Janaina PaschoalExclusivo para a TI
Dr. Jorge Béja me brindou com um convite irrecusável, escrever um artigo para a Tribuna da Internet, falando um pouco sobre o momento vivenciado pelo nosso país. O convite ficou ainda mais irresistível, quando Dr. Jorge Béja informou que a Tribuna da Internet teve origem na Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, um dos grandes políticos da História do Brasil.
Bem, quero aproveitar este precioso espaço, para fazer alguns esclarecimentos à nação acerca do que vem ocorrendo no Supremo Tribunal Federal. Meu intuito, não é criticar acirradamente o mérito das muitas decisões que vêm agredindo o país, mas tentar demonstrar que tais decisões destoam de todas as demais prolatadas, sendo certo que nenhuma reforma legislativa poderá ter impacto no estado de coisas colocado.
PROCESSO PENAL – Leio e ouço muito as pessoas afirmarem que o sistema processual penal precisa ser alterado, para que se diminua o número de recursos disponíveis, a fim de que as decisões sejam finalmente cumpridas. Tal pleito decorre da constatação de que pessoas condenadas em segunda instância insistem em pedir sua liberdade, sucessivamente, exigindo que seus pleitos sejam submetidos até mesmo ao Pleno do Supremo Tribunal Federal.
O problema é que, na verdade, esses muitos pedidos não vêm na forma de recursos legalmente previstos; esses muitos pedidos sequer se concretizam mediante uma ação de habeas corpus. Eles aparecem em petições avulsas que, quando apresentadas por simples mortais, sequer são colocadas em pauta.
Que fique muito claro que a crítica acima não vai para os advogados que peticionam. O papel da defesa é buscar libertar seu cliente. A crítica vai ao fato de, estranhamente, os pleitos de uns, ainda que corretamente apresentados, não terem seguimento; enquanto os de outros, independentemente da roupagem, terem seguimento e, não raras vezes, sucesso!
HABEAS DE OFÍCIO – Recentemente, o ministro Dias Tóffoli, mesmo sem um pedido expresso da defesa, libertou um importante político condenado à pena elevadíssima. O ministro entendeu ser a coação ilegal a que estava submetido esse importante político tão grave, que lhe concedeu habeas corpus de ofício. Quem advoga sabe bem que já é difícil conseguir um habeas corpus quando solicitado; sem solicitar, então, é algo realmente raro.
Ocorre que o mesmo ministro Dias Tóffoli, em 1º de junho do ano corrente, negou seguimento ao habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em benefício de um morador de rua, que havia subtraído uma peça de roupa no valor de R$ 10,00 (dez reais).
No caso, até mesmo o Ministério Público havia opinado pela concessão da ordem. Mas o ministro negou, alegando que o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado contra em situações correlatas (Conferir HC 143.921/MG).
OUTROS EXEMPLOS – Ora, o Pleno do Supremo Tribunal Federal também se manifestou contrariamente a libertar condenados em segunda instância, mas o ministro, apesar desse posicionamento da Corte, concedeu habeas corpus de ofício ao poderoso. Já, com relação ao morador de rua, achou melhor seguir a jurisprudência e negou seguimento, ou seja, sequer submeteu o julgamento à Turma!
Percebe-se que, diante desse quadro de iniquidade, não adianta reformar a legislação. Se houver diminuição nos recursos, apenas os comuns terão menos garantias em que se apegar.
Os poderosos seguirão tendo suas petições avulsas analisadas em julgamentos longos, cheios de palavras incompreensíveis para a maior parte da população.
ADVOGADO BOM – É imperioso, além de afastar essa crença de que são muitos os recursos, desmistificar a idéia de que só obtém liberdade quem pode pagar advogado “bom” (as pessoas confundem bom com caro e essas coisas nem sempre são equivalentes). O trabalho feito pelas Defensorias é sabidamente bom e, ainda assim, seus pleitos não têm seguimento. Aliás, muitos pequenos e médios empresários constituem bons advogados e não conseguem que petições avulsas sejam analisadas, ou que habeas corpus de ofício lhes sejam concedidos.
A Criminologia tem que se afastar do binômio criminalidade de massa/criminalidade econômica. Quem estuda a nossa realidade já percebe, claramente, que existe um trinômio criminalidade de massa/criminalidade econômica/criminalidade de poder. O tratamento diferenciado não se destina à criminalidade econômica, como falsamente vem sendo alardeado; ele fica resguardado à criminalidade de poder e esse poder não necessariamente vem do dinheiro. O poder também se alicerça em deter informação.
O CASO DO CEGO – Também recentemente, o Ministro Gilmar Mendes, que vem capitaneando as decisões que beneficiam poderosos (de todos os Partidos Políticos), seja libertando condenados em segunda instância, seja arquivando inquéritos, seja até trancando ações penais com fulcro na falta de justa causa (algo sabidamente raro), negou liberdade a um preso HIV positivo, vítima de convulsões e cego em razão de um AVC (Conferir HC 157.704/SP).
O Ministro também decidiu o caso monocraticamente, negando seguimento ao HC. Esse dado é importante, pois se tratava de um instrumento legítimo, claramente previsto no ordenamento, interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Ao negar seguimento, o Ministro sequer submeteu o caso à Turma.
E NO MÉRITO? – Não só esse aspecto formal deve ser destacado. No mérito, intriga saber que o mesmo ministro decidiu no sentido de libertar um conhecido político condenado por crimes envolvendo verbas públicas, com fulcro em questões humanitárias. Ora, só o estado de saúde do criminoso poderoso importa?
Essas iniquidades, além de contrariarem a Constituição Federal e o próprio sentimento de Justiça, têm um efeito deletério silencioso, que precisa ser descortinado: o efeito de reforçar a ideia de que o Brasil é uma terra sem lei.
NÃO HÁ IGUALDADE – Na contramão do consenso estabelecido, insisto em dizer que a Constituição Federal brasileira é boa e que a legislação brasileira, por incrível que pareça, também é. O problema é que essas normas não valem para todos.
Meus colegas de profissão, seja na Academia, seja na Advocacia, veem esse quadro desalentador e querem abrir as cadeias e soltar todo mundo. Eu, muito embora entenda que há mesmo pessoas que merecem ser soltas, penso que a solução do problema passa por prender e manter presos os poderosos que fizeram por merecer.
Passamos um momento muito delicado. A população, que nem sempre consegue traduzir em palavras seus sentimentos, finda concluindo que Instituições como as que estão aí não são necessárias. No lugar de simplesmente dizer que nosso povo é ignorante, seria mais saudável para nossa Democracia que as Instituições passassem a funcionar como tal.
Janaina Conceição Paschoal, advogada e professora de Direito Penal na Universidade de São Paulo.