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terça-feira, janeiro 04, 2022

Entrevista: Rubens Ricupero: “Bicentenário terá o signo do combate à desigualdade”




Novo titular da cátedra José Bonifácio, da USP, Ricupero vê esgotamento da Nova República no bicentenário da independência

Por Maria Cristina Fernandes 

Rubens Ricupero tinha saído de uma cirurgia cardíaca quando recebeu o convite do reitor da USP, Vahan Agopyan, para assumir a Cátedra José Bonifácio. Aceitá-la parecia uma temeridade para o embaixador de 84 anos. Depois de quatro décadas dedicadas à diplomacia, em que alcançou o posto de secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), e da passagem pelos ministérios do Meio Ambiente (1993) e da Fazenda (1994), parecia ter chegado a hora de se aposentar. Mas a tentação foi maior.

É a segunda vez que a cátedra, que já foi ocupada pelo ex-presidente do Chile Ricardo Lagos e pelo ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, será entregue a um brasileiro. A primeira foi Nélida Piñon. Como a cátedra seria dedicada ao bicentenário da independência, a escolha levou em conta a lucidez com a qual Ricupero reflete sobre o Brasil contemporâneo à luz de sua história.

Redigiu as notas preparatórias à cátedra na crença de que o tempo raramente deixa intactas as atitudes em relação ao passado. Inspirou-se em Mário de Andrade, que, em 1922, foi capaz de extrair de uma realidade imperfeita os estímulos da transformação, e pôs-se a refletir sobre as razões pelas quais seria possível acreditar num país melhor no terceiro centenário.

E a primeira de suas reflexões é a de que, na comparação com a efeméride de cem anos atrás, o Brasil virou a chave de um país tão obcecado pela modernização que se achava capaz de remover mocambos com jatos d’água. Hoje, diz, há um consenso nacional, que só não invadiu o Palácio do Planalto, de que a verdadeira modernização do Brasil é o enfrentamento da desigualdade.

A segunda reflexão é a de que a convergência do bicentenário com a eleição de 2022 é uma coincidência infeliz e feliz. Infeliz por cair num momento de baixíssima autoestima nacional com a morte de mais de 619 mil brasileiros na pandemia e com a depressão da economia. E feliz porque as pessoas terão uma oportunidade de começar a mudança com seu voto.

“O sistema que foi estabelecido em 1988 com a Constituição está dando sinais de disfuncionalidade Ou se autorreforma ou será destruído como a monarquia, que não conseguiu se autorreformar”, diz Ricupero, entre outras muitas reflexões, na entrevista abaixo, concedida remotamente, por chamada de vídeo, da Praia do Forte, na Bahia, dias antes do Natal:

Valor: No texto sobre o quadro de Paul Klee, Angelus Novus, o filósofo Walter Benjamin diz que o anjo quer se deter sobre as ruínas do passado, mas é arrastado pela tempestade e a esta tempestade dá o nome de progresso. É assim que progredimos nesses 200 anos?

Rubens Ricupero: É uma coincidência ingrata que o Brasil complete 200 anos de independência no momento mais baixo de sua experiência de governo independente. É desejável que um aniversário desse tipo inspire um ânimo celebratório. No primeiro centenário, em 1922, também havia problemas, mas não tão graves quanto agora. Isso se pode ver objetivamente

Valor: De que maneira?

Ricupero: O resultado de uma recente pesquisa que mostrou que metade dos brasileiros, se pudesse, viveria fora do país. Nunca houve tantos brasileiros morando fora. A última estimativa do Itamaraty é 4,6 milhoes, o que mostra o nível da desesperança. Isso faz com que haja alguma semelhança entre nosso bicentenário e o da Argentina. Os argentinos têm dois bicentenários em 2010 e 2016 e, em ambos, se dizia que o país tinha estado melhor no primeiro bicentenário do que no segundo.

Valor: Mas no caso do Brasil, por mais deprimido que esteja o ânimo, dá pra dizer a mesma coisa?

Ricupero: Não exatamente. Mesmo no caso da Argentina não é verdade. É uma visão nostálgica e oligárquica do passado. Em 1922 o Brasil era um país atrasadíssimo em tudo, em educação, ciência, cultura. A primeira universidade foi criada em 1921, a Universidade do Brasil, porque queriam dar um título honoris causa ao rei Alberto, da Bélgica, que tinha sido convidado a visitar o Brasil. Em 1950 eram 44 mil brasileiros matriculados em universidades. Hoje são 8,6 milhões de universitários. O analfabetismo, que era de 80%, hoje é residual. Em 1900 a expectativa de vida não chegava a 40 anos. O barão do Rio Branco, que era o mais velho de oito irmãos, completou 50 anos como o único sobrevivente. No Rio, até a vacinação de Osvaldo Cruz, o número de óbitos era maior do que o de nascimentos. A cidade crescia pela imigração.

Valor: Nesses 200 anos, 66 foram vividos sob escravidão. Quais são suas marcas hoje comparativamente àqueles deixadas no centenário de 1922?

Ricupero: Em 1922 a preocupação era a de modernizar o país, fazer com que o país deixasse de ser atrasado, que se inserisse no avanço mundial. Hoje é a desigualdade. Naquele ano houve um inquérito com grandes intelectuais, coordenado por Vicente Licínio Cardoso, que era um engenheiro positivista que nasceu com a República em 1889 e se suicidou em 1931. Em 1922 ele pediu a intelectuais como Tristão de Athayde, Oliveira Viana, Gilberto Amado que escrevessem ensaios sobre o sentido dos 37 anos da República. Esses ensaios saíram no livro “À margem da história da República”. Quando se lê esses ensaios se percebe que a ideia da desigualdade, hoje é tão presente, é quase ausente nesse livro. A percepção da imensa maioria, que era marginalizada, quase não aparece na consciência das pessoas. A grande preocupação era com a modernização da sociedade, isso passa pela Semana de Arte Moderna, pelo tenentismo, pela fundação do Partido Comunista. É um progresso que a evolução da consciência coletiva tenha avançado para identificar o problema central do país. Parece longe a percepção de que para curar, aos olhos estrangeiros, a ferida do país, simbolizada no Monte Castelo, a solução tenha sido derrubá-lo com jato d’água

Valor: E deu lugar a que?

Ricupero: Ao lugar onde hoje ficam os ministérios da Educação e da Fazenda no Rio. Lima Barreto protestou. Era o morro que marcava a fundação da cidade e era desse morro que se avistava a aproximação dos navios. Lá milhares haviam instalado muitos barracos. Era para lá que as pessoas se dirigiam para consultar sacerdotes e sacerdotisas dos cultos africanos. Eram as casas de pretos. Havia um grande esforço de embelezar a cidade e apresentá-la como uma capital moderna e aquilo tudo era considerado uma vergonha da miséria e do passado colonial do qual o Brasil não havia se libertado.

