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sexta-feira, janeiro 07, 2022

Coreia do Norte diz ter lançado um míssil hipersônico




País anuncia o que seria um segundo teste com esse tipo de projétil, cuja queda no mar fora detectada por Tóquio e Seul. EUA e Alemanha dizem que ação viola compromissos internacionais.

A Coreia do Norte afirmou nesta quinta-feira (06/01) que realizou "com sucesso" um segundo teste de um míssil hipersônico, o que parece indicar que o país asiático continuará com seus planos de modernização de seus arsenais nucleares e de mísseis.

O míssil testado na quarta-feira estava carregado com uma "ogiva hipersônica deslizante" que, segundo a agência de notícias estatal coreana KCNA, "atingiu com precisão um alvo a 700 quilômetros de distância".

Este é o segundo teste relatado até agora por Pyongyang com este tipo de projétil -- após um que teria sido realizado em setembro. O míssil seria mais rápido, ágil e difícil de ser interceptado por sistemas de defesa aérea.

A KCNA anunciou que o disparo "reconfirmou o controle de voo e a estabilidade do míssil na fase de voo ativo e avaliou o desempenho da nova técnica de movimento lateral aplicada à ogiva hipersônica".

“Os sucessivos testes de lançamento no setor de mísseis hipersônicos são de importância estratégica”, acrescentou a agência.

A afirmação da Coreia de Norte de um teste bem-sucedido com um míssil hipersônico não foi confirmada de forma independente.

Na quinta-feira, o ministro da Defesa do Japão, Nobuo Kishi, disse à mídia japonesa que o míssil não era hipersônico, mas um "novo tipo de míssil balístico" não lançado antes pela Coreia do Norte.

Preocupação em Seul e Tóquio

A Coreia do Sul e o Japão anunciaram nesta quarta-feira a detecção de um lançamento de míssil balístico da Coreia do Norte, que caiu nas águas a leste da Península Coreana.

Este lançamento, que segue uma série de testes de armas conduzidos entre setembro e outubro pelo país com arsenal nuclear, foi rapidamente criticado por Seul, Tóquio e Washington.

O gabinete presidencial sul-coreano expressou "preocupação" após uma reunião de emergência, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, disse que a ação foi "realmente lamentável".

Armas mais rápidas

Os mísseis hipersônicos são a inovação mais recente no programa nuclear e de armas da Coreia do Norte, intensamente incentivado sob o governo de Kim Jong-un, apesar das sanções internacionais.

Uma das características desses projéteis é que eles podem viajar a uma velocidade cinco vezes maior que a do som, limite conhecido como Mach 5. A agência KCNA não detalhou a velocidade alcançada pelo míssil lançado na quarta-feira.

Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas banem todos os testes nucleares e de mísseis balísticos pela Coreia do Norte, e sanções foram impostas por causa dos programas militares do país.

Críticas de Washington e Berlim

"Este lançamento viola várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU e representa uma ameaça aos vizinhos da Coreia do Norte e à comunidade internacional", disse um porta-voz do Departamento de Estado americano.

O diálogo entre os EUA e a Coreia do Norte estagnou depois que as negociações em 2019 entre o líder Kim Jong-un e o então presidente Donald Trump fracassaram.

O governo do sucessor de Trump, Joe Biden, declarou repetidamente sua disposição de se reunir com representantes norte-coreanos, dizendo que buscaria a desnuclearização.

No entanto, Pyongyang até agora se recusou a aceitar, acusando Washington de buscar políticas "hostis".

Um porta-voz do Ministério do Exterior alemão disse nesta quinta-feira que Berlim "condena veementemente o teste de um míssil balístico pela Coreia do Norte".

O ministério disse que o teste constitui uma séria violação das obrigações internacionais da Coreia do Norte e "põe em risco à estabilidade e à segurança internacional e regional".

A Alemanha reiterou os apelos para que Pyongyang aceite as ofertas de negociações de Washington e Seul e respeite suas obrigações em relação ao direito internacional.

Deutsche Welle

A decadência do Estado brasileiro

 




Planejamento governamental não há mais. Tudo é improviso de má qualidade

Por Everardo Maciel* (foto)

Nunca tivemos um estado modelar, mas tivemos sucesso, embora nem sempre duradouro, em alguns setores. 

Nos últimos tempos, entretanto, percebe-se um processo contínuo e crescente de degradação institucional. Neste artigo, aponto algumas evidências dessa degradação, para a qual concorrem fortemente o corporativismo e o arbítrio.

O poder pessoal conferido a autoridades, em órgãos de deliberação colegiada, em tudo se assemelha a um absolutismo extemporâneo. 

Decisões monocráticas permitem dar curso ou não, sem fundamentação, a processos de impeachment de autoridades, pautar votações, audiências ou julgamentos, obstruir processos judiciais, mediante desarrazoados pedidos de vista, e conceder liminares que se eternizam. Tudo isso com respaldo em regimentos que se prestam a qualquer interpretação, mesmo quando contrária à lei. 

