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sábado, março 01, 2025

Lula aposta em programas sociais para reverter crise, mas medidas podem ser insuficientes para 2026

Foto: Fábio Pozzebom/Arquivo/Agência Brasil

O presidente Lula01 de março de 2025 | 09:49

Lula aposta em programas sociais para reverter crise, mas medidas podem ser insuficientes para 2026

brasil

A estratégia do governo Lula para reverter a queda de popularidade registrada por pesquisas recentes – que passa pela reformulação da comunicação e pela aprovação de políticas sociais e econômicas, como a liberação dos recursos do programa Pé-de-Meia nesta semana – enfrenta dois desafios centrais: o voto econômico já não garante o mesmo apoio de antes e a relação entre eleitorado e governante passou por mudanças estruturais.

O cenário, apontam cientistas políticos, reflete transformações profundas, como a mudança na percepção do eleitorado, que agora vê políticas assistencialistas não mais como concessões do governo, mas como direitos adquiridos; a polarização política calcificada, que tornou a economia mais um campo de disputa ideológica; e a ausência de uma agenda política clara no terceiro mandato do petista – fatores que, na avaliação de políticos ouvidos pelo Estadão, intensificam os desafios do núcleo do PT, que busca redefinir sua estratégia para as eleições presidenciais de 2026.

Nesta semana, a pesquisa da Quaest revelou que a desaprovação de Lula superou a marca de 60% nos três maiores colégios eleitorais do País – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – e mostrou uma escalada negativa no Nordeste, tradicional reduto petista. Desde dezembro, levantamentos do mesmo instituto e de outros, como o Datafolha, indicam que a insatisfação com o governo tem avançado até mesmo entre o núcleo duro do eleitorado lulista: os mais pobres, as mulheres, os católicos e os que se declaram pretos.

Os índices captados pela pesquisa foram acompanhados, nos últimos meses, por um aumento da inflação, que pressionou os preços dos alimentos e reduziu o poder de compra do brasileiro, além de uma sucessão de falhas na comunicação oficial do Planalto, como a polêmica em torno do monitoramento das transações do Pix.

A estratégia do governo, portanto, tem sido avaliar os sintomas da queda de popularidade sob uma ótica conjuntural, respondendo à crise tanto com políticas assistencialistas e econômicas, como o reajuste do salário mínimo, quanto com ajustes na comunicação, por meio da troca de comando na Secretaria de Comunicação da Presidência, explica o cientista político Antonio Lavareda. Embora a avaliação seja, em tese, correta, ela desconsidera mudanças estruturais na relação entre governo e eleitorado, alerta Lavareda.

“O problema é que o governo Lula trata as dificuldades como algo momentâneo e apenas circunstancial, mas não percebe que a dinâmica mudou. Mesmo que a economia melhore, a relação entre governo e eleitor não será automaticamente restaurada, porque as mudanças no comportamento eleitoral são estruturais e vão além do impacto conjuntural da inflação e da perda de poder de compra”, afirma Lavareda.

Os programas sociais, como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o ProUni, que antes se traduziam em apoio eleitoral quase automático por uma relação de gratidão política, hoje não garantem mais esse mesmo efeito: os eleitores se tornaram mais críticos e menos fiéis, enxergando esses benefícios como direitos adquiridos – tanto que foram mantidos por governos antipetistas – e não mais como favores governamentais que demandam retribuição nas urnas, explica Lavareda.
Além da resposta conjuntural insuficiente, o governo Lula enfrenta outro problema: a falta de uma agenda política clara e mobilizadora, com um eixo estruturante que galvanize apoio, redefina o lulismo e restaure seu apelo eleitoral, aponta Lavareda. Em Lula I e Lula II, o petista conseguiu estabelecer pautas emblemáticas, como o combate à fome e a ampliação de direitos sociais, consolidando sua identidade política.

No entanto, ao definir que a principal missão de Lula III seria reeditar os sucessos dos mandatos anteriores, o presidente criou um dilema para si mesmo: seus eleitores passaram a enxergar os programas sociais e benefícios do governo como uma obrigação, e não como uma conquista que gera fidelidade eleitoral. Dessa forma, completa o cientista político, não entregá-los pode resultar em punição nas urnas, mas mantê-los não garante, necessariamente, retorno político, fragilizando a base de apoio e dificultando a mobilização eleitoral para 2026.

