Carlos Chagas
Durou pouco a última reunião do ministério do presidente Lula, ontem pela manhã. Nenhuma decisão a tomar, nenhum projeto a ser aprovado. Sequer uma prestação de contas. Simplesmente uma despedida, com os ministros agradecendo ao presidente Lula a oportunidade de ter trabalhado com ele. E uma exortação do próprio para que continuem trabalhando até 31 de dezembro.
Essa foi a embalagem do encontro, tornando-se necessário perscrutar o conteúdo. A reunião deu a impressão de um misto de velório e de festa de batizado, se a imagem não for irreverente. Porque lá estavam ministros com certeza de que não continuarão no governo Dilma Rousseff e ministros senão já confirmados, ao menos com todas as chances de permanecer na nova equipe. Uns tristonhos, outros eufóricos.
Seria maldade e precipitação alinhar nomes, até porque garantir, ninguém garante a respeito dos integrantes dos dois grupos. Quem sabe estavam presentes ontem ministros desesperançados de continuar, mas que daqui a alguns semanas se surpreenderão com convites para permanecer? E vice-versa, ou seja, ministros certos da permanência capazes de ver esfumaçadas suas esperanças?
Tanto o defunto poderá ressuscitar quanto o bebê ser sufocado na pia batismal. Tudo dependerá da presidente eleita. E alguém duvida, apesar dos desmentidos, que tudo também dependerá do atual presidente?
PESSOAS SEM PROBLEMAS
Declarou Dilma Rousseff, antes de viajar para curto descanso à beira-mar, que não está maduro o processo de discussão a respeito do futuro ministério. Repetiu a importância de competência técnica, para os escolhidos, mais critérios político-partidários, mas acrescentou uma terceira condição: um histórico de pessoas sem problemas de nenhuma ordem.
Aqui muitos candidatos poderão ir atrás da vaca, quer dizer, para o brejo. Seria falta de caridade alinhar os problemas que cercam alguns nomes especulados até agora. Até porque, existirão problemas ainda não detectados. Uma espécie de lei ficha-limpa informal acaba de ser decretada pela presidente eleita.
A pergunta que se faz é sobre quem ou que instituição passará o pente fino da relação de possíveis ministros. Dilma, é claro, dará a última palavra, mas seriam mobilizadas a Abin, a Polícia Federal e a Justiça? Ou o núcleo mais próximo da nova presidente, mesmo sob o risco daquela dúvida universal a respeito da necessidade de os juízes serem julgados?
TEMERIDADES
Como rescaldo da dupla entrevista coletiva dos presidentes atual e futuro, quarta-feira, fica para ser examinada no futuro a afirmação do Lula de que voltar ao poder em 2014 é uma temeridade. Mais ainda, de que Dilma tem todo o direito de ser candidata outra vez daqui a quatro anos. Sem esquecer haver arrematado com um “tenho que dar o fora”.
Não se trata de uma questão de desacreditar nas declarações presidenciais. Ele terá sido sincero, além de educado. Mas quem garantirá que não venha a ser levado a candidatar-se, até por decisão da sucessora? As tais bolinhas de papel que o Lula pretende evitar venham a ser jogadas sobre sua cabeça, numa campanha futura, poderão muito bem constituir-se em pétalas de rosas. Ou em votos.
Acresce que tem hora para ser temerário. Às vezes torna-se uma necessidade, como no caso daqueles antigos reis da França, chamados Carlos ou Luiz.
CARROÇA ADIANTE DOS BOIS
Vale não apenas para caracterizar a cautela de Dilma Rousseff a resposta dada por ela à indagação sobre considerar-se candidata à reeleição. Em suas palavras, trata-se de colocar a carroça, os carros, caminhões, ônibus e locomotivas adiante dos bois.
O Senado acaba de dar um exemplo dessa inversão precipitada. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou projeto de emenda constitucional suprimindo prerrogativas fundamentais dos vice-presidentes da República.
Porque pelo artigo 79, cabe ao vice-presidente substituir o presidente, no caso de impedimento, ou sucedê-lo, na hipótese de vaga. Vagando os dois cargos é que se fará eleição direta 90 dias depois de aberta a última vaga. Se a vacância ocorrer nos dois últimos anos do mandato presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita pelo Congresso, 30 dias depois. Traduzindo: se não estiver impedido, o vice-presidente assume e completa o mandato do presidente. Foi o que aconteceu com Itamar Franco depois da renúncia de Fernando Collor.
Pela proposta aprovada na CCJ o processo muda de figura: aberta a vaga de presidente da República, o vice assume apenas para em 90 dias convocar eleições diretas ou, se o país estiver a menos de 15 meses do término do mandato presidencial, pelo Congresso, em 30 dias.
A mudança significa que o vice-presidente substitui, mas não sucede o presidente que tiver sido impedido, renunciar, morrer ou sofrer de doença grave. Não seria melhor para o Senado aguardar a tão ansiada reforma política para incluir nela essa mudança fundamental? Mais do que a carroça está sendo colocada na frente dos bois.
Fonte: Tribuna da Imprensa