Tecnologia
Segunda-feira, 20/06/2011
Relatório da ONU mostra restrições em todas as regiões do globo, e motiva decisão de declarar o acesso à rede como um direito humano
20/06/2011 | 00:21 | Agência EstadoA internet é a nova fronteira na luta da Organização das Nações Unidas (ONU) pela defesa da liberdade de expressão. O primeiro relatório sobre a relação entre governos e rede, publicado em maio, chega a uma conclusão alarmante: a internet está sob ataque de governos em quase todas as regiões do mundo e precisa ser protegida. A partir disso, a decisão foi declarar o acesso à internet um direito humano – como o direito à saúde, à educação e à moradia. Governos que desconectarem sua população estarão, assim, violando direitos básicos e a lei internacional.
Frank La Rue, autor do documento e relator especial da ONU para a liberdade de expressão, destaca o papel central da rede nas revoltas nos países árabes. “A onda de protestos mostrou a capacidade de mobilização que a internet pode ter no apelo à Justiça.” No Egito, a primeira sentença contra o ex-ditador Hosni Mubarak foi uma pena e uma multa milionária por desconectar o país.
Opinião
Nova geração quer mais liberdade
Ninguém sente falta do que nunca teve. Para a grande maioria dos chineses, as restrições ao uso da internet parecem totalmente normais. Os hábitos de consumo de informação sempre estiveram adaptados a essas limitações. Mas, quanto mais a China se abre para o mundo, maior é a reação de quem vive no país por mais conectividade. E ao que parece, a coisa anda a passos largos – os chineses têm redes sociais próprias e a geração Y começa a crescer e pressionar por mudanças. Os chineses que viajam ou estudam fora têm noção de que é possível ter mais do que eles têm. Ouve-se falar por aqui que o governo está investindo em mais pessoal e mais tecnologia, para ampliar a liberdade – subentende-se que é porque vão poder controlar mais. Há quem diga que a abertura controlada não fará mal. Mas o quanto se limita é sempre uma questão controversa. Para nós, estrangeiros, há pouca diferença. A maioria usa um serviço chamado de Virtual Private Network (VPN), um artifício que desloca sua conexão para outro lugar do mundo – ao custo de US$ 55 por ano. Ainda assim, me parece que o Great Firewall logo, logo, virará história.
* Pedro Ferraz Paciornik, relações públicas, é gerente de estratégia de comunicação e gestão de marca do Grupo Volvo Caminhões na Ásia. Curitibano, mora em Pequim (China) há dois meses.
Carta aberta
Grupo de hacktivismo rebate crítica da Otan
“Não cometam o erro de desafiar o Anonymous”. É assim que o grupo de hacktivismo responsável por diversos ataques a sistemas de empresas que foram contra o WikiLeaks termina uma longa carta publicada em resposta a um documento em que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) cita abertamente o coletivo como uma ameaça – dizendo que o grupo “está cada vez mais sofisticado e poderia invadir arquivos delicados do governo, de militares e de empresas”. Leia abaixo uma versão editada da carta:
“O Anonymous gostaria de lembrá-los que o governo e o povo são, ao contrário do que dizem os supostos fundamentos da ‘democracia’, entidades distintas com objetivos e desejos conflitantes. A posição do grupo é a de que, quando há um conflito de interesse entre o governo e as pessoas, a vontade do povo deve prevalecer. A única ameaça que a transparência oferece aos governos é a ameaça da capacidade de eles agirem de uma forma que as pessoas discordariam, sem ter de arcar com as consequências.
O Anonymous não aceita que o governo e/ou os militares tenham o direito de estar acima da lei e de usar o falso clichê da ‘segurança nacional’ para justificar atividades ilegais e enganosas. Se o governo deve quebrar as leis, também deve estar disposto a aceitar as consequências democráticas disso nas urnas.
Anonymous e WikiLeaks são entidades distintas. As ações do Anonymous não tiveram ajuda nem foram requisitas pelo WikiLeaks. No entanto, ambos compartilham um atributo comum: eles não são uma ameaça para nenhuma organização – a menos que tal organização esteja fazendo alguma coisa errada e tentando fugir dela.
