Economia
Sexta-feira, 03/06/2011
Marcos Labanca/Gazeta do Povo
Produção de suínos no Oeste do Paraná: decisão russa agrava a situação de um setor que já alega perdas e teme desestímulo à atividadeFrigoríficos de outros dois estados também não podem mais vender à Rússia; missão brasileira irá a Moscou para reverter decisão
Publicado em 03/06/2011 | Maria Gizele da Silva, da sucursal, e José Rocher, com Agência EstadoA Rússia vai bloquear a entrada de carne bovina, suína e de frango nos portos do país a partir do próximo dia 15, alegando problemas sanitários. O anúncio foi feito ontem pelo porta-voz do órgão de segurança alimentar, Alexei Alexeyenko, à agência de notícias russa Interfax. A decisão pegou de surpresa o governo brasileiro, produtores e indústria, e afeta 89 frigoríficos do Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. O impacto no mercado paranaense deve ser de US$ 8 milhões – cerca de R$ 12,6 milhões – por mês, conforme estimativa do Sindicarne, que representa a indústria.
O embargo descredencia 27 frigoríficos do Rio Grande do Sul, 39 no Paraná e 23 no Mato Grosso. Com isso, a maior parte dos US$ 2 bilhões arrecadados pelo Brasil por ano na comercialização de carnes ao mercado russo será afetada. O mercado suíno será o mais prejudicado, pois a Rússia compra 43% da carne exportada pelo Brasil e 33,5% do que o Paraná exporta (veja quadro nesta página).
Mercado doméstico
Consumidor nacional é beneficiado
As entidades exportadoras acreditam que outros mercados internacionais e o próprio mercado interno vão absorver a produção barrada pelos russos. A maior oferta de carne no mercado interno pressiona os preços para baixo e pode tornar o alimento mais barato ao consumidor final. No entanto, o setor produtivo e industrial ainda não faz projeções sobre o impacto do bloqueio russo. O que ficou evidente ontem é que existe um temor de que a receita de empresas e produtores caia, desestimulando a atividade.
Nos supermercados de Curitiba, os preços das carnes estão abaixo dos picos registrados no fim de 2010. O quilo da picanha, que chegou a R$ 50, agora pode ser facilmente encontrado na faixa de R$ 30. O frango congelado varia entre R$ 3 e R$ 4,99 por quilo, o que mostra que, mesmo que não haja oferta extraordinária dessa carne, há margem para reduzir o preço nas etiquetas se a carne suína, concorrente indireta, começar a baixar.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, acredita que o embargo seja revertido e que, por isso, não haverá impactos prolongados no mercado brasileiro. Já o presidente do Sindicarne no estado e da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, diz que o risco de outros países usarem a avaliação russa para questionar a qualidade da carne brasileira é pequeno. Em sua avaliação, existe um consenso internacional de que o governo de Moscou age de forma temperamental. (MGS e JR)
Rússia duela com Brasil sobre OMC
A imposição de restrições às carnes brasileiras pela Rússia pode ter relação com as negociações do país para entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC). Após dez anos de negociações, a Rússia quer concluir o processo ainda neste ano. Na terça-feira, houve uma reunião em Genebra entre autoridades russas e de países membros da OMC para tratar do tema, mas não houve progressos na relação entre Brasil e Rússia.
Dentro de um ano, de acordo com a tendência dos anos anteriores, a balança comercial paranaense terá R$ 150 milhões a menos nas exportações devido ao embargo. “O impacto é praticamente o mesmo de quando o Brasil teve as importações interrompidas pela Rússia por causa da febre aftosa em 2005”, considera o presidente do Sindicarne no estado e da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar.
Desconfiança
As razões alegadas para a interrupção da importação são vistas com desconfiança no Brasil. “Não existe razão técnica para o embargo, outros mercados mais exigentes são nossos parceiros, não aceitamos essa alegação de problemas sanitários. O que também é estranho é o prazo que nos deram. Até o dia 15 a nossa carne é boa, e depois não é mais?”, questiona o presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Francisco Turra. “Parece muito mais que a Rússia está tentando aumentar a produção interna com o fechamento das importações porque os critérios usados por eles são muito subjetivos”, acredita o médico veterinário do Departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), Fabrício Amorim Monteiro.
Como os bloqueios à carne brasileira já estavam sendo adotados pelo governo russo, uma comitiva liderada pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB) visitou no mês passado as entidades representativas em Moscou. Na ocasião, foram apresentadas todas as informações técnicas solicitadas. “Pela segunda vez, a notificação chega sem nem mesmo ter sido enviado ao governo brasileiro o relatório técnico das inspeções russas feitas no Brasil”, destaca o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Francisco Jardim. A assessoria de imprensa do ministério informou que, na próxima segunda-feira, haverá uma reunião entre os técnicos do ministério e todas as entidades exportadoras de carne para avaliar o impacto da medida. Além disso, está prevista uma nova visita a Moscou ainda neste mês.
Mercado de suínos é mais prejudicado
A decisão russa de suspender a compra de suínos do Paraná e outros estados caiu como um “balde de água fria”, segundo o presidente da Associação Paranaense de Suinocultores, Carlos Francisco Geesdorf. Ele afirma que o setor já vem sendo prejudicado pelos bloqueios do mercado russo e que outros fatores, como o baixo consumo da carne no Brasil em relação aos concorrentes (bovinos e aves) e o alto custo de produção, desestimulam os produtores.
“O produtor já está perdendo R$ 70 por suíno produzido”, aponta Geesdorf. A situação é tão preocupante que, na quarta-feira, um dia antes do anúncio do embargo, a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos já havia se reunido para discutir medidas emergenciais de auxílio ao setor, como a diminuição da oferta de suínos para o abate, um preço mínimo de comercialização e a redução do plantel em 10% das matrizes.
O suinocultor João Conrado Schmidt Junior, de Ponta Grossa, tem 300 matrizes e não é exportador, mas reclama que as condições já são difíceis. “O nosso custo de produção está em torno de R$ 2,30 a R$ 2,50 o quilo, enquanto o preço pago é de R$ 1,80 a no máximo R$ 2,10 por quilo”, ressalta. “Com o embargo, acho que vai ter mais carne no mercado interno e o preço vai ficar ainda pior para nós, produtores”, acrescenta.
O perfil do consumidor brasileiro de carne mostra que há menos espaço para o porco que para o boi e o frango. A suinocultura faz campanha para convencer a população de que a carne suína não é mais sinônimo de colesterol alto, mas os resultados custam a aparecer nas estatísticas. Em média, o brasileiro consome 14 quilos de suíno, 35 quilos de bovino e 40 quilos de ave anualmente. No caso da carne bovina, o consumo interno é bem maior e ficará mais fácil para os distribuidores diluírem o excedente. Em relação à carne de frango, o volume das exportações também ajuda. Os embarques são pelo menos 25 vezes maiores que a quantidade barrada por Moscou.
Além do baixo consumo, a ração está mais cara. No Paraná, conforme a Secretaria de Estado da Agricultura, a saca de 60 quilos de milho subiu 43% de abril de 2010 para o mesmo mês deste ano, enquanto que o farelo de soja teve alta de 40% no mesmo período. O Paraná tem cerca de 30 mil suinocultores, sendo que a produção em 2010 ficou em 5,2 milhões de cabeças abatidas.
Fonte: Gazeta do Povo