos, questionamentos sobre a “veracidade” de pesquisas tornam-se muito mais frequentes. Qualquer pesquisa que indique Lula à frente será considerada manipulada por empresários do agronegócio de Sinop, no Mato Grosso, pois lá Bolsonaro é o preferido pela imensa maioria de seus familiares e amigos. Da mesma forma, levantamentos que apontarem uma redução na liderança do petista será vista com desconfiança nos meios acadêmicos, onde o sentimento de “Fora Bolsonaro” é praticamente uma unanimidade.

A questão torna-se muito mais séria quando essa percepção extrapola o campo das pesquisas e chega à própria legitimidade do processo eleitoral. Nesse sentido, a segunda leva de resultados do último Datafolha é muito preocupante.

Para 34% dos entrevistados, existe muita chance de haver fraude nas eleições deste ano. Isso significa que a pregação de Bolsonaro contra a segurança das urnas eletrônicas e a imparcialidade da Justiça Eleitoral vem surtindo efeito, uma vez que essa percepção é compartilhada não apenas por 60% de seus eleitores, mas encontra ressonância até mesmo em 21% daqueles que pretendem votar em Lula em outubro.

As dúvidas sobre a confiabilidade das urnas povoam o imaginário de 24% dos brasileiros, e eles não são exclusivamente bolsonaristas: 16% dos eleitores lulistas já não acreditam no sistema eletrônico utilizado no Brasil; entre os apoiadores do presidente, o indicador chega a 40%.

Além da falta de credibilidade dos institutos de pesquisas e das suspeitas sobre a segurança das urnas, por uma parte do eleitorado, um provável desfecho conturbado das eleições deste ano também já entrou no radar dos brasileiros. Para 56% dos entrevistados, é preciso levar a sério os ataques do presidente aos ministros do TSE e do STF e as suas ameaças sobre as eleições - e neste quesito não há diferença de julgamento entre bolsonaristas e lulistas.

Uma sociedade dividida, com redes sociais amplificando a polarização, disseminação de dúvidas sobre a legitimidade do processo eleitoral e a normalização de ataques às instituições que garantem o resultado das urnas - a bomba relógio já está armada para explodir entre 2 de outubro de 2022 e 1º de janeiro de 2023. Tic-tac, tic-tac, tic-tac...

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

Valor Econômico

Eleições na Colômbia: quem são ex-guerrilheiro e 'Trump colombiano' que disputam 2º turno




Gustavo Petro e Rodolfo Hernández disputam segundo turno, marcado para 19 de junho

Por Marcia Carmo, De Buenos Aires 

Os colombianos vão decidir quem será o próximo presidente do país no segundo turno das eleições, em 19 de junho.

A disputa será entre o candidato de esquerda ou centro-esquerda Gustavo Petro — ex-guerrilheiro, economista e senador, que disputa a Presidência pela terceira vez — e o candidato de direita Rodolfo Hernández — engenheiro, ex-prefeito de Bucaramanga, muitas vezes classificado como "populista", "escrachado" e "outsider da política".

As bandeiras de Petro, de 62 anos, são justiça social, reforma agrária — "democratizar a terra" —, cobrança de impostos às grandes fortunas para "gerar bem-estar e inclusão social" e uma "economia produtiva e com estabilidade econômica". Petro também defende o fim do serviço militar obrigatório e a ampliação de áreas de Direitos Humanos nas Forças Armadas e policiais.

Petro, da coalizão Pacto Histórico, tem insistido que não pretende confiscar ou nacionalizar empresas e criticou os governos da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua, mas ainda assim não conseguiu evitar a rejeição do empresariado e dos setores conservadores do país. Sua defesa de renegociação dos acordos de livre comércio em vigor, que incluem os Estados Unidos, desagrada o empresariado.

A principal bandeira de Hernández, de 77 anos, é o combate à corrupção — quase único assunto sobre o qual insistiu na sua estratégia de comunicação através das redes sociais, apesar de ele ter problemas com a Justiça por denúncias de irregularidades quando foi prefeito de Bucaramanga. Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, defende o uso medicinal da maconha, a criação de uma renda mínima para os mais pobres e aposentadoria também para aqueles que não contribuíram para a previdência, mas não deu detalhes sobre de onde viriam os recursos.

'Candidato esquerdista Gustavo Petro recebeu mais votos no primeiro turno'

Logo após os resultados das urnas, analistas disseram, na noite de domingo (29/5), ao canal de TV online do jornal El Tiempo, de Bogotá, que, em "termos matemáticos", não se poderia descartar que Hernández possa chegar a vencer a eleição depois que o candidato da direita Federico 'Fico' Gutiérrez, da coalizão Equipo por Colômbia, que tem apoio dos partidos tradicionais, disse que o apoiaria.

"Pela matemática, se os votos de Hernández e de Gutiérrez forem somados, Hernández, o outsider, venceria", disse um deles. Petro recebeu 8,5 milhões de votos (40,32%), Hernández contou com 5,9 milhões (28,15%) e Gutiérrez com pouco mais de 5 milhões de votos (23,91%).

Mas, nesta matemática, ainda pode pesar o índice de abstenção e, portanto, não está claro o que aconteceria no segundo turno.