Nossa mensagem é simples: não mintam para o povo e vocês não terão de se preocupar sobre suas mentiras serem expostas. Não façam acordos corruptos e vocês não terão de se preocupar sobre sua corrupção sendo desnudada. Não violem as regras e vocês não terão de se preocupar com os apuros que enfrentarão por causa disso.
Finalmente, não cometam o erro de desafiar o Anonymous.”
Para a entidade, a rede é hoje um dos principais instrumentos de exercício do direito de expressão. “E não podemos achar que esse direito é menos importante. É ele que possibilita os direitos econômicos, sociais e culturais, entre eles os direitos civis”, diz o relator. “Por agir como catalisador dos direitos de liberdade de expressão, a internet é um facilitador de uma série de outros direitos humanos.”
Cartas
O relator iniciou em 2010 uma intensa campanha contra as crescentes restrições impostas por governos à internet. A ONU enviou cartas a mais de 20 governos pelo mundo questionando as dificuldades impostas a usuários de internet em 2010 e 2011. Em todos os casos, um traço comum no comportamento dos governos: o medo de que informações circulando na rede ameaçassem sua permanência no poder.
Pela conta da entidade, só em 2010, mais de 110 blogueiros foram presos no mundo, 70% deles na China. Irã e Vietnã disputam o segundo lugar. “Não há dúvidas de que governos têm incrementado a restrição à tecnologia como forma de evitar que a oposição se reúna”, explica La Rue. “A principal preocupação é que expressões legítimas estão sendo criminalizadas, e isso é contrário às obrigações internacionais de governos em relação aos direitos humanos”, diz o relator.
Mundo todo
As preocupações da ONU não se limitam aos países considerados párias. Em seu relatório, La Rue deixa claro que governos como o da França, o do Reino Unido e o da Hungria também vêm aumentando o controle sobre a rede de forma preocupante. Na maioria dos casos registrados na Europa, a luta contra a pirataria e ataques digitais seriam os argumentos para justificar a desconexão de um indivíduo.
Outra preocupação é com a defesa que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, vem fazendo daquilo que ele chama de “internet civilizada”. A ONU se preocupa com o que isso quer dizer.
Segundo La Rue, há dois tipos de estratégia hoje para censurar a internet. A primeira é o uso de leis criminais já existentes, aplicadas a blogueiros e outros ativistas digitais. A segunda: uma série de governos vem adotando novas leis, para endurecer penas contra usuários da internet–isso sem falar nas restrições que estão ocorrendo por parte de governos sem qualquer base legal.
Na maioria dos casos, governos justificam as novas leis sob a alegação de que precisam proteger a reputação de indivíduos, garantir a segurança nacional ou conter o terrorismo. Outro argumento é o do perigo de ataques digitais. “Há um abuso claro nos argumentos. Na prática, não passam de novas leis de censura diante do surgimento de um novo instrumento de comunicação”, afirma La Rue.
Uma dessas ações consideradas, a partir de agora, como violação dos direitos humanos é a de desconectar cidadãos tidos como ameaçadores ou que estejam pirateando, como acontece hoje na França. “Desconectar alguém da internet como punição é algo que deve acabar.”
La Rue rejeita a tese de que a ONU esteja defendendo uma internet “sem controles nem regras”. As restrições aceitáveis seriam aquelas já previstas em declarações universais, como o combate à disseminação do ódio, racismo e crimes considerados como consensuais, como pornografia infantil.
O relator da ONU admite que o problema dos ataques digitais é real e reconhece a ameaça em relação aos dados pessoais que circulam na rede. Mas, para a ONU, regras nacionais isoladas não resolverão os problemas.
Na União Internacional de Telecomunicações (UIT), técnicos e políticos já falam da necessidade de um “acordo de paz” para a internet. “Todos sabemos que, se houver uma nova guerra mundial, ela ocorrerá a partir do espaço digital”, declarou Hamadoun Toure, secretário-geral da UIT. “Um acordo de paz será fundamental e terá de incluir governos, setor privado e sociedade.”Fonte: Gazeta do Povo