Valor: Vem daí então a analogia com a Argentina porque, de fato, parece que não há só um Monte Castelo, eles se proliferaram, não?

Ricupero: Sim. Outro dia fui à Praça da Sé. Morei lá perto, no Brás, quando era menino. Fiquei espantado. A praça hoje parece um acampamento com dezenas de tendas. A periferia está ocupando o centro. Nós de classe média, sobretudo em São Paulo, onde não há morro, podíamos nos dar ao luxo de ignorar a periferia. Podíamos viver a vida inteira sem nunca ir à Cidade Tiradentes. Só que agora a Cidade Tiradentes está ocupando o centro. No Rio se dizia “o morro vai descer”. Aqui foi a periferia que mudou de endereço. Então hoje está havendo um sentimento que é do extremo da miséria com o extremo da degradação política. E não apenas Bolsonaro, mas também o Centrão promove o auge do patriarcalismo e do patrimonialismo, que nunca foi tão escancarado quanto agora. Nunca o uso do poder para benefício próprio esteve tão evidente. Isso tudo leva à constatação de que o país não está dando certo. E diante disso você tem duas atitudes possíveis. A primeira é a de se resignar a essa ideia de que não deu certo em definitivo e ir embora, como aconselhou Simon Bolívar [“Na nossa América só há uma coisa a fazer, emigrar”]. A segunda é a de corrigir o que está errado e nos levantarmos, que é o que vai ser o processo eleitoral, uma coincidência feliz e infeliz com o bicentenário.

Valor: Por quê?

Ricupero: Infeliz por coincidir com o ânimo extremamente baixo de hoje e feliz porque as pessoas terão uma oportunidade de começar a mudar essa situação com seu voto. E a primeira coisa pra mudar é não dar um segundo mandato a Bolsonaro

Valor: De tantos revisionismos pelos quais a história brasileira passou, que heróis sobreviveram?

Ricupero: Como não sou partidário do extremismo, considero que há figuras na nossa história que são atuais, a começar por José Bonifácio. Ele foi o primeiro brasileiro, como se costumava dizer que Benjamin Franklin foi o primeiro americano. Na época da independência americana Franklin já tinha 80 anos, o que, para aquela época, era uma idade excepcional. Dos “founding fathers”, ele era o único que não era proprietários de terras e escravos. Vinha de família de artesãos. O pai era fabricante de velas. Ele encarnava o que o americano médio viria a ser no futuro, um homem construído por seu próprio esforço. Bonifácio, ao contrário de seus congêneres na América Latina, não era general ou bacharel, mas cientista, um mineralogista. Deve-se a ele a descoberta do lítio. E este cientista foi o autor da ideia de que o Brasil deveria se tornar independente com o príncipe herdeiro porque isso nos pouparia uma guerra civil. Um príncipe de sangue, chefe da dinastia, teria legitimidade como capitão do movimento da independência. Aceitou a monarquia não porque fosse monarquista convicto, como era o caso do Joaquim Nabuco, mas porque achava que era a fórmula que permitiria uma independência com menor sofrimento e menor possibilidade de guerra civil e fragmentação do país. O José Guilherme Merquior, antes de morrer, fez uma conferência intitulada “cem anos da República”. Em vez de fazer um balanço dos acontecimentos e dos números, ele fez um balanço dos sonhos que os brasileiros tinham para o país. Ele começava com o sonho do José Bonifácio: abolição, fim do tráfico de escravos, de acesso à terra para negros e índios, com financiamento do Banco do Brasil, pequena propriedade, fomento à imigração e desenvolvimento da indústria e da mineração. Ele escreveu uma série de projetos que foram editados pela professora Miriam Dolhnikoff, “Projetos para o Brasil”. Ia da monarquia constitucional à maneira de desenvolver o país, com miscigenação. Isso na época era uma coisa extraordinária porque muito tempo depois, em 1860, Abraham Lincoln, nos Estados Unidos, dizia que brancos e negros libertos não podiam viver juntos. Bonifácio só governou 18 meses. Foi ministro da Guerra, da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, organizou Exército e Marinha, contratou o Lord Cochrane para submeter as províncias do Norte. Quando tudo isso estava pronto, ele não era mais necessário e d. Pedro o mandou pro exílio. E o projeto que vingou foi o escravocrata e latifundiário que dominou o país.

Valor: Esse projeto que ele sonhou para o Brasil contemplava uma ideia mais agregadora de nação, mas instalou esse ideário de conciliação nacional que acabou marcando as travas de mudança da história nacional até hoje, quando se discute uma saída para Bolsonaro que passa até por anistia. Isso não é parte do atraso?

Ricupero: A conciliação em si não é um objetivo errôneo. Mas é preciso que aconteça com base na justiça, e não no esquecimento dos crimes. Não creio que a conciliação com os militares tenha sido correta. Deveria ter havido reconhecimento dos crimes que aconteceram, ainda que se renunciasse à ideia da punição. Foi assim na África do Sul. É preciso a conciliação em cima do conhecimento da verdade. Não se pode construir nada em cima da mentira. Mas para não ficar só no Bonifácio queria acrescentar Luiz Gama. Ele nasceu na Bahia e foi vendido ilegalmente como escravo pelo pai porque nasceu livre. Veio como escravo para São Paulo. Aprendeu a ler com um estudante, se emancipou, readquiriu a liberdade. Era um rábula e dedicou toda sua vida a conseguir provar a liberdade de mais de 500 africanos escravizados ilegalmente. Morreu seis anos antes da abolição. Teve que defender quatro escravos que tinham matado o amo em Campinas e a tese é usada até hoje. Qualquer escravo que mate o senhor está agindo em legítima defesa. Conquistar a liberdade é maior que conquistar a vida.

Valor: Bolsonaro fez uma construção parecida em relação à vacina. Obviamente que o sentido é completamente diferente, mas a avalanche de notícias falsas não pode desvirtuar o sentido do bicentenário, que teria bolsominions proclamando que liberdade hoje é não tomar vacina?

Ricupero: O ano de 2022 vai combinar um período muito negativo com a expectativa de um ciclo novo que pode se iniciar com a eleição. Efemérides do gênero têm trazido à tona, no mundo inteiro, uma disposição mais de se pôr fogo nas estátuas. Mas a saída não é se perguntar se devemos estar alegres ou frustrados, mas fazer uma reflexão sobre o sentido desses 200 anos e extrair não apenas um balanço mas uma visão de futuro sob o signo da verdade. Não podemos ficar com lamúrias. Senão vamos tocar um tango argentino, como sugeriu Manuel Bandeira

Valor: O fiasco bolsonarista de 7 de setembro de 2021 afastou o risco de golpe?