A eleição ocorre em meio a uma profunda polarização devido ao descontentamento social derivado da desigualdade e da pobreza, além de demandas para reduzir a insegurança nas cidades e a violência nas áreas rurais onde operam grupos armados ilegais dedicados ao narcotráfico.

Mais de 85% dos colombianos acham que o país está no caminho errado. Desde a década de 1990, o momento mais agudo do conflito armado, números tão altos de pessimismo não foram relatados.

'Cansaço'

A votação surpreendente em Hernández revela, segundo analistas, o "cansaço" dos colombianos com os políticos e o sistema atual. A eleição deixou de fora da corrida eleitoral, pela primeira vez em décadas, os partidos tradicionais, o que também confirmaria este "cansaço" e a busca dos colombianos por "mudanças", num país com longa trajetória de governos de direita e conservadores.

"Vencemos e ampliamos nossa votação em relação às eleições anteriores. E nossa disputa é pelas mudanças", disse Petro, famoso por sua oratória em tom de conversa, no fim da noite de domingo. Ele disse, porém, em claros recados para Hernández e seus eleitores, que existem "mudanças que podem ser suicídio" e que "a corrupção não se combate com frases de Tik-Tok". Foi aplaudido por seus seguidores 'petristas' (como seus apoiadores são chamados).

Na sua fala, Petro citou o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Foi da obra 'Cem Anos de Solidão' que Petro tirou seu pseudônimo nos tempos de jovem guerrilheiro — Aureliano, em referência ao coronel Aureliano Buendía, considerado, por estudiosos, o principal personagem do livro.

'Gustavo Petro comemorou o resultado do primeiro turno'

'Voto envergonhado'?

Hernández foi a grande surpresa eleitoral. Até cerca de um mês, ele tinha 10% das intenções de voto e era levado pouco a sério entre políticos e analistas que viam suas declarações como "exóticas", "politicamente incorretas", "machistas" ou "brutas". Ele era interpretado como o "lanterninha" e com pouquíssimas chances de chegar ao segundo turno. Alguns setores o chamam 'Trump colombiano' e outros o comparam com o italiano Silvio Berlusconi por seu cabelo pintado e penteado.

O que foi considerado "voto envergonhado" em Hernández foi decisivo para que ele chegasse ao segundo turno, como observou a professora de ciências políticas Luaciana Manfredi, da universidade ICESI, de Cali.

Em seu discurso, após o resultado de domingo, Hernández voltou a falar em "acabar com a politicagem" e disse que sabe que, caso eleito, terá grandes desafios, mas que contará com "o apoio do povo". Durante a campanha, Hernández foi autor de declarações reprováveis. Ele disse, por exemplo, ter "confundido" Hitler com o cientista Albert Einstein, após ter sido criticado por elogiar o ditador alemão durante uma entrevista.

Empresário e engenheiro, Hernández fala palavrões, sem rodeios, e durante uma entrevista ao canal CNN em espanhol, reconheceu que estava de pijama. Durante a entrevista de vídeo, o jornalista lhe perguntou se ele usava uma camisa de seda ou pijama. Ao que Hernández respondeu: "Estou de pijama. É que já estava no meu terceiro sono. Eu durmo cedo, por volta das sete da noite", disse.

Analistas dizem que seu programa de governo é "vazio" ou "revela poucos detalhes" do que realmente pretende concretizar, caso seja eleito para suceder o atual presidente Iván Duque. Ter sido prefeito de Bucaramanga, com menos de 600 mil habitantes, foi sua única experiência num cargo político. Ele deixou o cargo com mais de 80% de popularidade.

'Rodolfo Hernández estava em terceiro nas pesquisas mas conseguiu chegar no segundo turno'

Acordo de paz, tragédias e desemprego

A vida de Hernández é marcada também por tragédias. Sua filha, contou ele durante a campanha, foi sequestrada e morta pelo grupo guerrilheiro ELN, ainda em ação, e seu pai esteve sequestrado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) durante mais de cem dias.

O drama de décadas de guerrilhas no país não esteve no centro dos debates no primeiro turno da campanha eleitoral, mas foi lembrado por opositores de Petro, que deixou o grupo armado M-19 ainda na juventude e foi a favor do Acordo de Paz, assinado em 2016. Hernández foi contra o entendimento, realizado durante o governo de Juan Manuel Santos, que levou as FARC a entregarem as armas, mas disse que levaria o acordo adiante, caso seja eleito.

Os focos desta campanha são o desemprego e a pobreza, entre outros males evidenciados durante a pandemia de coronavírus.

País com cerca de 50 milhões de habitantes, a Colômbia registra mais de 30% de pessoas em situação de pobreza, além de alto índice de trabalhadores informais. Além desse quadro social, não muito diferente de outros da América Latina, a sociedade colombiana aponta a violência — principalmente no interior do território colombiano, onde o tráfico de drogas e outros problemas geram temores — entre as maiores preocupações no país.

Quase aliados

Apesar de opositores, Petro e Hernández quase formaram a mesma chapa à Presidência, como lembraram analistas ouvidos pela BBC News Brasil, mas terminaram a campanha, no primeiro turno, com troca de farpas públicas. "Milionário corrupto", disse Petro sobre Hernández, que reagiu, lembrando que quase foram aliados. "Agora, não sirvo mais, senhor Petro", disse.