“O terceiro mandato de Lula ainda não conseguiu definir um projeto político capaz de mobilizar o eleitorado para além das medidas econômicas e assistencialistas. Falta um eixo, um propósito claro. Não basta apenas lançar políticas; é necessário um direcionamento que dê sentido ao conjunto das ações governamentais. Mudar a comunicação e fazer novos anúncios não resolve. Qual é o propósito deste governo? Não há. Aí está o problema”, diz.

Em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV nesta segunda-feira, 24, Lula anunciou o início do pagamento do programa Pé-de-Meia, que concede bolsas a estudantes do ensino médio, e a ampliação da gratuidade no programa Farmácia Popular. Antes, o governo já havia lançado o Gás para Todos, que amplia o acesso ao vale-gás para famílias de baixa renda. O Planalto também aposta na aprovação de projetos no Congresso neste ano, como mostrou o Estadão, incluindo a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e mudanças no crédito consignado, que envolvem a redução de juros e a ampliação do limite para aposentados e beneficiários do INSS.

Para o deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles (Novo-SP), as medidas econômicas e assistencialistas, por si só, não são suficientes para estancar a queda de popularidade de Lula e podem, inclusive, gerar efeito contrário, ao serem percebidas como ações demagógicas e populistas voltadas para as eleições de 2026. “São medidas que subestimam a inteligência da população e acabam aprofundando a crise”, diz.

Salles também afirma que essas políticas geram um alto custo fiscal, transmitindo à sociedade a sensação de irresponsabilidade fiscal e de desespero diante da impopularidade.

O consultor do Orçamento do Senado, Helder Rebouças, avalia que, do ponto de vista orçamentário, alguns programas não apenas pressionam a dívida pública, mas também são alvo de críticas, como o Pé-de-Meia e o Gás Para Todos. Ambos estão sob questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) por não apresentarem previamente a fonte de financiamento nem o detalhamento da despesa no Orçamento, como exige a legislação. Os custos estimados dos programas são de R$ 13 bilhões e R$ 10 bilhões, respectivamente. “Trata-se de recursos sem a devida aprovação congressual para despesas públicas, o que não é permitido”, resume.

O deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia (PT-MG), por sua vez, discorda da avaliação de Salles, atribuindo a queda de popularidade de Lula a um “retrato do momento” e defendendo que os projetos assistencialistas e econômicos em tramitação no Congresso são suficientes para reverter esse cenário e recuperar a avaliação do governo. Entre as medidas, o parlamentar destaca a proposta de isenção do IR e as mudanças no crédito consignado.

“As pesquisas são ruins, mas também são um retrato de momento. Estamos esperançosos que o bom trabalho do governo, a colheita que o Lula tanto fala, vai chegar”, diz.

No Senado, a expectativa é semelhante à da Câmara. A senadora Teresa Leitão (PT-PE) diz que a base governista na Casa dará prioridade tanto aos projetos econômicos quanto aos sociais, incluindo o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece diretrizes para o desenvolvimento da educação no Brasil.

Mas o Planalto não terá vida fácil para aprovar os projetos. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) avalia que a viabilidade das medidas dependerá da reforma ministerial que teria que ampliar a base do governo. Nesta semana, Lula demitiu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, que será substituída por Alexandre Padilha. Com a mudança, Padilha deixa a Secretaria de Relações Institucionais, mas o cargo será ocupado por Gleisi Hoffmann em vez de um aliado de outro partido.

Polarização muda a forma como o eleitor avalia o governo
A calcificação da polarização política é outro fator que altera a lógica do voto econômico e dificulta a conversão de políticas em apoio eleitoral, explica o cientista político Felipe Nunes. Se antes o eleitor avaliava o governo com base em temas estruturantes, como o papel do Estado na economia, agora as escolhas estão cada vez mais polarizadas e influenciadas por valores e visões de mundo, com pautas culturais e identitárias ganhando espaço no debate político – o que reduz o peso das discussões econômicas e torna a construção de consensos ainda mais difícil.