Ricupero: Não podemos afastar o risco de atentado de candidatos, aconteceu no México e na Colômbia. Não se pode eliminar a possibilidade daquilo que uma mente doentia é capaz para criar confusão, mas em condições normais, por tudo que estamos assistindo, não haverá condições de um golpe dentro do golpe. Não tem apoio internacional nem interno. O que vou dizer não tem originalidade. Está se formando um consenso de que a mãe das prioridades é negar a Bolsonaro um segundo mandato

Valor: O que o senhor está dizendo é que 7 de setembro de 2022 pode cair no 2 de outubro?

Ricupero: Eleições sempre trazem uma renovação da esperança. Identifico no crescimento da candidatura [do ex-presidente] Lula e até no fato de que ele possa ganhar no primeiro turno esse elemento de esperança. Não é um julgamento de valor. Não sei se vai dar certo ou não. E nem lulista sou. Se a Marina [Silva] for candidata, voto nela. Votei na Marina e no [Fernando] Haddad em 2018 e escrevi um artigo chamado “o dever dos neutros”, citando Rui Barbosa: entre a justiça e a injustiça, ninguém pode ser neutro. Hoje noto que, na imensa maioria das pessoas com quem converso, sobretudo as pessoas mais modestas, empregadas domésticas e trabalhadores, há uma imensa esperança na vitória de Lula. E isso pode levar a um movimento de avalanche que fecharia a eleição no primeiro turno, o que tornaria muito mais difícil qualquer movimento de inconformidade. A eleição, por algum efeito mágico, desperta um movimento de alegria. Mesmo que se decepcionem, o sentimento de alívio é muito grande.

Valor: Esse sequestro do Orçamento de 2022 não azeda as perspectivas para este ano do bicentenário?

Ricupero: Não excluo que haja momentos conflitivos. Faço até um paralelo. 1922 foi tudo aquilo que sabemos. Semana de Arte Moderna, mas também o início do movimento tenentista que derrubaria o regime criado pela República. O início foi tumultuado. Em março foi eleito Artur Bernardes. Mas até novembro quem governou foi Epitácio Pessoa. E o clima era de contestação, de crise da República Velha. Era um país em estado de sítio. Tinha havido a Revolta do Forte de Copacabana. Oito anos depois houve uma revolução que derrubou o sistema. O regime atual está chegando próximo ao fim. O sistema que foi estabelecido em 1988 com a Constituição está dando sinais de disfuncionalidade e isso se vê num fato: dois impeachments na Nova República. Este é o remédio heroico, feito para não ser usado. Quando começa a ser normatizado é por causa da degradação. A imensa maioria dos congressistas pratica o patrimonialismo e isso vai tornar o sistema inviável. Ou se autorreforma ou será destruído. Não vejo isso com pessimismo, mas não vejo [Arthur] Lira e [Rodrigo] Pacheco capazes de reformar e cortar na própria carne. Eles vão acabar sendo tragados. Se o sistema não se autorreformar vai se autodestruir, como na monarquia, que não conseguiu se autorreformar.

Valor: Mas todas as forças não empurram para a conciliação?

Ricupero: Não sei como vai ser, mas sei que será inevitável. É uma lição da história. Um sistema nasce, vive e morre. Só não morre quando se autorreforma. Há sistemas que têm essa capacidade. Sem querer dar a isso um caráter fetichista. Os regimes brasileiros não duram mais do que 40 anos. O primeiro período acaba com a abdicação. O segundo não começa com a maioridade, mas em 1848. Pedro II só governou a partir de 1848. Foi a partir daí que começa o regime oligárquico, que durou 40 anos. A República Velha também. Nossa Nova República já está próxima do esgotamento.

Valor Econômico

Um Congresso distante da sociedade - Editorial




Fechado em pautas que privilegiam, antes de tudo, os interesses dos parlamentares, o Congresso não conta com o alto apreço dos eleitores

O apreço que a sociedade tem pelo trabalho de deputados e senadores nunca foi alto. Em maior ou menor grau, a depender da legislatura, o Congresso sempre foi mal avaliado. A bem da verdade, isso diz mais sobre a educação política dos eleitores e, consequentemente, a qualidade dos votos depositados nas urnas do que qualquer outra coisa. Afinal, nenhum deputado ou senador chegou ao Congresso forçando a porta de entrada.

Para compor essa imagem negativa que o conjunto dos parlamentares transmite à sociedade, também não se pode esquecer que a chamada “classe política” se esforça muito para deliberadamente piorar o que já é ruim, pois muitos políticos oportunistas, em tempo de eleição, exploram o descontentamento dos eleitores com o Congresso – percebido, em geral, como uma instituição distante dos reais problemas do País – para obter ganhos pessoais. Em boa medida, essa dissimulação ajudou a alçar alguém do gabarito de Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Mas, ao final, os grandes responsáveis pela má imagem do Congresso aos olhos da maioria dos eleitores são, evidentemente, os próprios deputados e senadores que traem a confiança neles depositada ao orientarem seus mandatos por interesses antirrepublicanos. São suas escolhas como mandatários que definirão, individualmente, a percepção que seus constituintes têm de seu trabalho parlamentar e, no conjunto, a visão que a sociedade tem do Congresso. E a impressão que a atual legislatura transmite é a pior possível.

Uma pesquisa do Datafolha realizada entre os dias 13 e 16 de dezembro mostrou que apenas 10% dos brasileiros aprovam a atuação do Congresso. É o pior patamar de avaliação do Legislativo federal em três anos, quando, segundo o mesmo instituto, 22% dos pesquisados consideravam o trabalho do Congresso “ótimo ou bom” – porcentual não muito mais animador. Para 45% dos entrevistados na nova rodada da pesquisa, o trabalho dos parlamentares é “regular”. Para 41%, “ruim ou péssimo”. Outros 4% não souberam ou não quiseram responder.

A péssima avaliação da atual legislatura não é surpresa para ninguém, tanto para quem acompanha o dia a dia da política como para quem mais sofre as consequências diretas de um Congresso cada vez mais distante dos problemas que afligem milhões de brasileiros. A Câmara dos Deputados e o Senado, sob a presidência, respectivamente, de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm dado sucessivas mostras de alheamento, fechadas que estão, ambas as Casas, em pautas que privilegiam, antes de qualquer coisa, os interesses dos próprios parlamentares.