A ineficiência na gestão governamental tem muitas faces. Nos Poderes Legislativo e Judiciário, recessos, férias prolongadas e feriados especiais somados ultrapassam os dias de trabalho efetivo. Assim, não é surpreendente a existência de inúmeras leis, previstas na Constituição de 1988, que até hoje não lograram prosperar ou de processos judiciais que se arrastam por décadas, não raro gerando prescrições.

Medidas Provisórias quase nunca observam os requisitos constitucionais de urgência e relevância e, quando perdem eficácia, porque não convertidas em lei, as decorrentes relações jurídicas não são disciplinadas pelo Congresso, como determina a Constituição. 

Tribunais sobrecarregados por competências excessivas e normas processuais tortuosas explicam, em boa medida, a morosidade do contencioso. Faz sentido, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar furtos de pequeno valor?

A frequente ingerência de um Poder sobre outro, em decisões administrativas, macula a independência e a harmonia que deveriam presidir suas relações.

Planejamento governamental não há mais. Tudo é improviso de má qualidade. O orçamento converteu-se em peça anárquica, com fatias vorazmente devoradas pelas “emendas parlamentares”. Tetos de remuneração e de gastos públicos são afrontados por leis casuísticas ou por subterfúgios administrativos. Federalismo fiscal consistente nunca tivemos.

Para reverter esse quadro, será indispensável implementar uma verdadeira reforma do Estado, o que demanda boa formulação e, sobretudo, uma complexa engenharia política. Caso contrário, parafraseando Claude Lévi-Strauss (1908-2009): passaremos da barbárie à decadência, sem conhecer o apogeu.

*Consultor tributário. Foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

O Estado de São Paulo

Twitter, ditaduras e critérios dúbios.




A plataforma de mídia social faz vista grossa para as descaradas e vergonhosas campanhas de desinformação antivacina promovidas por contas ligadas aos governos russo e chinês. 

Por Jimmy Queen 

A decisão do Twitter da semana passada de suspender permanentemente a conta da deputada americana Marjorie Taylor Greene chama atenção para a atitude permissiva da empresa em relação às contas mantidas por regimes autoritários.

Independentemente de o Twitter estar certo ou não ao banir Greene por violar sua política de desinformação sobre a Covid-19, a plataforma de mídia social faz vista grossa para as descaradas e vergonhosas campanhas de desinformação antivacina promovidas por contas ligadas aos governos russo e chinês.

O último exemplo disso ocorreu na semana passada, quando o Global Times, um tabloide do Partido Comunista Chinês com 1,8 milhão de seguidores no Twitter, utilizou a notícia da morte de um editor do New York Times vencedor do Prêmio Pulitzer para sugerir que a vacina de reforço da Moderna não é segura.

“Carlos Tejada, editor de Internacional do New York Times, morreu um dia depois de receber uma dose de reforço da Moderna. Isso levanta questões sobre a segurança da vacina”, apontava o tweet.

Tejada, que foi editor-adjunto do Times para a Ásia, havia atuado anteriormente em projetos que lançavam luz sobre as ações de Pequim para encobrir o surgimento do coronavírus no início de 2020. De acordo com o obituário do New York Times, ele morreu de ataque cardíaco, mas vários blogs e sites céticos quanto à vacinação destacaram que ele havia postado uma foto no Instagram mostrando que havia recebido uma dose de reforço no dia anterior ao seu falecimento, vinculando os dois eventos.

O Global Times amplificou essas afirmações para lançar dúvidas sobre a segurança da vacina da Moderna, embora não haja nenhum indício de que a morte de Tejada esteja ligada ao recebimento da dose de reforço. A agência estatal ainda tripudiou: “Estamos ansiosos para que o New York Times informe mais detalhes. Será uma bela homenagem a Tejada, que ganhou um Pulitzer por criticar a resposta da China à Covid-19”.

Até esta quarta-feira (5), a postagem não havia sido removida pela equipe de moderação de conteúdo da rede social. A política de conteúdo do Twitter proíbe os usuários de compartilhar conteúdo “que seja comprovadamente falso ou enganoso e possa levar a um risco significativo de danos” (como maior exposição ao vírus ou efeitos adversos nos sistemas de saúde pública).

O Twitter tem um histórico duvidoso quando se trata de ações de moderação de conteúdo relacionadas à desinformação pró-Pequim. Embora tenha retirado do ar redes que promovem as narrativas do PCC e uma pequena quantidade de tweets particularmente odiosos de entidades do governo chinês, o Twitter verifica (certifica como autênticas) contas vinculadas ao governo chinês que frequentemente se envolvem na negação de genocídio. A plataforma também puniu, de forma suspeita, críticos do partido com inexplicáveis suspensões temporárias de contas.

Enquanto isso, a Sputnik V, vacina desenvolvida por um instituto médico do governo russo, tem sua própria conta no Twitter, na qual afirma com frequência que a vacina desenvolvida pela Pfizer é menos eficaz contra a nova variante ômicron do que o seu imunizante.