Na votação, no primeiro turno, Petro recebeu ampla diferença de votos em relação aos demais candidatos, mas não o suficiente para evitar o segundo turno. Com 99,32% das mesas apuradas, ele, que foi prefeito de Bogotá, teve 40,31% da votação, e Hernández, que foi prefeito de Bucaramanga, 28,2%.

Esta é a primeira vez, na história recente do país, que os candidatos que representavam a direita clássica, respaldados pelos partidos tradicionais, não disputarão a cadeira presidencial.

Derrota de Uribe e Duque

O resultado do primeiro turno foi a maior derrota dos partidos tradicionais e dos políticos Álvaro Uribe, ex-presidente, e do atual presidente Iván Duque, que apoiaram Federico 'Fico' Gutiérrez, que ficou em terceiro lugar.

A era do 'uribismo' está há vinte anos no poder. Na noite de domingo, 'Fico' anunciou que apoiará Hernández e, até aquele momento, a expectativa era que a direita e a centro-direita em peso seguissem o mesmo caminho — não exatamente por simpatia pelo candidato, mas, principalmente, por aversão a Petro.

Em 19 de junho, os colombianos vão decidir quem governará o país por quatro anos.

BBC Brasil

'Rejeição vai decidir eleição', diz especialista




Palácio do Planalto

Professor do Insper também destaca que terceira via tem poucas chances de conquistar a presidência da República

Por Cristiane Noberto

A eleição presidencial deste ano terá uma característica semelhante à de 2018: tem tudo para ser decidida pela rejeição. Se na última corrida presidencial o que definiu a vitória de Jair Bolsonaro foi o antipetismo, agora o que pode dar a vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tudo para ser o antibolsonarismo. A avaliação é de Carlos Melo, cientista político, mestre, doutor e professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

Ramiro Batista e o Datafolha:

'10 sacadas sobre a pesquisa em que Lula cresce e Bolsonaro trava'

Ele salienta que o petista não está agregando apenas votos que naturalmente já seriam dele, mas, também, votos de eleitores que não escolhem Bolsonaro de jeito algum. "São votos contrários ao presidente, muito por conta de sua figura controversa. Tem uma série de questões indo mal e que não colaboram com a campanha dele", observa, salientando, porém, que Bolsonaro tem possibilidades de ser reeleito.

Melo afirma, ainda, que pelo que se pode compreender das pesquisas, o eleitor já decidiu quem escolherá em outubro. E isso não ajuda as candidaturas da terceira via, que teria pouca capacidade de virar escolhas que, para o professor do Insper, já estão consolidadas. "Pesquisa do Ipespe diz que 68% dos entrevistados também já diz ter definido seu voto mais cedo e isso em anos anteriores, nessa altura do campeonato, significava 44%", destaca. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Definição

A rejeição está mais decisiva do que a aprovação. Em 2018, foi a eleição do antipetismo. Bolsonaro se engana quando pensa que ganhou por seus méritos. O sistema queria um candidato outsider e, entre todos, ele foi o escolhido. Era o que parecia estar mais afastado do centro de poder, mas foi uma eleição do antipetismo. Essa eleição de agora está mostrando o antibolsonarismo. Há uma adesão a Lula por ser o candidato que está se colocando assim. 45% não são só voto de petistas; são votos contrários ao presidente, muito por conta de sua figura controversa. Tem uma série de questões indo mal e que não colaboram com a campanha dele. Contudo, claro que Bolsonaro pode ganhar. Mas, se as eleições fossem agora, com os olhos de hoje, me parece um grande desafio.

Pesquisa

Tem algumas coisas nas pesquisas que parecem interessantes. O Datafolha aponta para a liderança do ex-presidente Lula. É o mais tradicional instituto de pesquisas e é bastante respeitado. Também parece confirmar um certo viés, de que o petista está consideravelmente à frente e que ele tem a seu favor o voto feminino e dos jovens. Por outro lado, Bolsonaro tem cerca de um terço do eleitorado, mas uma rejeição muito grande, mostrada pela pesquisa do Ipespe. 68% dos entrevistados também já dizem ter definido o voto mais cedo e isso, em anos anteriores, nesta altura do campeonato, significava 44%. Então, parece ter pouco espaço para outros candidatos que não sejam Lula e Bolsonaro.

1º ou 2º turno?

A terceira via parece muito espremida nesse processo todo. O número de pessoas que não votariam em um nem outro (Lula e Bolsonaro), que é o potencial da terceira via, vem caindo gradativamente e significativamente. Esse número já foi em algo de 30% e, agora, são 16% para serem divididos por uma penca de candidatos, como Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante), Luciano Bivar (União) e candidatos menos expressivos. Me parece que é muito difícil ter uma coisa diferente de Lula e Bolsonaro disputando a eleição, que pode ser definida no primeiro turno. Eu ainda trabalho com a hipótese do segundo turno, mas não dá para descartar um breve desfecho.

Aprendizado

Há entre militantes petistas esse tipo de euforia, mas não tenho certeza se há esse clima em relação à campanha de Lula. A história ensina. Em 2018, tinha uma impressão de que o brasileiro não votaria em Bolsonaro, e foi um erro brutal que fez não buscar ampliar a candidatura de (Fernando) Haddad. Houve tentativas de conversa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas a campanha se estreitou muito. Não vejo isso ocorrer nesse momento. Lula tem procurado conversar com o PSDB, o MDB, está focado em ampliar palanques como não fez em 2018. Há um cuidado um pouco maior agora. Se a história não ensinar que essa euforia é um erro, e que essa euforia se demonstra na urna, é um erro infantil.