Assim como a esmagadora maioria dos eleitores é capaz de perceber que não há governo no País, como mostrou recente pesquisa realizada pelo Ipec, também não está alheia ao que se passa no outro canto da Praça dos Três Poderes. Os eleitores não estão alheios à tomada de assalto do Orçamento da União pelos parlamentares. Não estão alheios a um Congresso que, em meio à pior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País, ainda cogita cortar recursos orçamentários do Ministério da Saúde para custeio de UTIS. Não escapa ao olhar crítico dos cidadãos o aumento ignominioso do montante destinado ao financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais enquanto projetos destinados a atacar mazelas renitentes do País seguem à míngua, como é o caso do projeto para zerar a fila dos beneficiários do Bolsa Família.

A palavra “precatório” pode não significar nada para a maioria dos brasileiros, mas estes sabem que o Congresso – com a cumplicidade de Bolsonaro – aprovou o calote das dívidas da União para abastecer de recursos os partidos políticos e parlamentares, além de financiar o populismo eleitoreiro do presidente da República.

Compor o Orçamento da União é o coração da atividade dos parlamentares. É fazer escolhas. E tanto a forma como a qualidade dessas escolhas definem o vigor de uma democracia representativa. Orçamento e democracia estão umbilicalmente ligados. Neste sentido, a democracia brasileira vai mal, e os eleitores parecem ter percebido.

O Estado de São Paulo

Covid: Brasil corre risco de nova onda silenciosa com variante ômicron e testes escassos?




Os dados sobre a testagem da covid no Brasil estão muito desatualizados, avaliam especialistas

Por  André Biernath, em São Paulo

O físico Wesley Cota, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, montou um dos sites mais completos para o monitoramento da pandemia de covid-19 no Brasil.

A página, que traz informações sobre casos, hospitalizações, mortes, testagem e vacinação detalhados pelas cidades do país, serve de referência até para o Our World In Data, portal criado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, que reúne estatísticas globais sobre a crise sanitária.

O especialista se mostra apreensivo com a atual situação do país. "A gente está no escuro. Vemos os profissionais de saúde relatando aumento de casos de infecções respiratórias, mas não temos a menor ideia se é gripe ou covid", aponta.

"Também não sabemos se esses casos têm a ver com a variante ômicron e o quanto ela está disseminada por aqui."

Cota não é o único a levantar essa preocupação: ao longo das últimas semanas, diversos especialistas que acompanham a situação da covid-19 no Brasil fizeram uma série de críticas a respeito da disponibilidade de dados capazes de refletir o que realmente está acontecendo por aqui.

O temor deles é que, a exemplo do que ocorre agora em várias partes do mundo, como Reino Unido, França e Estados Unidos, a ômicron esteja se espalhando de forma silenciosa e acelerada pelo país, impulsionada pela maior capacidade de transmissão dessa variante e pelas aglomerações e festas de final e de início de ano.

A principal dificuldade para ver esse aumento claramente, dizem eles, é o fato de que o Brasil nunca teve uma política pública de testagem, isolamento de casos positivos e rastreamento de contatos.

Oportunidade desperdiçada

Desde março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) bate na tecla de que testar, isolar e rastrear são atitudes primordiais para lidar com a covid-19.

Num discurso realizado em 16 de março daquele ano, o biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da entidade, classificou essas três ações como "a espinha dorsal da resposta à pandemia".

"A forma mais eficaz de prevenir infecções e salvar vidas é quebrar as cadeias de transmissão. Para fazer isso, é preciso testar e isolar", declarou.

"Você não pode combater um incêndio com os olhos vendados. E não podemos parar esta pandemia se não soubermos quem está infectado."

"Temos uma mensagem muito simples para todos os países: teste, teste e teste", orientou Ghebreyesus.

A recomendação foi seguida à risca pelos países mais bem-sucedidos no controle do vírus: Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e partes da Europa são alguns exemplos de locais que conseguiram lançar um programa de testagem para detectar o aumento de casos positivos e agir rapidamente, antes que a situação saísse do controle.

A bióloga e divulgadora científica Tabata Bohlen, que morou em dois países europeus nos últimos meses, relata como é fácil ter acesso aos exames por lá.

"Na Alemanha, até o final de setembro, era possível realizar testes gratuitamente em cabines espalhadas na cidade. Eles eram feitos por profissionais e nós recebíamos uma mensagem de texto com o resultado", conta.

"Além disso, você encontra testes para comprar em supermercados e farmácias, com preços que vão de 1 a 5 euros [6 a 30 reais]."

Esses autotestes, que são comprados por um valor baixo e podem ser feitos em casa, sequer estão disponíveis ou regulamentados no Brasil.

'Os testes de antígeno estão disponíveis por um valor bem baixo em vários países no mundo. No Brasil, eles ainda não foram aprovados'

"Na Áustria, pelo que vi até agora na cidade de Viena, as pessoas conseguiam retirar sete testes por semana para fazer em casa nas farmácias por semana e o valor era descontado do plano de saúde. Em alguns casos, era necessário enviar um vídeo do momento da testagem, para garantir que a coleta foi feita de forma apropriada."

"Também há centros de testagem caso você não queira fazer por conta própria", completa.

Na contramão desses lugares, o nosso país nunca teve uma política de testagem da covid bem definida, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

"Se tem um quesito que o Brasil realmente falhou e continua a falhar nesta pandemia é na testagem. Nunca houve uma disponibilidade de exames ou uma mensagem clara de quando, como e quem deve ser testado", analisa Lorena Guadalupe Barberia, professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo e integrante do Observatório Covid-19 BR.

"E não basta disponibilizar os kits de exames: o governo deveria ter um programa amplo e coerente. Era preciso deixar claro o que fazer se o resultado fosse positivo, como se isolar adequadamente, além de avisar as pessoas com quem você teve contato nos últimos dias para que elas também fossem testadas", complementa.

O enfermeiro e epidemiologista Laio Magno, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), entende que o país tinha tudo para ser um exemplo mundial na testagem da covid, mas perdeu essa oportunidade.

"Poderíamos ter aproveitado nossa imensa rede de atenção básica de saúde. Nós temos equipes de saúde da família, médicos, enfermeiros, agentes comunitários e outros profissionais que estão espalhados por todo o país e fazem esse elo do Sistema Único de Saúde com as comunidades", avalia o especialista, que também integra a Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

"Imagina se essa rede inteira pudesse fazer teste rápido de covid e tivesse integrada à vigilância epidemiológica? Quase nenhum país do mundo tem uma estrutura dessas."

