Carlos Chagas
Com o presidente Lula outra vez na capital federal, a expectativa é de que ainda esta semana ele tome medidas para sustar os efeitos da primeira crise do novo ano, eclodida em torno do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Antes de sair de férias, o primeiro-companheiro prometeu ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, e aos comandantes das forças armadas, que iria rever o documento já publicado, “que assinou sem ler”. O ministro e os chefes militares ameaçaram, por carta, demitir-se de suas funções caso permanecesse no texto a perspectiva de revogação da Lei de Anistia, para permitir a punição de agentes do poder público envolvidos na prática de tortura durante os anos da ditadura. Exigiram, ao menos, o mesmo tratamento para quantos, naquele período, dedicaram-se à luta armada, cometendo crimes como sequestros, assaltos a bancos, assassinatos e similares. Existem ministros implicados nessas ações.
Os protestos contra o decreto dos Direitos Humanos não pararam por aí. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, rotulou de preconceituosa a proposta de limitação da reintegração de posse, pela Justiça, de terras invadidas pelo MST. Associações de produtores rurais e seus representantes no Congresso fizeram coro com as palavras do ministro, para quem o agro-negócio sofrerá duro golpe. Integraram-se nas críticas as empresas concessionárias de emissoras de rádio e televisão, por conta de outra inovação do decreto: para renovar as concessões o governo criará um conselho encarregado de monitorar o conteúdo editorial dessas empresas, podendo concluir pela cassação das concessões, uma evidente censura à liberdade de manifestação do pensamento.
Está o presidente Lula em sinuca de bico. Porque se cumprir a promessa feita ao ministro da Defesa, estará contrariando a opinião da maioria do governo e do PT, além de provocar a demissão do ministro dos Direitos Humanos e, quem sabe, do próprio ministro da Justiça. Mas se não fizer nada, empurrando a crise com a barriga, arrisca-se a ficar sem maioria no Congresso, vendo derrotados muitos dos 27 projetos de lei que o decreto impõe.
Outra conseqüência inevitável dirá respeito à candidata Dilma Rousseff: ela será obrigada a pronunciar-se a respeito das sugestões dos Direitos Humanos. Concordando com todas, perderá apoio precioso nos partidos da base oficial. Discordando de uma, talvez não conserve o apoio do presidente Lula…
Etanol em baixa
O recente aumento nos preços do litro do etanol, nas bombas, reflete o descaso com que o governo cuida da outrora maior prioridade econômica nacional. Nenhuma iniciativa se viu, para conter a decisão dos produtores de transferir para os consumidores gastos que poderiam ser minimizados com programas de financiamento ou, mesmo, com um pouco de firmeza por parte do poder público. Por conta do petróleo localizado no pré-sal, que por muitos anos ainda continuará nas profundezas, retirou-se do combustível tirado da biomassa aquele caráter prioritário de tempos atrás. Nem o presidente Lula fala mais do etanol, quando viaja ao exterior, nem prosperou a idéia da criação de uma empresa estatal específica para cuidar da produção, comercialização e promoção do álcool, que um dia salvaria o planeta da poluição. Enquanto isso o petróleo poluidor ganha sua segunda estrutura, paralela à Petrobrás. Estão contando com o ovo ainda na barriga da galinha.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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