Carlos Chagas
De forma incompleta e apressada, tentamos ontem apresentar como se desenvolveu o processo de tomada de decisões nos oito anos do presidente Lula. Em nossa concepção, um modelo onde o chefe do governo, mantendo o controle decisório e a autoridade advinda das urnas, avocou o atacado mas deixou o varejo para um auxiliar maior e outros igualmente importantes, subordinados ao primeiro. Ao período de José Dirceu na chefia da Casa Civil, mesmo exagerada a sua atuação, seguiram-se os “anos Dilma”, na medida certa, mesmo consideradas as diferenças de personalidade e experiência de cada um.
Buscamos alinhar um preâmbulo, que a prolixidade tornou tão longo a ponto de tomar uma coluna inteira, ontem, ficando para hoje o objetivo maior destas considerações, ou seja, como se dará o processo de tomada de decisões no governo Dilma Rousseff. Uma aventura a que nos lançamos sem base nos fatos, que ainda não aconteceram? Uma previsão capaz de ser desmentida nas primeiras semanas da nova administração? Quem quiser que venha cobrar depois, mas a especulação, se tem feito poucos videntes, consiste numa das molas mestras da História.
Seguirá a nova presidente a cartilha do primeiro-companheiro, delegando a formulação de planos e projetos a auxiliares de confiança, em especial um maior, optando pelas diretrizes fundamentais e dedicando-se a conquistar o apoio nacional pela auto-exposição permanente?
Ou, no reverso da medalha, Dilma ficará enclausurada em seu gabinete, negando a delegação do varejo a um ministro, para cuidar dele, atendo-se ao atacado?
A crônica recente, mesmo dos tempo bicudos do autoritarismo, apresenta dois exemplos: o general Garrastazu Médici deixava ao ministro Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil, a condução política e administrativa do país, ainda que delegasse ao general Orlando Geisel as questões de segurança e ao ministro Delfim Netto as surpresas da economia. Era sua a palavra final, mas por conta dessa divisão tripartite, encontrava tempo até mesmo para algumas partidas de “biriba” às quintas-feiras à tarde e nos fins de semana. Já o general Ernesto Geisel, mesmo tendo o general Golbery do Couto e Silva como chefe da Casa Civil, era tido como “o ministro de todas as pastas, o diretor de todos os departamentos e o chefe de todas as seções do serviço público”, conforme monumental diagnóstico do saudoso Pompeu de Souza.
E Dilma, com todo o respeito ao seu passado de guerrilheira, estará mais para Médici ou para Geisel?
Tudo leva a crer que a nova presidente abandonará o modelo Lula, ou seja, não terá um primeiro-ministro como foram José Dirceu e ela mesma. O processo de tomada de decisões seguirá a linha que adotou no ministério de Minas e Energia e, depois, na Casa Civil? Vai querer saber de tudo, cobrar tudo? Tomara, pelo menos, que de forma mais amena do que quando ministra, exigindo, gritando e exasperando-se, mas, no final, com o domínio completo de todas as iniciativas, acompanhando quaisquer desvios ou fracassos diante de suas diretrizes.
Por que, então, Dilma escolheu para chefe da Casa Civil um personagem talhado para comportar-se tanto quanto Disraeli ou Gladstone, isto é, um perfeito primeiro-ministro? Ignoram-se as atribuições do ex-titular da Fazenda, mas tudo indica que senão um controlador ou um cobrador, será pelo menos um formulador. Sua presença como principal elemento da comissão de transição entre os dois governos demonstra estilo peculiar. Prefere atuar de modo macio, sem confrontos nem conflitos, mas com a firmeza que o caracterizou à frente da política econômica na primeira fase do governo Lula. Nesse aspecto, serve de contra-ponto à própria Dilma, porque não grita, não se exaspera e nem pretende impor-se pela hierarquia. Talvez repouse nessas qualidades ou nessas fraquezas a razão maior de porque a presidente eleita o escolheu: uma instância de tranquilidade em meio às crises que fatalmente virão.
De qualquer forma, tudo o que for decidido terá a participação de Palocci. Não a exclusividade de José Dirceu ou a centralização da própria Dilma, mas a palavra de cautela necessária em todos os debates e embates.
Gilberto Carvalho, na Secretaria Geral da presidência, poderá dispor de inúmeras atribuições, mas a principal será de ponte entre o passado e o presente. Jamais um espião do Lula infiltrado no novo governo, mas alguém capaz de evitar as intrigas que fatalmente se registrarão logo nas primeiras semanas da nova administração.
Quanto ao ministério, devem precaver-se os escolhidos. Decidirão muito pouco e serão cobrados pela própria presidente. Especula-se sobre quem será o primeiro a ser flagrado em incorreções ou desvio de conduta. Coitado. Será catapultado mais depressa do que um tiro de meta.
A indagação persiste, no entanto: o processo de tomada de decisões fluirá a partir da discussão entre o grupo palaciano em condições de voltar a reunir-se todas as manhãs ou chegará ao palácio do Planalto já pronto, vindo do palácio da Alvorada, dentro da viatura presidencial? Terão os ministros que entrar no gabinete de Dilma com a lição decorada na ponta da língua, temerosos de cobranças inflexíveis ou, tendo passado antes pela Casa Civil, para conquistar um aliado?
Outra dúvida a dirimir refere-se ao relacionamento da nova presidente com o Congresso. Ela atravessa período de sofrimento, obrigada a compor-se com o que há de mais fisiológico nos partidos da base oficial. Está obrigada a abrir mão da disposição de escolher os melhores para o ministério, os mais capacitados para cada setor. Não é o que acontece quando a gente lê que determinado líder partidário estava cogitado para uma pasta social e agora poderá ocupar outra, ligada à infra-estrutura. Como não tem preparo para uma nem outra, o escolhido dá de ombros. Mas tomará parte no processo das decisões governamentais?
Há que aguardar a posse, ficando uma última questão: popularidade é valor imprescindível a qualquer governo democrático. Embora sem repetir a performance do Lula, Dilma precisará apresentar-se. Viajar um pouco, ainda que não viajar muito. Que decisões apresentará à população, e como serão tomadas?
Fonte: Tribuna da Imprensa