"A nossa atenção primária é exemplo e está diretamente relacionada com a diminuição da mortalidade infantil, além de já ter experiência na testagem de outras doenças, como infecção por HIV, sífilis e hepatites B e C", conclui.

'As equipes de saúde da família do SUS poderiam ser usadas para ampliar a testagem da covid no país, sugere pesquisador'

Onda silenciosa?

Sem essa informação dos diagnósticos, fica difícil entender como o vírus está se espalhando e se há alguma região que apresenta aumento nos casos de covid.

Vale lembrar aqui que essa doença costuma demorar alguns dias para apresentar sintomas, e só uma parcela dos infectados vai desenvolver sinais mais graves, que exigem uma avaliação médica e eventualmente até uma internação.

Ou seja: sem testes, os indivíduos com sintomas leves (ou sem incômodo algum) não sabem que estão com o coronavírus e muitas vezes seguem a vida normalmente, passando o patógeno adiante.

É justamente isso que cria as cadeias de transmissão viral na comunidade. Após algum tempo, isso pode desembocar em aumento das hospitalizações, escassez de insumos, leitos e profissionais e até o colapso do sistema de saúde.

Agora, quando esse repique é observado com antecedência, logo em sua origem, é possível reforçar as ações preventivas nessa região específica, como o uso de máscaras e distanciamento social, para controlar o problema no local e evitar que ele se espalhe para outros lugares.

Saber dessas estatísticas, aliás, é ainda mais estratégico num momento em que temos uma nova variante com alto potencial de transmissão, como a ômicron, que está por trás de recordes de casos registrados nos últimos dias em várias partes do mundo.

'Variante ômicron do coronavírus está por trás dos recordes de casos registrados em várias partes do mundo nas últimas semanas'

"Estamos vivendo uma onda silenciosa de infecções de ômicron e nem notamos isso, porque não temos uma política de testagem adequada", observa o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas.

Embora essa "onda silenciosa" ainda não apareça nas estatísticas oficiais, ela já começa a despontar em alguns levantamentos feitos por grupos privados.

A Dasa, que conta com mais de 900 unidades laboratoriais no país, divulgou que houve um aumento importante na taxa de positividade dos testes de covid-19 nas últimas semanas.

Em 4 de dezembro, 1,3% dos exames realizados traziam resultado positivo. Já no dia 26/12, essa porcentagem subiu para 11,4%.

Já a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) revelou que essa taxa de positividade dos testes realizados em cerca de 3 mil estabelecimentos saltou de 5% no início de dezembro para 20% após o Natal.

Falta de referências

Os especialistas se queixam da falta de transparência e na forma como os números sobre testagem são disponibilizados pelo Governo Federal, os Estados e os municípios.

Para piorar, algumas dessas bases de dados não são atualizadas desde agosto ou outubro.

Um exemplo dessa falta de referências aparece no site Our World In Data. Por lá, não há informações sobre a taxa de positividade de testes realizados no Brasil, o número de testes feitos para cada positivo ou os detalhes de quais são as políticas de testagem adotadas por aqui.

Esses mesmos dados relativos aos países da América do Norte, da Europa, da Oceania e de partes da Ásia e da América Latina estão facilmente disponíveis na plataforma.

'No site Our World In Data, que compila estatísticas da pandemia, Brasil é um dos países por não apresentar dados sobre a taxa de positividade dos testes de covid'

Cota, da UFV, também sente na pele essa dificuldade de encontrar as estatísticas de testagem no Brasil.

"É muito complicado achar o número de testes realizados por dia ou por semana. Desde o início da pandemia, as Secretarias Estaduais de Saúde nunca priorizaram essa informação", comenta.

O físico diz que, para manter o site, ele colhe as estatísticas sobre testagem de um outro repositório, chamado de Giscard.

"É onde encontrei as informações mais confiáveis até agora", aponta Cota.

Lá, é possível ver o número de testes realizados por Estado, a porcentagem da população que passou pelo exame e a taxa de positividade.

Mas há um outro problema: os dados disponibilizados por algumas secretarias de Saúde estão muito desatualizados.

Em mais de dez Estados, como Pará, Mato Grosso e Rio de Janeiro, a última informação disponível sobre testagem é de 2 de outubro, há três meses.

"Infelizmente, o Brasil nunca foi capaz de trazer informações do tipo 'ontem foram realizados 100 mil testes e 15% deles foram positivos'", exemplifica Barberia.

"Até hoje, não foi realizada uma comunicação sobre a importância de as pessoas testarem e se isolarem quando o resultado é positivo", lamenta.

A especialista em políticas públicas da USP faz uma comparação do que ocorreu com a testagem recentemente em dois locais: um nos Estados Unidos e outro no Brasil.

"Nos últimos setes dias, o Estado de Nova York, que tem 19 milhões de habitantes, realizou 1,5 milhões de testes RT-PCR", informa.

"Já São Paulo, com 40 milhões de habitantes, sequer traz dados atualizados. Temos que nos nortear pelas estatísticas de novembro, em que foram realizados 300 mil testes RT-PCR durante todo o mês no Estado, sendo que dois terços vêm da rede privada de saúde e têm custo elevado", compara.

Melhor indicador segue paralisado

Para completar o cenário de incertezas, o Boletim Infogripe, divulgado semanalmente por representantes da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), não é publicado há mais de 21 dias.

No início de dezembro, o site e os sistemas de informática do Ministério da Saúde sofreram um ataque hacker que até agora não foi 100% solucionado.

O boletim é considerado uma das principais fontes para entender o estágio da pandemia no país. Ele compila e analisa os números de hospitalizações e mortes por Síndrome Aguda Respiratória Grave (SRAG) e indica as tendências de diminuição ou crescimento de casos.

Por lei, os hospitais são obrigados a notificar todos os pacientes com SRAG ao Ministério da Saúde. Em razão da pandemia e da alta circulação do coronavírus, depreende-se que a maioria desses indivíduos esteja mesmo com covid-19.

'Principal indicador de hospitalizações por infecções respiratórias do Brasil está paralisado há três semanas'

"Terceira semana consecutiva sem poder fazer a atualização do Boletim Infogripe por conta de entraves técnicos que seguem fazendo com que o ministério não repasse os dados. Em nome da equipe do Infogripe, pedimos desculpas à rede de vigilância nacional e à população", escreveu no Twitter o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do relatório na FioCruz.