Minas

É o segundo maior eleitorado do Brasil, um campo de batalha muito forte, mas é um estado que muda. Por exemplo: São Paulo tende a ser mais conservador, não votar em candidatos do PT. A Bahia, por outro lado, tende a votar nos petistas. Rio de Janeiro e Minas são mais voláteis e é sempre uma eleição muito importante. O que me parece é que Lula está na frente nesses dois estados. O PT fez uma concessão grande para abrir esse palanque mineiro: abriu mão de candidato ao Senado — pragmatismo puro. Mas, quando isso aconteceu, o (governador Romeu) Zema, que vinha com discurso ambíguo, não se comprometendo com Bolsonaro — não restou alternativa, já que o Lula tem um grande potencial de votos — teve que se deixar abraçar por Bolsonaro.

Centro

É um problema qualificar esse grupo todo como "centro democrático", pois a maior parte, na verdade, é Centrão. O centro democrático se posiciona em torno de liberdades individuais de direitos, políticas baseadas no liberalismo. Essas pessoas podem não se alinhar com o Lula, mas não vejo se alinhando com Bolsonaro. Trocaria esse termo por Centrão ou franjas do Centrão em outros partidos, como PSDB e MDB. Aí, sim, poderiam se alinhar com Bolsonaro.

Conservadores

São parcelas de vários partidos por conta de interesses locais, distribuição de verbas, ocupação de espaço no governo com certas tendências. Uma parte desses partidos mais conservadores e mais favorecidos na distribuição de recursos nos últimos tempos deve escolher um lado. Mas não vejo as pessoas sendo conduzidas por um líder que foi derrotado para votar neste ou naquele candidato.

Migração

Só houve uma única vez, em 1989, quando o voto brizolista virou para Lula. Leonel Brizola realmente transferiu seu capital político para o petista. Mas você não vê isso agora. "Os meus eleitores vão votar no candidato tal porque eu recomendo" — isso não existe. Existem só dois líderes realmente carismáticos para conduzir este processo: Bolsonaro e Lula. Se Lula ficasse do lado de fora do segundo turno, seus eleitores têm tendência específica, e vice versa. Agora, os demais candidatos, não vejo. Vejo bases tentando influenciar as bases locais não porque querem, mas porque a região assim exige.

Economia

É muito difícil sair do campo da economia porque a situação vai muito mal. Tem um grau de desemprego muito grande, e empregos precários, queda na renda. A gente precisa colocar isso numa perspectiva do país todo: queda de renda, inflação de dois dígitos, salário mínimo decrescente depois de tanto tempo. Pela primeira vez, a fome no Brasil é maior que a média mundial. São questões econômicas prementes. Lula está bem no eleitorado feminino porque quem entende de economia são as mulheres. Elas sabem o preço de tudo. Diria mais: nesse processo de pandemia, quando morreram quase 670 mil pessoas, foram as mulheres que cuidaram, que têm vivido a tragédia cotidiana. A economia e o voto feminino são os temas da campanha.

Recall

As pessoas estão procurando algo, ao contrário de 2018. Naquela época, queriam o outsider, um cara que não estivesse "com os que estão aí". Agora, porém, as pessoas procuram alguém com experiência capaz de tirar o país de onde está. Quando você olha para a candidatura de Bolsonaro e de Lula é, sim, um recall. Essa nostalgia tem sido muito comum do ponto de vista tecnológico, economia e sociedade, e ninguém consegue olhar muito para o futuro. Eu concordo que o PT tem esse problema de conseguir olhar para o futuro e se acautelar, precaver, se adiantar, se proteger. É muito difícil.

Crescimento

O que a gente pode esperar é a tentativa de fazer um crescimento rápido da economia, enquanto não conseguem olhar para o futuro. Vão tentar forjar um crescimento rápido, com políticas que induzam ao crescimento, criar empregos e aumentar renda, a continuidade de programas de distribuição de renda e, talvez, em volumes até maior, com expectativa de criar trabalhos locais. No governo Lula, lá atrás, embora o mundo seja muito diferente, quando não se consegue olhar para um futuro mais longo, resta olhar para o futuro imediato, promover renda imediatamente para pensar em algo mais sustentável em longo prazo que realmente signifique sanar um problema estrutural.

Estado de Minas

Entre a poligamia e o vibrador: o jornalismo anda muito esquisito...




E além de aprender sobre menstruação, toda mocinha ganharia um vibrador da mamãe, que a levaria a um ginecologista para tirar o hímen e possibilitar esse importante tratamento. As lésbicas precisariam rever seus conceitos e virar adeptas da penetração. É isso mesmo? 

Por Bruna Frascolla (foto)

Foi com espanto que li a manchete d’O Globo que dizia o seguinte: “Vibrador: médicos devem prescrever uso regular do acessório para mulheres, afirmam pesquisadores”. Logo abaixo, um resumo: “Os benefícios da prática incluem melhora na saúde do assoalho pélvico e na saúde sexual de forma geral, além de redução da dor vulvar”. Somos levados a crer que por puras razões científicas os médicos devem prescrever vibrador para todas as mulheres. Uma conduta científica seria levar uma montanha de vibradores para um convento a fim de cuidar da saúde das freiras. E além de aprender sobre menstruação, toda mocinha ganharia um vibrador da mamãe, que a levaria a um ginecologista para tirar o hímen e possibilitar esse importante tratamento. As lésbicas precisariam rever seus conceitos e virar adeptas da penetração. É isso mesmo?

