Arthur Guimarães de Oliveira
Folha
O advogado Ives Gandra Martins pede um paletó ao entrar na sala de reunião ligada ao gabinete pessoal localizado em um edifício na região central de São Paulo. É quarta-feira (dia 5), uma semana antes do aniversário de 90 anos.
Referência entre aliados de Jair Bolsonaro (PL), Ives Gandra descarta em entrevista à Folha a possibilidade de o ex-presidente concorrer de novo em 2026. Mesmo com uma reviravolta no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não acredita em um respaldo do STF (Supremo Tribunal Federal). Também disse ver no presidente Lula (PT) a dificuldade da idade, sem que haja um sucessor para ele na esquerda.
O sr. tem sido crítico do STF nos últimos anos. Na sua opinião, qual é o principal excesso cometido pelo tribunal?
Sou crítico da interpretação que eles dão ao direito constitucional. Qual é a opinião deles? Que quando há um princípio constitucional de múltipla interpretação —dignidade da pessoa humana— o Supremo entende que cabe a eles a interpretação. Assim eles fizeram com o marco temporal, a relação entre pessoas do mesmo sexo, agora o marco da internet. Essa é a divergência. Acho que eles nunca podem ser senão legisladores negativos, dizer se uma lei é constitucional ou não, enquanto eles entendem que, se são provocados e o Congresso não fez a lei, podem interpretar o princípio geral.
Como resolver o problema das emendas parlamentares, que é motivo de embate não só entre Supremo e Congresso, mas também governo federal?
Pessoalmente, acho um absurdo as emendas parlamentares. Acho que isso fragiliza os orçamentos, mas não é competência do Supremo interferir em algo que é da típica relação política entre o Executivo e o Legislativo. Eles têm que conversar. Se um governo é fraco, o governo cai, entra um outro grupo, recaptura os orçamentos. A única solução é nas próximas eleições mudar. É um risco da democracia. Mas são competências dos representantes do povo. A solução não é dizer que, como Executivo e Legislativo não se entendem, então o Judiciário vai começar a fazer política.
O sr. acredita que este Executivo é fraco?
A verdade é a seguinte: ele não está conseguindo. Tem uma parte dos ministérios com partidos que vão ter concorrentes nas eleições, partidos que nas eleições municipais foram contra o partido do presidente. Tenho a impressão que, enquanto o presidente da República fizer questão de manter uma polarização, passamos a ter dificuldade de governo, porque há necessidade de manter a radicalização, ele deixa de dedicar-se exclusivamente a governar. A manutenção da radicalização dificulta, a meu ver, uma administração mais coerente. É o que nós estamos vendo: a dificuldade dele no Congresso, a inflação retornando.
Como o sr. avalia a situação jurídica do país?
Com essa polarização, o Supremo vai assumindo funções políticas. Essa função de ser uma espécie de vigilante do Poder Executivo e do Legislativo, fazendo as leis, interferindo na administração pública, faz com que o Supremo seja tratado também como um agente político. Quem concorda bate palmas. Quem não concorda xinga. Nós não temos mais aquela imagem quase que sacrossanta do Supremo até a aposentadoria de Moreira Alves, Sydney Sanches, Ilmar Galvão. Passamos a ter um Supremo que decide juridicamente muito bem, mas que intervém em questões políticas.
Como o sr. avalia a condução dos inquéritos relativos aos atos antidemocráticos e à trama golpista?
Aquilo não foi trama. Fui professor das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército. Tinha absoluta convicção que os militares jamais entrariam num golpe de Estado. Em 2022, fiz uma declaração dizendo que o risco era zero, multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero. Conhecia os militares. Tanto é verdade que, enquanto havia multidões em frente aos quartéis, nenhum deles tomou alguma medida. Quando, no dia 8 de janeiro, houve aquela baderna, nenhuma das pessoas estava com uma arma. Havia um contingente pequeno de militares sem ter dado um tiro sequer.
Como o sr. analisa as revelações da Polícia Federal a respeito de uma trama para assassinar o presidente, o vice e o ministro Alexandre de Moraes?
Mas como trama? Uma decisão dessas teria que ser tomada pelo Alto Comando das Forças Armadas. A impressão que tenho é que aquilo que um grupo pequeno de militares pode ter trocado de ideias era, no máximo, um plano tão absurdo que nem poderia ser posto em execução e não foi. Tanto é verdade que não houve nada, nem início. Estou convencido de que aquele plano absolutamente absurdo, se é que foi um plano ou coisas assim colocadas, jamais, jamais, jamais teriam possibilidade de êxito, porque dependeriam do apoio do Exército, Alto Comando; da Marinha, Alto Comando; e da Aeronáutica.
Têm ocorrido articulações no Congresso a respeito de um projeto de anistia e de redução do prazo da inelegibilidade de oito para dois anos. Qual a avaliação do sr.?
Para mim, esse movimento, no dia 8, de protesto, não poderia ser um golpe de Estado, porque desarmado ninguém dá golpe de Estado. Como eu não vejo nisso um atentado violento ao Estado de Direito, mas uma baderna, sou favorável à anistia. Sobre a redução de inelegibilidade, a minha visão é a de que a função da Justiça Eleitoral é respeitar ao máximo a vontade do eleitor, só se houver alguma coisa extremamente violenta, que represente um ato violento, não uma manifestação boba. Acho que poderia ser reduzido perfeitamente, até.
Qual é o candidato mais competitivo para 2026 na opinião do sr.?
Vejo Lula com dificuldade da própria idade. Você está falando com um sujeito de 90 anos…
Mas o sr. está ótimo, não?
Não, estou péssimo, com andador, tudo. A cabeça ainda funciona um pouquinho, mas o resto não. Todas as palestras, sustentações orais, eu faço online. Eu não tenho mais condições nem de subir escada de avião. É bem verdade, são 90 anos, não são 79, mas ele vai estar com 81. Já teve câncer, uma série de problemas. Ou vai ter condições físicas, ou não. Se tiver, vai ser candidato. Se não, vai ter que escolher um. E não vejo ninguém na esquerda com o carisma do Lula.
E Bolsonaro?
Do outro lado, mesmo que o TSE dê a possibilidade de o presidente Bolsonaro concorrer, não acho que o Supremo mantenha. Dificilmente nós teremos Bolsonaro. Vejo cinco candidatos: [Romeu] Zema, [Eduardo] Leite, Ratinho [Jr.], Tarcísio [de Freitas] e [Ronaldo] Caiado. Se eles conseguirem ter um candidato único ou uma campanha em que não se agridam mutuamente e se não houver a mudança da política econômica do presidente, acho que os conservadores terão chance.