"Não temos como avaliar como está a situação das internações por infecções respiratórias em todo o território nacional. Na última semana de novembro, publicamos um alerta sobre a possível retomada do crescimento em diversos Estados. Como está hoje? Quais são os vírus que estão dominando em cada local? Quais as faixas etárias mais afetadas? Não sabemos…"

"Com isso, a rede [de vigilância] fica na dependência de sistemas próprios, nem sempre equivalentes entre os Estados, e a população fica desinformada ou com acesso apenas a relatos de unidades de saúde específicas", lamentou.

Também no Twitter, o físico Roberto Kraenkel, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) classificou a situação como "um escândalo que ainda não recebeu a devida atenção".

"A Polícia Federal e o Ministério da Saúde não explicam claramente o que está acontecendo, nem porque está demorando tanto para restabelecer as bases de dados num momento em que a ômicron está em expansão iminente", escreveu.

Magno, da Uneb e da Abrasco, destaca mais uma vez a sensação de estar às cegas num momento tão sensível da pandemia.

"A gente não sabe o que está acontecendo agora. Além da testagem muito aquém do ideal, vivemos esse apagão de dados, em que Estados e municípios apresentam dificuldade para divulgar o pouco que tínhamos à disposição", critica.

Já Cota, da UFV, não aparenta ter muitas esperanças de que as coisas possam se modificar.

"Estamos praticamente completando o segundo ano de pandemia, não conseguimos evoluir na disponibilidade dos dados e não temos nenhuma expectativa de que isso vá melhorar", avalia.

"Nos resta torcer para que os sistemas sejam restabelecidos para voltarmos ao que tínhamos antes do ataque hacker", completa.

O que diz o governo

No dia 17 de setembro, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19.

Nas palavras do ministro Marcelo Queiroga, o principal objetivo era "ampliar a nossa capacidade de testagem".

"Todos lembram que no começo da pandemia era difícil realizar os testes, porque a infraestrutura, não só do Brasil, mas do mundo todo, não existia. Hoje, os nossos sistemas foram aprimorados com investimento do Ministério da Saúde para realizar testes. E a tecnologia evoluiu, agora nós temos os testes rápidos de antígenos que em 15 minutos nós dão resultados", discursou.

'Queiroga anunciou que Ministério da Saúde distribuiria 60 milhões de testes até o final de 2021'

A previsão era que fossem realizados até o final de 2021 cerca de 60 milhões de testes de antígeno, que dá o resultado em poucos minutos.

Na visão de Barberia, essa quantidade é insuficiente para o tamanho da população brasileira e não sinaliza o início de uma política efetiva para a detecção de novas ondas da covid em território nacional.

"O governo anuncia compras de 20, 40, 60 milhões de testes, que são muito inferiores à capacidade que precisávamos instalar no país", comenta a especialista da USP.

"E sem contar que esses números precisam estar alinhados a uma estratégia. Quem vai ser testado? Por que? E o que acontece se o indivíduo for diagnosticado com covid? Onde ele ficará isolado? E o que fazer com as pessoas com quem ele teve contato?", questiona.

"Da forma como são feitos esses anúncios, nunca entendemos de verdade o que será feito."

A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde e pediu esclarecimentos sobre quatro questões relacionadas à política de testagem e aos anúncios feitos recentemente, como você confere abaixo:

    Em setembro, o Ministério da Saúde divulgou um plano nacional para expansão da testagem de covid-19 no Brasil, cuja meta era distribuir 60 milhões de testes até o final de 2021. Como está esse plano? Quantos testes foram efetivamente distribuídos e utilizados até agora?

    Há algum site ou boletim onde esses números de testagem são atualizados periodicamente?

    Quais são os planos para a testagem da covid para 2022?

    Pelo que se observa até agora, os casos de covid causados pela variante ômicron parecem ser mais leves e até assintomáticos. Isso pode representar um risco de uma "epidemia silenciosa" no país, se os testes de indivíduos assintomáticos (ou com sintomas muito iniciais) não forem ampliados?

Até a publicação desta reportagem, não recebemos nenhuma resposta.

BBC Brasil

O grande irmão vê tudo: no país de XI, até as tatuagens são controladas.

 




Além de proibir desenhos corporais em jogadores de futebol, governo chinês espiona Twitter e Facebook e paga influencers estrangeiros. 

Por Vilma Gryzinski

Ser rico já foi glorioso, quando Deng Xiaoping liberou o espírito animal do mercado para dar o fenomenal salto à frente da economia chinesa. Hoje, os ricos estão de farol baixo na China.

O governo de Xi Jinping está interferindo nada delicadamente no mercado, que se nunca foi livre, já teve mais autonomia.

Para não perder o controle e também manipular os sentimentos das camadas menos privilegiadas – 600 milhões de pessoas que ainda não “chegaram lá” e ainda vivem num universo de baixa renda, na faixa de 1 600 dólares por ano -, Xi Jinping promove um reajuste em larga escala, que alcança todas as esferas do país.

Economicamente, o projeto tem um slogan bonito, “Prosperidade para todos”. Em nome de controlar as desigualdades, inevitáveis quando alguns geram mais renda do que outros, vários dos “excessos” naturais da economia de mercado estão sendo contidos com a tradicional mão de ferro. Empresas do ramo financeiro que iam fazer oferta pública de ações desistiram da ideia, certamente não por iniciativa própria. As grandes construtoras sob risco de falência por endividamento impagável estão rapidamente se adaptando ao novo ambiente.

O grande reajuste tem também um aspecto moralizante, de retomada dos “valores revolucionários”. Cantores e artistas foram aconselhados a não imitar demais o visual e o comportamento dos vizinhos mais influentes nessa esfera, os sul-coreanos.

Nada é tão insignificante que escape ao olhar atento do grande irmão chinês. Jogadores da seleção nacional de futebol foram proibidos de fazer novas tatuagens. Os que já as têm, devem removê-las. O órgão que regula os esportes disse que está “estritamente proibido” recrutar novos jogadores tatuados.

Proibir futebolistas de se tatuar é quase como impedi-los de fazer gols, mas esta é a realidade: um regime de partido único e forte pode tudo. Até proibir qualquer tipo de manifestação que evoque o espírito natalino, em nome da rejeição a tudo que não seja ligado à cultura tradicional chinesa. Aconteceu no último Natal e afetou principalmente chineses que estudam inglês em escolas de idiomas e entrem em contato com as festividades cristãs – ou puramente consumistas, outro atrativo.

Aliás, as aulas particulares também foram proibidas, em nome de diminuir as desigualdades entre estudantes cujos pais podem bancar o reforço extracurricular e os sem recursos para isso. Um setor inteiro foi simplesmente varrido do mapa – o prejuízo foi calculado em 120 bilhões de dólares.