Mas a afirmação do governo russo é desmentida por um estudo independente que descobriu que a Sputnik V não é capaz de neutralizar a variante. De acordo com o estudo prévio, publicado no mês passado pela Universidade de Washington e pela Humabs Biomed SA, nenhum dos 11 participantes vacinados com a Sputnik desenvolveu anticorpos capazes de neutralizar a ômicron.

Questionado sobre os esforços chineses e russos para desacreditar no Twitter as vacinas produzidas nos Estados Unidos, um porta-voz da empresa se limitou a comentar sobre a decisão de banir Greene “por violações repetidas de nossa política de desinformação sobre a Covid-19”. E acrescentou: “Deixamos claro que, de acordo com nosso sistema de strikes para esta política, suspenderemos permanentemente contas devido a violações seguidas”.

Mas a conta da Sputnik V com frequência espalha informações enganosas sobre a vacina da Pfizer, assim como o Global Times espalha desinformação sobre as origens da Covid. Quantas vezes as contas verificadas pelo Twitter administradas por ditaduras precisarão entrar em conflito com a política de desinformação sobre a Covid-19 para que a empresa aja?

National Review / Gazeta do Povo (PR)

A lição da invasão do Capitólio para a democracia no Brasil e no mundo - Editorial

 




A turba violenta que há exatamente um ano invadiu o Capitólio, em Washington, para tentar impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden sobre Donald Trump, vem sendo punida. Embora ainda haja 250 foragidos flagrados em imagens cometendo crimes, pelo menos 725 vândalos foram detidos, 165 se declararam culpados e 71 já foram condenados (cerca de metade à prisão). Mas a ferida aberta pela tentativa de golpe na democracia mais longeva do planeta está bem distante de ter cicatrizado. Persistem, além dela, os efeitos nefastos nos demais regimes democráticos — em particular no Brasil de Jair Bolsonaro.

De acordo com o levantamento da Freedom House, a democracia vem recuando no planeta há 15 anos, depois de um período ininterrupto de expansão entre os anos 1970 e a crise financeira de 2008. O recuo nos Estados Unidos, outrora exemplo de estabilidade institucional, tem um significado maior. Que autocratas como Vladimir Putin ou Nicolás Maduro manipulem o resultado das urnas de acordo com seus interesses é lamentável, mas esperado. Que um terço dos americanos ainda acredite que a eleição de Biden foi roubada e outro terço admita que a violência contra o governo pode ser justificável não é apenas inesperado, mas põe em xeque um símbolo tido como inabalável. “A credibilidade dos Estados Unidos em sustentar um modelo de boas práticas democráticas foi estraçalhada”, escreveu o cientista político Francis Fukuyama.

A noção de que o Partido Republicano se afastaria de Trump para preservar suas credenciais democráticas se revelou uma ilusão. Poucos meses depois do 6 de Janeiro, o trumpismo voltava a predominar entre os republicanos. Contestar a vitória de Biden com base nas mesmas fabulações que incitaram os invasores do Capitólio — disseminando o que os historiadores têm chamado de “grande mentira” — tornou-se, mais que aceitável, uma espécie de passaporte para o sucesso no partido.

Os republicanos despontam como favoritos nas eleições de meio de mandato deste ano, com chance de recuperar o controle da Câmara e do Senado. Trump tem articulado sua volta como candidato à Presidência em 2024. Os tropeços de Biden — da retirada atabalhoada no Afeganistão à dificuldade de consolidar o apoio de seu próprio partido à agenda legislativa — garantem que, no mínimo, será uma eleição disputada. A volta de Trump representaria, na prática, um baque definitivo na democracia americana.

A mesma estratégia de contestar resultados eleitorais sem nenhuma base factual vem sendo cevada pelo bolsonarismo com sua campanha contra as urnas eletrônicas. Mesmo que Bolsonaro tenha recuado depois dos comícios golpistas do Sete de Setembro, é insondável que tipo de plano ele tem para o caso de derrota nas eleições deste ano. A invasão do Capitólio demonstrou que a ruptura não pode ser descartada nem nos Estados Unidos. No Brasil, as instituições precisarão se manter em sentinela ininterrupta para domar os avanços de Bolsonaro.

O Globo

Tem Moro na costa

 




Seriam as expectativas otimistas suficientes para ele ter sucesso em montar uma candidatura com reais chances de ser competitiva?

Por José Augusto Guilhon Albuquerque* (foto)

Para os portugueses da época das invasões mouriscas, a presença de mouros na costa era, evidentemente, prevista, mas como, quando e onde tentariam o desembarque era imprevisível.

Que o ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, poderia retomar sua breve carreira política estava previsto. Mas não era previsível como, quando ou onde ocorreria, nem muito menos que faria tábula rasa da pré-campanha eleitoral.

O retorno de Moro provocou um choque de realidade no processo sucessório, porque mostra que nem a reeleição de Bolsonaro nem a volta de Lula estão garantidas. Alguns candidatos, partidos e “analistas” deram sinal de alívio ou de esperança, outros se mostraram desapontados ou enraivecidos.

