Carlos Chagas
Ao ser diplomada presidente da República, sexta-feira, Dilma Rousseff deverá enfatizar a idéia-base que norteou sua campanha: acabar com a pobreza no país. Meta de realização difícil, quase impossível para um ou dois mandatos, mas elogiável quando se trata de dar mais um passo na penosa marcha até a realização da justiça social.
Vão, descompromissadamente, três sugestões capazes de ajudar, já que o uso racional de recursos públicos insere-se na primeira fila da concretização do objetivo da presidente eleita:
1) Por que não restringir às exigências legais, às campanhas mercadológicas e à prestação de serviços essenciais, a publicidade das empresas estatais e da administração direta? É impossível calcular tudo o que o poder público repassa anualmente aos meios de comunicação, grandes e pequenos, na maior parte de maneira fajuta, apenas para garantir simpatia ou atenuar críticas. A Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e os Correios, por exemplo, não têm porque patrocinar telejornais, financiar jornais e revistas anunciando planos e realizações incapazes de conquistar-lhes um simples freguês ou correntista. Que patrocinem esportes, artes e atividades comunitárias, tudo bem. Mas notícias e informações, de jeito nenhum. A mídia, no sistema capitalista que tanto defende, que vá buscar patrocínio nas empresas privadas. Jamais nas tetas dos cofres públicos.
2) Grande economia faria o estado brasileiro caso mandasse suspender todo e qualquer repasse de dinheiro para as Organizações Não Governamentais. Nem se fala das ONGs fajutas, fantasmas, criadas apenas para sugar o tesouro nacional através de emendas parlamentares ao orçamento e outros expedientes. Mesmo as sérias, aquelas que prestam serviços comunitários ou servem aos direitos humanos e sucedâneos, se são “não governamentais”, porque atrelam-se aos recursos do governo? Vão buscar na sociedade os meios de prestar-lhe serviços. Quantas centenas de milhões seriam economizados para aplicação no combate à pobreza?�
3) Por último, nesse arremedo de sugestões quase impossíveis de viabilizar-se, por que não extinguir de uma só vez os famigerados cartões corporativos que fazem a festa de muitos ministros e ministérios, além de empresas estatais e instituições públicas como a Abin e outras? A proposta pode ter sido boa quando criada, mas os abusos sucedem-se em ritmo alucinante. Se era para agilizar a ação da máquina administrativa federal, e acabou num buraco sem fundo, que tal voltar ao modelo antigo, de verbas empenhadas para despesas urgentes, só que dentro de padrões modernos e sem burocracia? Possível é, ainda mais ao atentar-se para o volume de gastos supérfluos, quando não marotos e ilegais.
Até a posse, no primeiro dia de janeiro, outras receitas poderão reunir-se a estas, ainda que, vale repetir, só por milagre poderão quebrar a barreira de abomináveis fatos consumados aos quais os governos acostumaram-se.
O SINO E A PROCISSÃO
Saiu-se com bela imagem o senador Mão Santa, por sinal não reeleito para a próxima Legislatura. Disse que “ou se toca o sino ou se acompanha a procissão”. As duas coisas, não dá.
Dilma Rousseff anunciou, logo depois de eleita, que seu ministério seria meio técnico, meio político. A prática vem sendo cruel, nesse período de montagem de sua equipe. A predominância está sendo para a política, não obstante a solidez até agora registrada no grupo técnico. No correr da semana a presidente eleita deve escolher os 21 ministros que faltam, pois até agora 16 foram anunciados. Pelo jeito, a maioria virá da procissão de pedintes que integram os partidos, quase todos atrás das graças e dos milagres da Santa, incapazes de tocar o sino. O perigo é desfazer-se a imagem de um ministério eficaz e competente, atropelado por indicações partidárias fisiológicas.
CINCO PARTIDOS NUM SÓ
Reúne-se amanhã a bancada do PT na nova Câmara, com direito à presença de líderes que não são deputados. Apesar de a pauta indicar os entendimentos finais para a escolha do futuro presidente da casa, na verdade estará acontecendo mais um capítulo da guerra de foice em quarto escuro travada entre os companheiros. Porque o PT não é um. São cinco, a saber: “Construindo um Novo Brasil”, “Mensagem”, “Democracia Socialista”, “Movimento PT” e “Articulação de Esquerda”.
Cada grupo se apresenta de goela aberta, em busca da nomeação de ministros. Os “construtores” já emplacaram oito, os “mensageiros”, três. Os demais permanecem à mingua, mas ávidos de um lugar ao sol. Enfrentam-se com mais gana do que com outros partidos, insensíveis ao apelo do presidente Lula para unirem-se em torno de Dilma Rousseff. União estranha, essa prevista para amanhã.
DIFICULDADES NA PACIFICAÇÃO
Desde as preliminares da invasão do Complexo do Alemão, no Rio, milhares de fotos e de imagens televisivas vem mostrando fenômeno singular: o emaranhado de fios envolvendo postes e casas como numa imensa teia de aranha. Perigosa, por sinal, já que os curtos circuitos estão a um minuto de registrar-se. Trata-se de obra de eletricistas profissionais e de amadores, tudo para as comunidades receberem, sem pagar, ligações capazes de permitir-lhes acesso gratuito à energia que alimentará lâmpadas, fornos de micro-ondas, aparelhos de televisão e até computadores. São os célebres “gatos”. Faz décadas que os fiscais da famigerada Light não sobem o morro. Nem subirão, mesmo com as áreas pacificadas. Arrisca-se a ser posto para fora aos ponta-pés quem se propuser a reordenar aquele caos, passando a cobrar pelo consumo. As comunidades iriam preferir até mesmo o retorno dos traficantes, mas pagar contas de luz, de jeito nenhum. E agora, fazer o quê, quando a Força de Pacificação está prestes a assumir?
Fonte: Tribuna da Imprensa