O alcance dos métodos de controle atinge níveis inacreditáveis. Os órgãos de inteligência monitoram manifestações de chineses no exterior que expressem a mais mínima oposição ao regime pelo Twitter ou o Facebook. Ambos não existem na China, mas são usados por chineses em outros países.

O New York Times publicou uma reportagem impressionante, com relatos de duas jovens chinesas que fizeram comentários favoráveis ao movimento pela democracia em Hong Kong.

Uma delas, estudante na Austrália, filmou o policial que convocou o pai dela à delegacia e, pelo celular dele, falou que deveria encerrar sua conta no Twitter. “Quando você voltar para a China, venha imediatamente aqui”, ameaçou. O pai, intimidado, encerra rapidamente a ligação quando colocado em contato com a filha.

Outro método chinês: patrocinar influencers estrangeiros, americanos ou de outras nacionalidades, que escrevem blogs sobre viagens e apresentam uma visão em tudo favorável ao regime, inclusive sobre a situação dos uigures, a minoria étnica obrigada a praticar uma forma sancionada pelo estado da religião muçulmana.

A pandemia, que continua provocando lockdowns localizados, e o freio no mercado podem criar uma situação inusitada este ano: os Estados Unidos, com 4,6% de aumento do PIB, cresceriam mais do que a China, com 4,3%, segundo um dos prognósticos que estão sacudindo as visões habituais.

Um crescimento mais moderado é ruim para países que exportam commodities para a China – incluindo, claro, o Brasil, que mandava para 64% das exportações de petróleo, mais 59% dos minério de ferro, antes do atual crescimento menos exuberante.

“Nossa ideia é deixar algumas pessoas e algumas regiões ficarem ricas antes, para depois ajudarem a empurrar as regiões mais atrasadas”, disse Deng Xaoping em 1986.

Xi Jinping e a máquina partidária que o sustenta podem achar que está na hora de aumentar a “ajuda”. Ou, simplesmente, que a prosperidade individual havia chegado ao nível em que começa a colocar ideias sobre liberdade de forma geral na cabeça das pessoas.

De qualquer maneira, as consequências para a China e para o mundo são gigantescas. As experiências históricas mostram que o igualitarismo geralmente reparte a miséria e não promove prosperidade para todos, como diz hoje o slogan mais repetido na China, mas Xi Jinping até agora tem se mostrado um mestre na arte do pensamento estratégico. Se está proibindo até tatuagens é porque vê nisso vantagens políticas. Os incomodados que usem camisa de manga comprida, como alguns jogadores já estão fazendo.

Revista Veja

Por que vacinados ainda podem pegar covid (e isso não é falha do imunizante)




Os imunizantes contra a covid-19 continuam a funcionar para aquilo que eles foram desenvolvidos: a prevenção de casos mais graves da doença, que causam hospitalização e morte.

Por André Biernath, em São Paulo

O cantor Caetano Veloso, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, a apresentadora Maísa, o ator Marcelo Serrado, o influenciador Casimiro Miguel… Várias personalidades divulgaram que receberam um diagnóstico positivo para covid-19 nos últimos dias.

A maioria absoluta já estava vacinada com duas ou três doses da vacina e alguns estão infectados pela segunda vez.

Os anúncios serviram de combustível para a criação (ou a reciclagem) de notícias falsas, que acusam os imunizantes de não funcionarem como o esperado.

As notícias também levantaram algumas dúvidas na cabeça das pessoas: se as vacinas são efetivas, como é que tanta gente pegou covid?

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que os dados oficiais e os estudos científicos são bem claros e oferecem respostas para esse e outros questionamentos. Mesmo com o avanço da variante ômicron, os imunizantes contra a covid-19 continuam a funcionar para aquilo que eles foram desenvolvidos: a prevenção de casos mais graves da doença, que causam hospitalização e morte.

Entenda a seguir como cientistas, médicos e instituições de saúde seguem confiando no poderio das vacinas testadas e aprovadas em várias partes do mundo — e como elas estão ajudando a conter a pandemia.

A falsa controvérsia ganha terreno

Diante das notícias das celebridades infectadas e dos recordes diários de novos casos de covid-19 em países como Estados Unidos, França e Reino Unido, a efetividade das vacinas voltou a virar motivo de discussão nas redes sociais.

No Brasil, uma das postagens que geraram mais polêmica foi um tuíte da advogada Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo Partido Social Liberal (PSL).

Ela escreveu: "Vivemos um momento tão intrigante, que pessoas vacinadas, com todas as doses, pegam covid-19 e recomendam a vacinação. Parece piada. Ninguém acha, no mínimo, curioso?"

Até o fechamento desta reportagem, a publicação já contava com mais de 14 mil curtidas e 6 mil compartilhamentos.

'A deputada Janaina Paschoal disse que já incentivou a vacinação em vários momentos'

A BBC News Brasil entrou em contato com a deputada Janaina Paschoal, que enviou uma nota de esclarecimentos a respeito da polêmica após a postagem no Twitter:

"Nunca neguei a doença, sempre estimulei comportamentos responsáveis e, em vários momentos, incentivei a vacinação. Não obstante, penso que a dinâmica preponderante no Brasil não é saudável", escreve.

A deputada acredita que "existe uma vedação em se debater a eficácia e os efeitos adversos das vacinas".

"Querem impor a vacinação, mediante a vedação de direitos básicos, como saúde, educação e trabalho, como se os vacinados não pegassem ou não transmitissem a covid. Não sou contrária à vacinação. Sou contrária à imposição e à obstrução do debate", finalizou.

Sobre os eventos adversos das vacinas mencionados por Paschoal, as agências regulatórias e diversas entidades científicas nacionais e internacionais são unânimes em afirmar que as doses contra a covid são seguras para pessoas com mais de 5 anos.

Até o momento, os principais efeitos colaterais observados são leves e passam naturalmente após alguns dias. Entre os principais incômodos listados, destacam-se: dor e vermelhidão no local da picada, febre, dor de cabeça, cansaço, dor muscular, calafrios e náuseas.

Os eventos mais graves, como anafilaxia, trombose, pericardite e miocardite (inflamações no coração), são consideradas raros pelas autoridades — e os benefícios de tomar as doses superam, de longe, os riscos observados, asseguram as agências.

Já a respeito da discussão sobre a eficácia e o fato de indivíduos vacinados pegarem e transmitirem o coronavírus, o pediatra e infectologista Renato Kfouri esclarece que a primeira leva de vacinas contra a covid-19, da qual fazem parte CoronaVac e os produtos desenvolvidos por Pfizer, AstraZeneca, Janssen, entre outras, tem como objetivo principal reduzir o risco desenvolver as formas mais graves da doença, que estão relacionados a hospitalizações e mortes.