Com base no que tenho observado e compartilhado neste espaço, a entrada de um candidato competitivo na chamada terceira via poderia desacreditar a tática da polarização e, com isso, reduzir a pulverização do espaço da de centro. Minha hipótese é de que a polarização entre os extremos, somada à pulverização dos moderados, é o que abre caminho para candidatos aventureiros.

Seria Moro mais um aventureiro, tendo como único trunfo sua popularidade no terreno da lei e da ordem, sem experiência política, sem um currículo de gestor público ou de legislador, sem capacidade para reunir uma equipe capaz de montar um governo? Tecnicamente, diria que sim, mas saber se sua candidatura irá reproduzir a trajetória do aventureirismo político ou se vai construir algo mais sólido depende dos passos que tomará daqui até o primeiro turno.

É razoável a surpresa de todos com o Moro candidato. Alguns contavam que ele voltaria como mais um neopopulista, já sem carisma e sem estofo político. Outros reagiram como se enxergassem em sua conduta algo além de sua popularidade: uma posição política conservadora, economicamente liberal, e alguma disposição para abraçar políticas progressistas do ponto de vista social e ambiental.

Seriam essas expectativas otimistas suficientes para Moro ser bem-sucedido em montar uma candidatura com reais chances de ser competitiva? Moro só será competitivo se neutralizar a tática de polarização, com o objetivo maior de reduzir, drasticamente, a fragmentação dos moderados. Seu obstáculo imediato, por outro lado, será o sucesso da dupla Lula/Bolsonaro em dar nova vida à polarização e contribuir para consolidar a fragmentação do resto do eleitorado.

A pressão sobre ele para polemizar com Bolsonaro e Lula já é crescente e deverá aumentar durante a campanha propriamente dita. Para não ser engolido pela polarização forçada, terá de evitar, a qualquer custo, envolver-se em temas restritos às questões de lei e ordem que confirmariam a pecha de arremedo de Bolsonaro ou ser reduzido a um algoz de Lula.

Resta saber quais fatores contribuem para o sucesso ou o fracasso da candidatura Moro.

O maior risco que ele pode correr é o de ficar refém do eleitorado de direita, pois dividiria com Bolsonaro a intenção de voto, sem ganhar nada em troca. Essa divisão poderia inviabilizar o acesso de ambos ao segundo turno.

Portanto, o futuro de Moro depende de sua capacidade de mover-se em direção ao centro. O primeiro passo foi dado quando procurou associar seu perfil ao de um economista respeitado, com posições liberais e capacidade de atrair apoio na sociedade civil, especialmente entre especialistas com experiência de governo, que são amplamente reconhecidas.

Mas não basta, pois a candidatura Moro está atrelada a um partido pequeno, mais conhecido por sua falta de orientação política clara do que por sua contribuição ao processo político nacional. Isso significa que caberá ao candidato dar suporte ao sucesso eleitoral do partido, e não o inverso. Se não reunir, em torno de sua candidatura, uma coalizão mais ampla, dificilmente poderá ir longe.

Outro obstáculo é o espaço político congestionado por pré-candidatos. Também não é suficiente sinalizar, com palavras, o desejo de cumprir as expectativas do eleitorado situado entre a centro-direita e a centro-esquerda. Moro preciso montar uma aliança formal em que parte relevante deste eleitorado moderado confie. Isso significa aliar-se a partidos tradicionais com bases municipal e estadual bem estabelecidas.

Apenas uma aliança bi ou tripartidária, com divisão bem clara de papéis, na eleição e no futuro governo, e que compartilhe uma plataforma de objetivos convergentes será capaz de evitar que a candidatura fique restrita à direita, de dar credibilidade ao suporte partidário do candidato e de atrair o voto identificado com a terceira via.

Assim, a probabilidade de que o alívio e a esperança, aparentemente provocados pelo choque do retorno de um Moro mais assertivo, venham a render voto na urna seria superior à probabilidade de que Lula/Bolsonaro recuperem os votos conquistados em 2018, uma vez que a polarização dos extremos e a fragmentação dos moderados dependem de fatores que nem um nem outro pode controlar.

Todos tratam Moro como a bola da vez. Resta saber o que ele fará com a bola.

*Professor titular da USP

O Estado de São Paulo

Chegou o bicentenário




O denominador comum nas trajetórias dos países que lograram superar a armadilha da renda média é a inserção no comércio internacional

Por Mario Mesquita* (foto)

O ano de 2022 marca o bicentenário do Brasil como nação independente. Sob o prisma da economia (uma ótica limitada, admito, mas que é o objeto desta coluna), a data merece mais reflexão do que ufanismo.