“Até 2018, o voto, apesar de personalista, era mobilizado a partir de uma disputa entre esquerda e direita, ou entre centro-esquerda e centro-direita, variações, mas em torno da disputa sobre o papel do Estado na economia e focado numa agenda de política pública. Quando chega em 2018, deixamos de discutir o papel do Estado na economia e passamos a discutir valores, passamos a discutir visões de mundo. Passamos a buscar, não mais, o que pensam essas pessoas no que diz respeito à agenda econômica e política, mas eu passo a querer identificar qual é a identidade, quais são os valores dessas lideranças política”, explica.

O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino acrescenta que, em um cenário de polarização, mesmo com indicadores econômicos positivos – com o salário mínimo subindo acima da inflação e o aumento dos gastos públicos com saúde e educação – Lula não consegue converter esses fatores em capital eleitoral. Consentino explica que esse fenômeno não é exclusivo do Brasil. Como exemplo, ele cita o caso dos Estados Unidos, onde o então presidente democrata Joe Biden, apesar dos bons índices econômicos, enfrentava baixa aprovação nos meses que antecederam as eleições presidenciais de 2024.

“Assim como lá, aqui também há uma forte polarização. O bom desempenho econômico, por si só, não garante votos, porque a disputa política hoje é muito mais pautada por valores. Nesta situação de polarização, a economia pesa quando piora, mas não necessariamente impulsiona a popularidade quando melhora porque outros fatores pesam mais na decisão do eleitor”, explica.

O professor de ciência política também ressalta que as últimas eleições presidenciais foram definidas mais pela rejeição ao incumbente do que por projetos estruturantes, resultando em bases eleitorais instáveis e fragmentadas. “Grupos que se unem para derrotar um adversário tendem a se dispersar rapidamente após a vitória”, explica.

Lula III tentou construir uma frente ampla, explica Consentino, mas partiu de uma leitura equivocada do contexto eleitoral. “Lula não foi eleito em 2022 para reeditar as gestões petistas anteriores, mas para impedir um segundo governo Bolsonaro”, afirma. Essa interpretação resultou em um governo contraditório, que frustra bases eleitorais específicas: enquanto as classes mais pobres, que votaram no petista, esperam um Estado que fortaleça políticas sociais, a crescente classe de empreendedores deseja um governo menos intervencionista, gerando tensões dentro da própria base de apoio. “Isso cria um impasse, por exemplo, para a equipe econômica, que precisa equilibrar demandas conflitantes de dois grupos fundamentais para a frente ampla que garantiu a vitória de 2022″.

Esse desalinhamento, aponta a antropóloga, socióloga e professora da Universidade de Dublin (Irlanda), Rosana Pinheiro-Machado, é perceptível no crescimento de um eleitorado que valoriza a ideologia do mérito, associando o sucesso individual ao esforço pessoal e à superação de obstáculos. Para esse grupo, explica, o Estado não é visto como um amparo, mas como um “inimigo” que impõe entraves burocráticos, cobra impostos excessivos e não oferece serviços públicos de qualidade.

“Esse eleitorado – composto por empreendedores, especialmente em classes mais baixas e zonas periféricas, além de evangélicos – afasta parte da base de baixa renda da lógica do voto econômico, que antes tendia automaticamente a Lula”, conclui Pinheiro-Machado.

Para Lavareda, os índices de aprovação de Lula são preocupantes, especialmente porque, no mesmo período antes da eleição de 2022, Bolsonaro enfrentava um cenário semelhante em 2021 e não conseguiu reverter a tendência negativa. A saída para Lula, pontua, não está apenas em garantir crescimento e renda, melhorando os indicadores econômicos, mas em reconstruir um vínculo político com um eleitorado mais volátil e menos previsível – o que exige reconhecer as mudanças estruturais em curso e ajustar tanto sua comunicação quanto sua agenda política para um novo contexto.

“Sem um novo eixo político claro, o governo pode chegar a 2026 enfraquecido, refém de uma base fragmentada e sem força suficiente para garantir sua continuidade”, conclui.

Hugo Henud/Estadão ConteúdopOLITICAlIVRE

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