Vamos ao corpo do texto: “Pesquisadores do Cedar-Sinai Medical Center, nos Estados Unidos, afirmam que médicos deveriam prescrever o uso regular de vibradores para suas pacientes mulheres. Em artigo publicado recentemente na revista The Journal of Urology, a equipe concluiu que a prática comprovadamente traz benefícios médicos, como melhora na saúde do assoalho pélvico, redução da dor vulvar e melhorias na saúde. Diversas pesquisas já haviam indicado os impactos positivos da masturbação feminina frequente [ênfase minha] na saúde física e mental. Entretanto, haviam [sic] poucas informações sobre o uso de vibradores como auxílio à masturbação e se eles têm impactos positivos na saúde”. Não só é isso mesmo como ainda tem o desplante de atrelar masturbação a uso de vibrador. Se for assim, todo e qualquer benefício da masturbação poderá ser usado como prova dos benefícios do vibrador. No caso feminino, ainda tem mulher que não consegue se masturbar (vide a mera existência de oficinas de siririca para feministas em universidade pública). Assim, os problemas psicológicos da criatura que quer se masturbar e não consegue podem ser todos interpretados como falta de vibrador, e o bem-estar prévio das que conseguem, como efeito do vibrador. Aí não teve jeito e fui atrás do paper, para ver se eles tinham a cara de pau de equivaler masturbação feminina a uso de vibrador.

O paper não diz nada disso

A matéria d’O Globo citava Alexandra Dubinskaya como líder da pesquisa e dava o nome do jornal. Pude então encontrar o artigo, que vocês podem ler clicando aqui. Não há nenhuma alusão a masturbação. O título é “Is it time for FPMRS to prescribe vibrators?” FPMRS, aprendemos no resumo, significa “Female Pelvic Medicine and Reconstructive Surgery”, algo como “Medicina ginecológica pélvica e cirurgia reconstrutiva”, também chamada de uroginecologia, mas americano adora sigla. Assim, o título do artigo pergunta se os uroginecologistas não deveriam passar a prescrever vibradores. No resumo, lemos também que o foco da equipe são mulheres com problemas no assoalho pélvico – o que vai desde incontinência urinária até recuperação de uma cirurgia reconstrutiva.

Poucas mulheres jovens e sadias têm por que procurar um uroginecologista. Problema em assoalho pélvico costuma ser coisa de mulher que pariu muito, gordonas e velhinhas.

A mim me parece algo factível que vibradores tenham serventia no estímulo de uma musculatura que precisa ser regenerada. Isso é uma descoberta bem mais modesta do que a necessidade feminina universal de vibradores. Pelo texto d’O Globo, parece que quem não usar vibrador vai ter dores vaginais e incontinência urinária.

De resto, o artigo lastima a falta de pesquisas que investiguem os benefícios dos vibradores e computa os poucos artigos existentes sobre vibradores, bem como os benefícios indicados por eles. Existem artigos sobre malefícios de vibradores? Não sabemos. O que sabemos é que os próprios benefícios são pouco conhecidos, já que todo o ponto do artigo é que os benefícios dos vibradores são pouco estudados, e que isso é um problema porque provavelmente eles são benéficos para mulheres com problemas no assoalho pélvico. Cito as conclusões: “Os vibradores não são bem estudados, e, dados os benefícios promissores demonstrados nos artigos identificados, deveriam ser feitas mais pesquisas para investigar a sua utilidade. Considerando-se os potenciais benefícios dos vibradores para a saúde pélvica, sua recomendação para mulheres deve ser incluída no nosso arsenal de tratamentos para mulheres com desordens no assoalho pélvico”.

O que se passa no jornalismo?

Moral da história: a recomendação do vibrador para todas as mulheres saiu da cabecinha do jornalista, que nem assinou a matéria. D’O Globo foi para o Extra, com a manchete “Médicos devem prescrever uso regular de vibradores para mulheres, dizem pesquisadores americanos”; e depois para o UOL, que anuncia: “Sentir prazer faz bem à saúde! Uso de vibradores é recomendado por cientistas”. Ao que parece, essa abobrinha é de solo nacional mesmo, pois não pude identificar nenhuma agência internacional que tivesse extraído essa inferência do artigo científico. Se isso tivesse acontecido, poderíamos incluir O Globo num telefone sem fio internacional e explicar a manchete maluca. Mas esse não é o caso.