O Brasil de 1822 contava com 4,5 a 5 milhões de habitantes, a grande maioria no campo, sendo que cerca de um terço eram escravos. Quase metade da população estava no Nordeste, e cerca de 40% no Sudeste. As principais atividades econômicas eram a produção e exportação de açúcar, algodão e, em rápido crescimento, de café. Apesar da precariedade das bases estatísticas, os melhores estudos sobre a renda, no período inicial da vida independente, indicam que o país nasceu com patamar de renda média. As estimativas de Angus Maddison, economista da OCDE e Universidade de Groningen, com uma obra fundamental sobre a evolução da renda mundial, indicam que nossa renda per capita era pouco superior à metade da americana, e a de países afluentes da Europa Ocidental, às vésperas da independência.

O Império logrou manter a integridade territorial, a despeito de várias insurreições separatistas no Nordeste e Sul do país. Mas, a julgar pelas estimativas disponíveis, foi durante o período imperial que o Brasil ficou para trás, seja ante os EUA ou mesmo vizinhos, como a Argentina. No início do período republicano, a renda per capita brasileira equivalia a apenas 23% da americana, e 37% da argentina. Os dados de comércio exterior e produto sugerem que o PIB da região cafeeira até mostrou crescimento, algo como 1,5% a 2% ao ano.

Dada a limitada integração inter-regional, foi a ausência de uma atividade exportadora com dinâmica similar fora da região cafeeira, notadamente na região Nordeste, que ainda respondia por cerca de 40% da população total, que levou a economia nacional à virtual estagnação, enquanto o comércio e PIB mundiais cresciam de forma acelerada. Marcelo Abreu, em uma resenha detalhada e ampla do período, conclui que o PIB per capita deve ter crescido a um ritmo de apenas 0,3% a 0,4% ao ano durante o Império.1

Em 1922, quando do primeiro centenário, o Brasil contava com cerca de 28,5 milhões de habitantes. Passadas a abolição tardia da escravidão, a Proclamação da República, e a onda imigratória do final do século XIX e início do XX - que mudaria para sempre nossa cultura e estrutura demográfica - o PIB per capita ainda registrava o nosso atraso, em que pese o desenvolvimento da infraestrutura e a emergência de centros urbanos com certa sofisticação e ambição cosmopolita. Na realidade, os dados de Maddison apontam para uma piora relativa adicional. Um século após a independência, a renda per capita brasileira era apenas 18% da americana, e 27% da argentina.

Desde então, em particular a partir da Primeira Guerra Mundial, a estrutura da economia foi profundamente alterada, com o estabelecimento de um parque industrial diversificado (ainda que pouco integrado nas correntes de comércio internacional, graças ao nosso tradicional protecionismo), a urbanização e o avanço da alfabetização e do grau geral de educação da população (mesmo que, nesse último quesito, o progresso tenha sido muito aquém do desejável). A economia apresentou crescimento acelerado por cerca de meio século, entre os anos 30 e 80 do século passado, mas, desde então, voltou ao seu padrão de baixo dinamismo.

Após a independência, o auge relativo da nossa economia, em termos de renda per capita, parece ter sido em 1980, quando teríamos atingido, segundo os dados da Penn World Table, que continuou a obra de Maddison, algo como 30-40% da renda per capita dos EUA. Desde então, a mesma fonte aponta para um retrocesso dessa razão, para cerca de 25%.

O debate sobre a estagnação das muitas décadas perdidas desde 1980 ainda está em curso, mas parece haver consenso, entre os economistas profissionais, que o modelo de crescimento acelerado baseado em substituição de importações e liderado pelo Estado, que selecionava, protegia e financiava os chamados “campeões nacionais” deixou de ser funcional, e que tentativas de recriá-lo, como no início da década passada, são fadadas ao insucesso. Não obstante, esse tipo de política, seja por certa carência de imaginação, que nos condena a repetir fórmulas antigas, ou, mais provável, por apelar à tradição patrimonialista brasileira, de apropriação de recursos públicos por grupos privados, segue encontrando respaldo entre segmentos da classe política.

Trata-se, em suma, de uma trajetória, como nação independente, marcada por 50 anos de crescimento rápido e 150 anos de muito pouco dinamismo. Infelizmente, o desempenho pífio desde 1980 não é uma exceção, e sim o retorno a um padrão que vem de longa data.

Uma reflexão sobre as razões do nosso atraso deve incluir a experiência das economias mais bem-sucedidas. O denominador comum nas trajetórias dos países, notadamente asiáticos, que lograram superar a armadilha da renda média, e chegaram finalmente ao grupo das nações desenvolvidas, é a inserção no comércio internacional. Essas economias mostram que o protecionismo não é a solução, e sim parte do problema: sem abrir a economia, fica difícil contemplar a ruptura do padrão de baixo crescimento e, assim, um tricentenário mais próspero.

1 A Economia brasileira no Império: 1822-1889, em Brasil: Patrimonialismo e Autarquia (2020).

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

Valor Econômico

Como era o universo antes do Big Bang?




O Big Bang é a nossa visão tradicional da origem do universo

Por Alastair Wilson*, The Conversation

PERGUNTA DO LEITOR: "Meu entendimento é que nada vem do nada. Para que algo exista, deve haver material ou um componente disponível, e para que eles estejam disponíveis, deve haver algo mais disponível. Agora minha pergunta: de onde veio a matéria que criou o Big Bang, e o que aconteceu, inicialmente, para criar esse material?" - Peter, 80 anos, Austrália.