"As vacinas protegem muito melhor contra as formas mais graves do que contra as formas moderadas, leves ou assintomáticas da covid. Quanto mais grave o desfecho, maior a eficácia delas", resume Renato Kfouri, que é diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

A meta principal desses imunizantes, portanto, nunca foi barrar a infecção em si, mas tornar essa invasão do coronavírus menos danosa ao organismo.

Esse mesmo racional se aplica à vacina contra a gripe, disponível há décadas. A dose, oferecida todos os anos, não previne necessariamente a infecção pelo vírus influenza, mas evita as complicações frequentes nos grupos mais vulneráveis, como crianças, gestantes e idosos.

Analisando o cenário mais amplo, essa proteção contra as formas mais severas têm um impacto direto em todo o sistema de saúde: diminuir a gravidade das infecções respiratórias é sinônimo de prontos-socorros menos lotados, maior disponibilidade de leitos de enfermaria ou UTI e, claro, mais tempo para a equipe de saúde tratar os pacientes de forma adequada.

E os dados mostram que as vacinas estão cumprindo muito bem esse papel: de acordo com o Fundo Commonwealth, a aplicação das doses contra o coronavírus evitou, até novembro de 2021, um total de 1,1 milhão de mortes e 10,3 milhões de hospitalizações só nos Estados Unidos.

Já o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) calculam que 470 mil indivíduos com mais de 60 anos tiveram as vidas salvas em 33 países do continente desde que a vacinação contra a covid começou por lá.

O que explica a situação atual?

Mesmo diante das informações sobre o papel principal dos imunizantes, é inegável que a frequência de reinfecções ou de diagnósticos positivos entre vacinados aumentou nos últimos tempos. E isso pode ser explicado por três fatores.

O primeiro deles é simples: acabamos de sair do período de Natal e Réveillon, em que as pessoas se aglomeram e fazem festas. Isso, por si só, já aumenta o risco de transmissão do coronavírus.

Segundo, passado praticamente um ano desde que as doses começaram a ficar disponíveis em algumas partes do mundo (inclusive no Brasil), os especialistas aprenderam que a imunidade contra a covid pós-vacinação não dura para sempre.

"Com o passar do tempo, vimos que o nível de proteção cai. Essa queda vai ser maior ou menor dependendo do tipo de vacina e da idade de cada indivíduo", explica Kfouri.

"Isso deixou evidente a necessidade da aplicação de uma terceira dose, primeiro para os idosos e imunossuprimidos, depois para toda a população adulta", complementa o médico.

'Vacinas protegem (e continuam a proteger) contra as formas mais graves de covid, relacionadas à hospitalização e morte'

O terceiro fator tem a ver com a chegada da variante ômicron, que é mais transmissível e tem capacidade de "driblar" a imunidade obtida com as vacinas ou com um quadro prévio de covid.

"Diante disso, a infecção em indivíduos vacinados deve ser vista como algo absolutamente comum e vamos precisar aprender a conviver com essa situação", acredita Kfouri.

"Felizmente, esse aumento recente de casos de covid tem se traduzido numa menor taxa de hospitalização e mortes, especialmente entre indivíduos que já foram vacinados", observa o diretor da SBIm.

"Ou seja: a vacina continua protegendo contra as formas mais graves, como esperado", conclui.

Os gráficos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) mostram claramente esse efeito das vacinas na prática.

A taxa de hospitalizações por covid-19 entre os não vacinados é muito superior quando comparada aos indivíduos que haviam recebido suas doses até novembro.

Ainda de acordo com o CDC, algo parecido acontece com o risco de infecção e de morte pelo coronavírus.

Até outubro, indivíduos não vacinados (linha preta) tinham um risco 10 vezes maior de testar positivo e um risco 20 vezes superior de morrer por covid na comparação com quem já havia recebido a dose de reforço (linha azul escuro).

Mas o que aconteceu mais recentemente, a partir de dezembro, com a chegada da variante ômicron? Mais atualizados, os gráficos do sistema de saúde de Nova York, também nos EUA, mostram uma diferença gritante.

A partir do início de dezembro, a curva de casos, hospitalizações e mortes na cidade sobe vertiginosamente entre os não vacinados (linha roxa), e se mantém estável, ou com um ligeiro aumento, entre quem tomou as doses (linha laranja), como você pode conferir nas três imagens a seguir:

Num relatório recente, a Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido chegou a uma conclusão parecida.

Uma das análises incluída no artigo foi feita na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e mostra que, caso o indivíduo seja infectado com a ômicron, o risco de hospitalização é 81% menor se ele tiver tomado as três doses do imunizante.

Já uma segunda pesquisa, feita pela própria agência, demonstra que as três aplicações de vacinas têm uma efetividade de 88%, embora ainda não se saiba quanto tempo dura essa proteção e se haverá necessidade de reforços nos próximos meses.

Infelizmente, não existem dados semelhantes sobre a realidade brasileira — os ataques aos sistemas de informática do Ministério da Saúde no início de dezembro ainda não foram 100% resolvidos e impossibilitam o acesso aos números de hospitalizações e mortes por infecções respiratórias das últimas semanas.

Para Kfouri, todas essas evidências só reforçam a importância da vacinação num contexto de circulação da ômicron e aumento de casos.

"É absolutamente errado pensar que não adianta tomar as doses porque todos vão ficar doentes mesmo assim. A vacina consegue transformar a covid numa enfermidade mais simples, que pode ser tratada em casa na maioria das vezes", afirma.

"Só vamos sair da pandemia com uma alta cobertura vacinal da população, incluindo as crianças, e o respeito aos cuidados básicos, como o uso de máscaras, a prevenção de aglomerações e a lavagem das mãos", completa o especialista.

BBC Brasil

Bancada federal do PSB decide a favor de formar uma federação com o PT

Bancada federal do PSB decide a favor de formar uma federação com o PT
Foto: Reprodução / O Globo

A bancada do PSB na Câmara dos Deputados definiu-se, na manhã desta segunda-feira (3), a favor da formação de uma federação partidária com o PT, nos moldes da nova legislação eleitoral. As informações são do jornal O Globo.

 

Ficou combinado na reunião entre os deputados socialistas que será redigido um texto a ser entregue ainda esta semana ao presidente do PSB, Carlos Siqueira, explicando as razões dessa tomada de posição.

 

Se formarem uma federação, os partidos têm que permanecer unidas por quatro anos e terão que atuar juntos, neste período, em todas as eleições nas esferas federal, estadual e municipal. Pela lei, a federação terá que ser formalizada até abril.

Bahia Notícias

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