Como será que isso aconteceu? Eu duvido de que a redação tenha algum leitor assíduo de periódicos de urologia. O mais provável é que alguém tenha posto “vibrator” no Google Alerts para ser notificado quando o termo aparecesse em artigos científicos. Aí é só pegar o estudo e fazer um malabarismo para promover pautas predeterminadas com um belo "diz estudo". Resta saber o que mais não haverá nessa lista do Google Alerts…

Promoção da poligamia

Desde o ano passado me deparo com a notícia de que um homem desafia a monogamia porque vive com nove ou oito esposas. Varia da época da matéria. A primeira vez que me lembro de ter visto foi ano passado. Lembro porque ele estava se exibindo com nove caixas de pizza, e eu finalmente consegui decifrar um refrão de pagodão que tocava aqui perto de casa: “Pagador de pizza”. O eu lírico da música se gabava de ser um pagador de pizzas e de ser o rei das cachorras. Mas aquele era casado, dizia a matéria. Não era sexo casual. Depois apareceu notícia de que uma das nove desejava um casamento monogâmico, ele se recusou e o número de esposas baixou para oito. Estaria atrás de uma gordinha para retomar o número. No maior jornal do meu estado, saiu semana passada que “Homem casado com 8 mulheres tem nome tatuado no corpo delas” (mas eram só cinco as tatuadas, segundo o corpo do texto). E agora, esta semana, a troco de nada, o Metrópoles nos conta “Como é a agitada rotina de influencer ‘casado’ com 8 mulheres”.

Em momento nenhum descobrimos o que ele faz da vida; só que “as parceiras se dividem para fazer as atividades domésticas enquanto ele assume as responsabilidades financeiras”. Qual será o grau de estabilidade dessa relação? Duas “esposas” sequer moram na casa. Resumindo a história da matéria, era uma vez Arthur, nascido na Venezuela e criado na Paraíba. Casado e pai, Arthur trai a esposa com Luana, se separa e decide ficar com ela, contanto que numa “relação liberal”. Desde então, mantida Luana, tem havido um rodízio de mulheres. Todas o têm como único homem e só fazem sexo na presença dele, isto é, com ele participando ou só olhando a interação feminina. Quanto ao grau de estabilidade… “O relacionamento com Luana é o mais duradouro: sete anos. As demais relações variam de nove meses a dois anos”. Ou seja, há uma mulher fixa e as rotativas.

Que faz da vida esse influencer além de ficar elogiando as maravilhas do poliamor para jornais sempre interessados? Sexo. E como ele ganha dinheiro? Com isso mesmo. Numa rápida pesquisa, descobrimos que Arthur, O Urso, é uma estrela do OnlyFans. Esta é uma plataforma feita para produtores de conteúdos digitais venderem o seu peixe; na prática, é um lugar onde jovens vendem pornografia. Segundo uma matéria britânica de 2021, o casal (sim, casal) Arthur e Luana faturaria 56 mil libras por mês no OnlyFans. Em algum momento do ano passado, o casal fogoso se transformou em porta-estandarte do poliamor. O “divórcio” de Arthur de uma das 9 esposas deu até no Daily Mail.

A pergunta que não quer calar é: os jornalistas não acham relevante informar que os envolvidos no tal casamento são atores pornôs? No mundo islâmico, casamentos “poliamorosos” parecidos com esse existem. Mas o leitor há de convir que um homem tradicional que se compromete com uma série de esposas e sogros é bem diferente de um casal que ganha dinheiro com pornografia e mantém uma rotina agitada com jovens rotativas. Ora, o islâmico casa com donzelas e não vai mostrá-las peladas na internet. O casamento dura e gera filhos. Não pode ser um suruba eterna; há mulheres amamentando e crianças correndo pela casa. Não tem nada a ver com performance de atores pornôs.

Propaganda?

Dado o dinheiro que o OnlyFans movimenta, é o caso de nos perguntarmos se ele não investe em publicidade. Investindo, é o caso de nos perguntarmos se jornais tradicionais teriam coragem de colocar o OnlyFans como patrocinador, ou se fariam a publicidade com mais discrição, na forma de matérias jornalísticas. Este seria um jeito de explicar por que tantos jornais falam da vida do ator pornô omitindo o fato de que é um ator pornô. Se for esse o caso, devemos nos perguntar se boa parte da promoção de "desconstrução" da normalidade não corre o risco de ser publicidade velada de Big Techs da pornografia.

Voltemos ao artigo científico que inspirou O Globo. Ele toca num assunto muito importante, que é o foco das pesquisas: não há estudos sobre tudo, e algumas coisas mereciam ser mais estudadas do que outras. Uma delas, ao meu ver, é o impacto que o mercado erótico digital tem sobre a juventude.

Uma amiga minha, estudante de medicina no Sudeste, passou um tempo atendendo em ambulatório de infectologia. Segundo ela, há um perfil muito específico de novos casos de Aids: a mocinha de classe média tradicional chega no ambulatório acompanhada pelos pais, com o pescoço todo enrolado para tapar as ínguas que o HIV causa. Confirmado o diagnóstico, o protocolo é “temos que avisar ao seu namorado”. Eis que não há namorado. As mocinhas enrolam consulta após consulta para explicar por que o namorado não veio, até a estudante de medicina pedir para falar a sós com a paciente. No mais das vezes elas admitiam que não havia namorado nenhum. Elas faziam programas e compravam artigos de luxo. Os pais não faziam ideia de nada, porque prostituta, para eles, é fácil de reconhecer. Não fazem ideia de que menina de apartamento que passa o dia trancada na internet pode estar se anunciando como prostituta – e há toda uma propaganda que ensina a chamar urubu de meu louro, isto é, prostituta de sugar baby e quejandos. Essa amiga mesma tem colegas de faculdade que se orgulham de ter um OnlyFans. Supostamente é empoderador vender suas fotos pelada na internet.

Eis aí algo digno de ser estudado por cientistas sociais e investigado por jornalistas. Por esse tipo de coisa se vê que ciência social e jornalismo são importantes. Importantes demais para estarem do jeito que estão.