"A última estrela irá esfriar lentamente e desaparecer. Com isso, o universo se tornará mais uma vez um vazio, sem luz, vida ou significado." Assim alertou o físico Brian Cox na recente série Universe, da BBC.

O desaparecimento da última estrela será apenas o início de uma época infinitamente longa e escura. Toda a matéria será eventualmente consumida por buracos negros monstruosos, que por sua vez irão evaporar nos mais tênues lampejos de luz.

O espaço se expandirá cada vez mais para fora até que mesmo aquela luz fraca se torne muito espalhada para interagir. A atividade cessará.

Ou não? Estranhamente, alguns cosmólogos acreditam que um universo anterior, frio, escuro e vazio, como aquele que está em nosso futuro distante, poderia ter sido a fonte de nosso próprio Big Bang.

A primeira matéria

Mas antes de chegarmos a isso, vamos dar uma olhada em como "material" - matéria física - surgiu pela primeira vez.

Se pretendemos explicar as origens da matéria estável feita de átomos ou moléculas, certamente não havia nada disso por volta do Big Bang - nem por centenas de milhares de anos depois. Na verdade, temos uma compreensão bastante detalhada de como os primeiros átomos se formaram a partir de partículas mais simples, uma vez que as condições esfriaram o suficiente para que a matéria complexa se tornasse estável, e como esses átomos foram posteriormente fundidos em elementos mais pesados ​​dentro das estrelas. Mas esse entendimento não aborda a questão de saber se algo veio do nada.

Então, vamos pensar um pouco mais para trás. As primeiras partículas de matéria de vida longa de qualquer tipo foram prótons e nêutrons, que juntos formam o núcleo atômico. Eles surgiram por volta de um décimo de milésimo de segundo após o Big Bang.

Antes desse ponto, não havia realmente nenhum material em qualquer sentido familiar da palavra. Mas a física nos permite seguir rastreando a linha do tempo para trás - para processos físicos que antecedem qualquer matéria estável.

'As primeiras partículas de matéria de vida longa de qualquer tipo foram prótons e nêutrons, que juntos formam o núcleo atômico'

Isso nos leva à chamada "era da grande unificação". Agora, estamos bem no reino da física especulativa, pois não podemos produzir energia suficiente em nossos experimentos para sondar o tipo de processo que estava acontecendo na época.

Mas uma hipótese plausível é que o mundo físico era feito de uma sopa de partículas elementares de vida curta - incluindo quarks, os blocos de construção de prótons e nêutrons.

Havia matéria e "antimatéria" em quantidades aproximadamente iguais: cada tipo de partícula de matéria, como o quark, tem um companheiro "imagem espelhada" de antimatéria, que é quase idêntico a si mesmo, diferindo apenas em um aspecto.

No entanto, matéria e antimatéria se aniquilam em um lampejo de energia quando se encontram, o que significa que essas partículas foram constantemente criadas e destruídas.

Mas como essas partículas passaram a existir em primeiro lugar? A teoria quântica de campos nos diz que mesmo um vácuo, supostamente correspondendo ao espaço-tempo vazio, está cheio de atividade física na forma de flutuações de energia.

Essas flutuações podem dar origem ao surgimento de partículas, que desaparecem logo em seguida. Isso pode soar mais como uma peculiaridade matemática do que como física real, mas tais partículas foram detectadas em incontáveis ​​experimentos.

O estado de vácuo do espaço-tempo está fervilhando com partículas sendo constantemente criadas e destruídas, aparentemente "do nada". Mas talvez tudo isso realmente nos diga que o vácuo quântico é (apesar do nome) alguma coisa em vez de nada.

O filósofo David Albert criticou de forma memorável os relatos do Big Bang que prometem obter algo do nada dessa forma.

Suponha que perguntemos: de onde surgiu o próprio espaço-tempo? Então, podemos continuar girando o relógio ainda mais para trás, na verdadeiramente antiga "Era de Planck" - um período tão antigo na história do universo que nossas melhores teorias da física entram em colapso.

Essa era ocorreu apenas um décimo milionésimo de um trilionésimo de um trilionésimo de um trilionésimo de segundo após o Big Bang. Nesse ponto, o próprio espaço e o tempo ficaram sujeitos às flutuações quânticas.

Os físicos normalmente trabalham separadamente com a mecânica quântica, que rege o micromundo das partículas, e com a relatividade geral, que se aplica a grandes escalas cósmicas. Mas para compreender verdadeiramente a Era de Planck, precisamos de uma teoria completa da gravidade quântica, fundindo as duas.

Ainda não temos uma teoria perfeita da gravidade quântica, mas existem tentativas - como a teoria das cordas e a gravidade quântica em loop. Nessas tentativas, o espaço e o tempo comuns são tipicamente vistos como emergentes, como as ondas na superfície de um oceano profundo.

