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domingo, fevereiro 07, 2010

A polícia como deve ser

Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Daniel Derevecki/Gazeta do Povo / Tenente-coronel Renato Jorge da Silveira, sub-comandante da Academia Militar do Guatupê: “Focamos o policiamento comunitário. A boa formação é a nossa meta”

Um currículo de dar inveja e uma firme postura ética que não tolera violência e corrupção. Esse é o perfil de uma geração de policiais que, pouco a pouco, se torna mais numerosa no Brasil


Renato Jorge da Silveira e Luciano Blasius fazem parte do grupo de policiais militares que repudia as palavras violência e corrupção. O primeiro é um tenente-coronel que ajudou a mudar o currículo de ensino dos futuros profissionais que passam pela Academia Militar do Guatupê, que forma os PMs do estado, e o segundo é um tenente que ingressou ano passado no programa de doutorado da Universidade Federal do Paraná. Eles representam a nova geração de uma instituição que quer se aproximar da população. Estão no centro da difícil discussão sobre o que é preciso para se ter uma boa polícia no Brasil. É longo o caminho para resolver esse problema centenário, mas já há certezas: um policial qualificado precisa de uma boa educação, formação continuada, melhor salário e a corporação precisa ser transparente e fiscalizada pela sociedade.

De uma maneira geral, as polícias dos países subdesenvolvidos são ruins. Na América Latina, por exemplo, há a herança da ditadura e na África do Sul, do apartheid, regime que segregava negros e brancos. Mas poucas polícias no mundo ma­­tam tanto quanto a brasileira. A cada ano, só a PM carioca mata em torno de mil civis em ações de confronto. Entre 2003 e 2008 foram 6.806 casos. Nos Estados Unidos são cerca de 300 pessoas por ano.

Mudanças

No Congresso Nacional há centenas de projetos prevendo alterações e melhorias para a polícia no Brasil. Confira o que está tramitando:

Curso superior

O projeto de lei 6.329/09 prevê que futuros policiais militares e bombeiros tenham obrigatoriamente concluído um curso superior para ingressar na carreira. Prevê ainda que os governos estaduais possam exigir outros pré-requisitos mínimos.

Adicional de periculosidade

Propõe que policiais militares e bombeiros que exerçam atividades como patrulhamento ostensivo e combate a incêndios recebam um adicional de 30% sobre a remuneração. Entram no pacote ações de intervenção tática, custódia, guarda ou transporte de presos, buscas e salvamentos.

Promoção automática

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 423/09 prevê que policiais militares realizem cursos preparatórios e tenham uma promoção automática a cada cinco anos. De acordo com o autor da PEC, deputado Marcelo Serafim (PSB-AM), isso ajudaria na re-estruturação do órgão.

Piso Nacional

Há diversos projetos tramitando sobre este assunto. O objetivo é que os policiais militares em todo o Brasil tenham o mesmo salário. Hoje existem discrepâncias como o Rio de Janeiro e Brasília. Enquanto na capital federal os PMs iniciam a carreira com R$ 4 mil, os cariocas ganham menos de R$ 1 mil.

Carga horária

A ideia é diminuir a carga horária dos agentes de segurança pública para 30 horas semanais. O PL 5.799/09 pretende reduzir o estresse e o desgaste físico desses profissionais.

Em andamento

O Paraná está em fase de concurso para contratação de policiais civis para tentar superar a falta de investigadores. Este ano o governo federal também criou duas bolsas para policiais como um incentivo para a Copa do Mundo e para a Olimpíada. Atualmente, o Ministério da Justiça está oferecendo 200 mil vagas em cursos gratuitos para a formação de PMs, que ainda recebem uma bolsa auxílio de R$ 400.

Os desafios são imensos. A começar pela própria estrutura policial. A militarização das PMs é criticada por alguns especialistas porque transforma o civil em um inimigo do Estado. Quando estes profissionais chegam a uma favela parecem estar invadindo um país inimigo e não trabalhando para os brasileiros. Há também um descompasso entre o trabalho ostensivo realizado pela PM e a investigação realizada pelos policiais civis. Com pouco efetivo e tendo que seguir a imensa burocracia, os últimos têm um trabalho quase que estritamente “cartorário”. O resultado é que os crimes não são resolvidos, criando um hiato ainda maior entre a corporação e a sociedade. Falta também uma gestão mais integrada e inteligente entre municípios, estados e União.

O salário é outro obstáculo. Cada estado é responsável pela estrutura de sua polícia, mas a regra é que estes profissionais ganhem mal. Arriscam a vida muitas vezes por um salário mínimo. Como a administração é estadual, há as discrepâncias. Em Brasília, os PMs ganham em média R$ 4 mil, enquanto no Rio a remuneração base é cerca de R$ 1 mil. Além disso, lidam com viaturas, armas e tecnologia defasadas perto dos chefões do narcotráfico. No Paraná, os PMs recebem cerca de três salários mínimos – em torno de R$ 1,8 mil.

Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, autor dos livros Cabeça de porco e Elite da tropa, as polícias estaduais, de um modo geral, não satisfazem nem a sociedade, nem seus profissionais e nem as exigências constitucionais. “Há um nível elevadíssimo de irracionalidade nas ações, de brutalidade, de corrupção e de ineficiência. Elas funcionam relativamente, apagam incêndios, reproduzem padrões herdados e não estão regidas por uma política integrada e sistêmica”, diz.

Soares é enfático ao afirmar que está em curso, em vários estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, um verdadeiro genocídio de jovens pobres, sobretudo negros, do sexo masculino. “Para mudar esse quadro de horror é preciso mudar o modo de pensar e de agir das polícias, isto é, a cultura profissional, os métodos, as táticas e mesmo as metas, as prioridades e as estratégias. O valor maior e o grande objetivo têm de ser a defesa da vida.”

Há um ano, o secretário na­­cional de segurança pública, Ricardo Balestreri, afirmou que a segurança pública no Brasil era um desastre. De acordo com ele, não se pode dizer o contrário de um país que registra cerca de 45 mil homicídios por ano. A secretaria foi criada e estruturada em 1997 e apenas em 2007 foi criado o primeiro programa nacional de segurança pública, o Pronasci. Antes disso, cada estado agia isoladamente, sem coordenação federal e, muitas vezes, sem gestão. Os problemas ainda são muitos, inclusive no orçamento – que precisaria passar do atual R$ 1 bilhão para R$ 8 bilhões. Mas Balestreri vê avanços. A secretaria investiu pesado na formação dos policiais e trouxe para o debate o conhecimento científico. “A truculência não levou a nada. Precisamos de conhecimento para ter uma polícia à altura da democracia.”

Fonte: Gazeta do Povo

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