Gazeta do Povo (PR)

Setenta anos na ‘carteira de trabalho’: uma rainha que parece eterna.




Elizabeth II não precisa ser nomeada; basta dizer 'rainha' e todo mundo entende que é dela que se fala, resultado de viver muito e virar um símbolo global. 

Por Vilma Gryzinski

Quando se fala Inglaterra, Grã-Bretanha ou Reino Unido – várias designações para o mesmo espaço, embora não sejam a mesma coisa -, provavelmente as imagens que passam pelas nossas cabeças incluem o Big Ben, chuva, corridas de cavalo, mulheres de chapéu e, entre elas, única e soberana, a rainha.

Como apenas 16% da atual população mundial de 7,9 bilhões de pessoas haviam nascido quando ela foi coroada, em 2 de junho de 1953, aos 27 anos, carregando com a graça possível a coroa de 1 quilo e 280 gramas, o manto de veludo de 6,5 metros de comprimento, o vestido rebordado de pedrarias, dois braceletes de ouro simbolizando “a sinceridade e a sabedoria” e um colar de 25 diamantes, sendo o principal deles o Lahore, de 22 quilates, a rainha virou um brand, uma marca, um ícone, um símbolo de um país que encarna o próprio conceito de nação – talvez a única justificativa para algo tão anacrônico como uma monarquia ao estilo britânico.

Viver muito foi um dos feitos da mulher que não nasceu para ser rainha – só a abdicação de seu tio, apaixonado pela americana divorciada com quem não podia se casar, na época, levou seu pai ao trono e a princesinha Elizabeth Alexandra Mary a se tornar a primeira na linha de sucessão, aos doze anos.

E somente a morte precoce do pai, aos 56 anos, consumido por um câncer de pulmão, a tornou rainha com apenas 25 anos, em 6 de fevereiro de 1952, quando recebeu no Quênia a notícia que a pegou despreparada – precisou esperar, no avião que a levou de volta, que as roupas pretas de luto fosse levadas até lá, para desembarcar devidamente trajada.

Winston Churchill a esperava ao pé da escada do avião e, segundo alguns historiadores, não só venceu a relutância por ter uma rainha tão jovem como ficou um pouco apaixonado por ela.

Começar com Churchill como primeiro-ministro certamente foi um bom treinamento para lidar com os doze homens e duas mulheres que vieram depois dele, incluindo trabalhistas que, se pudessem, derrubariam – democraticamente – a monarquia e ainda fariam Elizabeth ler na abertura do Parlamento o discurso que encerraria um regime que tem mil anos de história mais ou menos contínua.

Não fizeram, mesmo quando detinham a maioria no Parlamento, porque o povo não queria. O respeito e a afeição que a rainha provoca em todas as camadas sociais, não apenas entre os estratos conservadores que são seu público natural, impressionam até o mais cínico dos políticos.

Ter assumido a coroa muito cedo e vivido até os 96 anos, com uma dignidade que honra o posto para o qual foi ungida – literalmente, com uma mistura secreta de óleo de sésamo e de oliva, âmbar, civeta, flor de laranjeira, rosa, jasmim, canela, almíscar e benjoim – produziram o jubileu de diamante que a partir dessa semana será comemorado como um feito notável. Imaginem ter uma carteira de trabalho assinada sete décadas atrás e continuar no batente na medida que seus “problemas episódicos de mobilidade” permitam.

A saúde da rainha é um segredo respeitado. Ela tem problemas de joelho – quem não tem, aos 96 anos? E provavelmente problemas cardíacos que a levaram a aceitar recentemente o conselho dos médicos e deixar de beber álcool, depois de uma vida adulta inteira de jantares precedidos por um coquetel feito com gin e Dubonnet, preparado durante décadas pelo falecido marido, Philip.

Embora pareça que não, ela é mortal e tudo está preparado para o momento em que a senha for dada: “A Ponte de Londres caiu”. Até os abafadores de couro para os sinos que dobrarão em sinal de luto nas 16 mil igrejas britânicas estão sendo feitos.

Em dez minutos, as bandeiras estarão a meio mastro. O Parlamento entrará em recesso durante os dez dias de luto. Charles, já como rei, falará à nação e partirá para uma viagem pelas quatro unidades que compõem o reino: a dominante Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.

Por que Elizabeth não abdica logo e deixa o filho, que está com 73 anos, finalmente assumir a coroa para a qual foi treinado desde que nasceu? Ou pelo menos o nomeia príncipe regente e se recolhe para uma merecida aposentadoria entre seus castelos prediletos, Sandringham e Balmoral?

Todo mundo concorda que a rainha leva profundamente a sério a promessa de dedicação à nação, “pelo resto dos meus dias”, feita ainda na primeira juventude, e não pretende abrir mão dela, exceto em caso de impedimento total.

Por trás da imagem de boa velhinha, que se dirige a todos os interlocutores com infinita – e bem treinada – cortesia, Elizabeth II é focada na missão. Não permitiu que os sentimentos de mãe e avó prevalecessem sobre o seu dever de rainha quando cortou, implacavelmente, o filho Andrew e o neto Harry da linha de frente de membros da realeza, o primeiro por causa das acusações de abuso sexual (resolvidas com uma indenização de doze milhões de dólares, bancadas pela mamãe), o segundo por ter achado que poderia largar dos ônus da realeza e conservar os bônus.