O que experimentamos como espaço e tempo é o produto de processos quânticos operando em um nível microscópico mais profundo - processos que não fazem muito sentido para nós como criaturas enraizadas no mundo macroscópico.

'De onde surgiu o próprio espaço-tempo?'

Na Era de Planck, nosso entendimento comum de espaço e tempo se desintegra, então não podemos mais confiar em nosso entendimento comum de causa e efeito também. Apesar disso, todas as candidatas a teoria da gravidade quântica descrevem algo físico que estava acontecendo na Era de Planck - algum precursor quântico do espaço e tempo. Mas de onde veio isso?

Mesmo que a causalidade não se aplique mais de forma comum, ainda pode ser possível explicar um componente do universo da Era de Planck em termos de outro. Infelizmente, até agora mesmo nossa melhor física falha completamente em fornecer respostas.

Enquanto não progredirmos em direção a uma "teoria de tudo", não seremos capazes de dar uma resposta definitiva. O máximo que podemos dizer com segurança neste estágio é que a física até agora não encontrou exemplos confirmados de algo surgindo do nada.

Ciclos de quase nada

Para responder verdadeiramente à questão de como algo pode surgir do nada, precisaríamos explicar o estado quântico de todo o universo no início da Era de Planck. Todas as tentativas de fazer isso permanecem altamente especulativas.

Alguns deles apelam a forças sobrenaturais como um designer. Mas outras explicações candidatas permanecem dentro do reino da física - como um multiverso, que contém um número infinito de universos paralelos, ou modelos cíclicos do universo, nascendo e renascendo novamente.

O físico Roger Penrose, ganhador do Prêmio Nobel de 2020, propôs um modelo intrigante, mas controverso, para um universo cíclico denominado "cosmologia cíclica conformada".

Penrose foi inspirado por uma conexão matemática interessante entre um estado muito quente, denso e pequeno do universo - como era no Big Bang - e um estado extremamente frio, vazio e expandido do universo - como será em um futuro distante.

Sua teoria radical para explicar essa correspondência é que esses estados se tornam matematicamente idênticos quando levados aos seus limites. Por mais paradoxal que pareça, uma ausência total de matéria pode ter conseguido dar origem a toda a matéria que vemos ao nosso redor em nosso universo.

Nessa visão, o Big Bang surge de um quase nada. É o que sobrou quando toda a matéria em um universo foi consumida em buracos negros, que por sua vez se transformaram em fótons - perdidos em um vazio.

Todo o universo, portanto, surge de algo que - visto de outra perspectiva física - é o mais próximo que se pode chegar de nada. Mas esse nada ainda é um tipo de coisa. Ainda é um universo físico, embora vazio.

Como pode o mesmo estado ser um universo frio e vazio de uma perspectiva e um universo quente e denso de outra? A resposta está em um procedimento matemático complexo denominado "reescalonamento conformado", uma transformação geométrica que na verdade altera o tamanho de um objeto, mas deixa sua forma inalterada.

Penrose mostrou como o estado denso frio e o estado denso quente podem ser relacionados por tal reescalonamento, de modo que eles correspondam com respeito às formas de seus espaços-tempos - embora não com seus tamanhos.

É, reconhecidamente, difícil entender como dois objetos podem ser idênticos desta forma quando têm tamanhos diferentes - mas Penrose argumenta que o tamanho é um conceito que deixa de fazer sentido em tais ambientes físicos extremos.

Na cosmologia cíclica conformada, a direção da explicação vai do velho e frio para o jovem e quente: o estado quente denso existe por causa do estado frio e vazio. Mas esse "por causa" não é o familiar - de uma causa seguida no tempo por seu efeito. Não é apenas o tamanho que deixa de ser relevante nesses estados extremos: o tempo também.

O estado denso frio e o estado denso quente estão, na verdade, localizados em linhas do tempo diferentes. O estado frio e vazio continuaria para sempre da perspectiva de um observador em sua própria geometria temporal, mas o estado quente denso que dá origem efetivamente habita uma nova linha do tempo própria.

'Nos limites do nosso conhecimento, a física e a filosofia tornam-se difíceis de separar'

Pode ajudar a entender o estado quente denso como produzido a partir do estado frio e vazio de alguma forma não causal. Talvez devêssemos dizer que o estado quente denso emerge do estado frio, ou está alicerçado nele, ou é realizado pelo estado vazio e frio.

Essas são ideias distintamente metafísicas que foram exploradas extensivamente pelos filósofos da ciência, especialmente no contexto da gravidade quântica, onde a causa e o efeito comuns parecem se desfazer. Nos limites do nosso conhecimento, a física e a filosofia tornam-se difíceis de separar.

Evidência experimental?

A cosmologia cíclica conformada oferece algumas respostas detalhadas, embora especulativas, à questão de onde veio nosso Big Bang. Mas mesmo que a visão de Penrose seja justificada pelo futuro progresso da cosmologia, podemos pensar que ainda não teríamos respondido a uma questão filosófica mais profunda - uma questão sobre de onde veio a própria realidade física.

Como surgiu todo o sistema de ciclos? Então, finalmente terminamos com a pura questão de por que existe algo em vez de nada - uma das maiores questões da metafísica.

Mas nosso foco aqui está nas explicações que permanecem dentro do reino da física. Existem três opções amplas para a questão mais profunda de como os ciclos começaram. Poderia não ter explicação física alguma.

Ou pode haver ciclos que se repetem infinitamente, cada um sendo um universo por si só, com o estado quântico inicial de cada universo explicado por alguma característica do universo anterior. Ou pode haver um único ciclo e um único universo repetido, com o início desse ciclo explicado por alguma característica de seu próprio fim.

As duas últimas abordagens evitam a necessidade de quaisquer eventos não causados ​​- e isso lhes dá um apelo distinto. Nada seria deixado sem explicação pela física.

Para Penrose, cada ciclo envolve eventos quânticos aleatórios que ocorrem de uma maneira diferente - o que significa que cada ciclo será diferente dos anteriores e posteriores. Na verdade, essa é uma boa notícia para os físicos experimentais, porque pode nos permitir vislumbrar o antigo universo que deu origem ao nosso através de traços tênues, ou anomalias, na radiação residual do Big Bang vista pelo satélite Planck.

Penrose e seus colaboradores acreditam que já podem ter detectado esses traços, atribuindo padrões nos dados do Planck à radiação de buracos negros supermassivos no universo anterior. No entanto, suas alegadas observações foram contestadas por outros físicos e o júri permanece fora.

Novos ciclos infinitos são a chave para a própria visão de Penrose. Mas existe uma maneira natural de converter a cosmologia cíclica conformada de um ciclo múltiplo para um ciclo único. Então a realidade física consiste em um único ciclo a partir do Big Bang até um estado máximo de vazio no futuro distante - e então retorna novamente até o mesmo Big Bang, dando origem ao mesmo universo novamente.

'Roger Penrose recebeu o Prêmio Nobel de Física por seu trabalho sobre singularidades'

Esta última possibilidade é consistente com outra interpretação da mecânica quântica, apelidada de interpretação de muitos mundos.

A interpretação de muitos mundos nos diz que cada vez que medimos um sistema que está em superposição, essa medição não seleciona um estado aleatoriamente. Em vez disso, o resultado da medição que vemos é apenas uma possibilidade - aquela que ocorre em nosso próprio universo.

Todos os outros resultados de medição atuam em outros universos em um multiverso, efetivamente separados do nosso. Portanto, não importa quão pequena seja a chance de algo ocorrer, se tiver uma chance diferente de zero, então ocorre em algum mundo quântico paralelo.

Existem pessoas como você em outros mundos que ganharam na loteria, ou foram arrastadas para as nuvens por um tufão anormal, ou se incendiaram espontaneamente, ou fizeram as três coisas ao mesmo tempo.

Algumas pessoas acreditam que esses universos paralelos também podem ser observáveis ​​em dados cosmológicos, como impressões causadas por outro universo colidindo com o nosso.

A teoria quântica de muitos mundos oferece uma nova reviravolta na cosmologia cíclica conformada, embora Penrose não concorde com ela. Nosso Big Bang pode ser o renascimento de um único multiverso quântico, contendo infinitos universos diferentes, todos ocorrendo juntos. Tudo o que é possível acontece - então, acontece de novo, de novo e de novo.

'Para Penrose, cada ciclo envolve eventos quânticos aleatórios que ocorrem de uma maneira diferente'

Um mito antigo

Para um filósofo da ciência, a visão de Penrose é fascinante. Ele abre novas possibilidades para explicar o Big Bang, levando nossas explicações além de causa e efeito comuns. É, portanto, um grande caso de teste para explorar as diferentes maneiras pelas quais a física pode explicar nosso mundo. Ele merece mais atenção dos filósofos.

Para um amante de mitos, a visão de Penrose é bela. Na forma multi-ciclo preferida de Penrose, ele promete novos mundos infinitos nascidos das cinzas de seus ancestrais. Em sua forma de um ciclo, é uma notável re-invocação moderna da antiga ideia do ouroboros, ou serpente-do-mundo.

Na mitologia nórdica, a serpente Jörmungandr é filha de Loki, um malandro astuto, e do gigante Angrboda. Jörmungandr consome sua própria cauda, ​​e o círculo criado sustenta o equilíbrio do mundo. Mas o mito do ouroboros foi documentado em todo o mundo - inclusive desde o antigo Egito.

O ouroboros de um universo cíclico é realmente majestoso. Ele contém dentro de sua barriga nosso próprio universo, bem como cada um dos estranhos e maravilhosos universos alternativos possíveis permitidos pela física quântica - e no ponto onde sua cabeça encontra sua cauda, ​​está completamente vazio, mas também fluindo com energia em temperaturas de cem mil milhões de bilhões de trilhões de graus Celsius. Até Loki, o metamorfo, ficaria impressionado.

*Alastair Wilson é professor de Filosofia na Universidade de Birmingham (Reino Unido)

BBC Brasil

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