Andrew e Harry só participarão do ato religioso de ação de graças do jubileu de diamante, como todos os outros membros da família. Nas demais cerimônias, estarão no centro Charles e Camilla, William e Kate.

O entorno real está preocupado com a possibilidade, muito concreta, de que o retorno de Harry e Meghan desvie as atenções do tema principal, a rainha.

Também subsistem os críticos – “parasita” e “sanguessuga” são xingamentos frequentes -, fora os conspiracionistas que consideram a família real globalista, judia ou composta por lagartos extraterrestres que tomam forma humana para dominar o planeta. Os menos arrebatados, ou relativamente sãos, dizem que ela só sorri de forma realmente espontânea quando seus cavalinhos ganham algum prêmio.

Elizabeth II já chegou a um ponto em que paira acima disso. Vai participar das festividades que a saúde permitir, sem dúvida nenhuma com casacos coloridos desenhados pela camareira promovida a amiga, Angela Kelly, tão íntima que amacia os sapatos Anello & Davide – com gáspea alta, fivela dourada e saltinho quadrado – que viraram uma das marcas registradas da rainha, juntamente com as bolsas Launer, as luvas e os chapéus.

Segundo Angela, filha de um estivador que ganhou um acesso sem precedentes a Elizabeth (“Não tem mais lugar nas minhas costas para punhaladas”, brincou, falando sobre a ciumeira que provocada) e escreveu dois livros plenamente autorizados, a rainha é “uma dama muito modesta”. Quando ainda morava em Buckingham usava apenas seis dos 775 cômodos do palácio.

Apelidada de AK47 por causa do temperamento explosivo, Angela conta que ainda fica com lágrimas nos olhos quando veste a rainha para as grandes ocasiões em que coroas e tiaras são tiradas do cofre.

Os diamantes resplandescentes – com brilho ressaltado por uma mistura de gin e água – fazem parte da grande encenação que é a monarquia, que mistura costumes de mais de mil anos com tradições inventadas ontem.

Quando sair dessa cena, Elizabeth encerrará uma era – positivamente avaliada: 57% dos britânicos acham que ela fez trabalho muito bom e 25% que se saiu bastante bem.

Qual político deixaria o palco com 82% de aprovação?

Revista Veja

Como agem os cupins - Editorial




TCU descobre que políticos destinavam verba para obras e escolhiam a empresa executora

O presidente Jair Bolsonaro vive a dizer que, em seu governo, não houve nem há escândalos de corrupção. Até onde se sabe, de fato, não existem, em sua gestão, casos como os do mensalão e do petrolão, símbolos da extensa corrupção sob a gestão lulopetista. Entretanto, a aliança que Bolsonaro fez com parlamentares para preservar seu mandato e alguma base de apoio no Congresso teve um preço. Ela resultou em métodos e práticas não espalhafatosamente escandalosos que despertem a ira popular, mas em artimanhas que, somadas, podem resultar em graves prejuízos para o Tesouro e ganhos financeiros e eleitorais para seus autores e cúmplices. O acordo de Bolsonaro com o Centrão estimulou ações desse tipo.

As emendas do relator e o orçamento secreto são exemplos dessa prática. Neste governo, quando se trata de manipular recursos públicos, os políticos procuram agir com discrição e habilidade. Em vez de se aproveitar de um contrato bilionário de obra pública ou de compra governamental, eles têm preferido pequenos contratos. Somados, os ganhos proporcionados por cada um deles podem ser expressivos. Agem como cupins do orçamento público. São, por isso, mais difíceis de serem identificados.

Mesmo assim, algumas artimanhas estão sendo desvendadas. Em reunião plenária, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) suspenda a realização de novas obras de pavimentação, pois foram encontrados casos de destinação irregular de dinheiro público.

Na análise de pregões e contratações de obras de pavimentação assinados entre 2019 e 2020, auditores do TCU constataram que os parlamentares responsáveis pela destinação de recursos para determinadas obras eram responsáveis também pela escolha da empresa responsável pela execução do serviço.

A Codevasf mantém um conjunto de empresas aptas a realizar serviços de pavimentação sob uma espécie de “guarda-chuva”. Cada uma delas é contratada para executar obras com determinado tipo de material. O parlamentar, ao destinar verba para determinada obra por meio de emendas ao Orçamento, apontava também, mesmo sem fundamentação técnica explícita, o tipo de material a ser utilizado, o que implicava a escolha da empresa responsável.

É uma prática que, obviamente, contradiz princípios da administração pública, como a impessoalidade e a isonomia. Como observou o TCU, o direcionamento de recursos públicos para determinada empresa sugere conluio entre empresas, agentes públicos e políticos. Além disso, o sistema de controle e fiscalização, para aferir qualidade, quantidade e prazos, era falho.

Não é de estranhar que esses casos envolvam obras contratadas pela Codevasf. A empresa, que no governo Bolsonaro teve ampliada sua área de atuação para mais de 1,5 mil quilômetros além do Rio São Francisco – que era seu foco quando foi criada, em 1974 –, tornou-se um dos principais abrigos dos protegidos do Centrão. Três quartos de suas superintendências são ocupados por afilhados de políticos, a maioria do Centrão. 

O Estado de São Paulo

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