Eduardo de Azeredo Costa
Vai passar? Sim, vai passar. E ninguém tem dúvida de que a humanidade sobreviverá e continuará sua história na Terra. Cremos que a pandemia deixará legados. Bons e maus. Quais serão, para além de uma tênue memória do episódio, 100 anos depois, como a da tragédia da gripe espanhola de 1918/19?
E agora? Além de importar equipamentos, como respiradores, testes diagnósticos e remédios, o que faremos? O certo é que a produção nacional no setor necessita de soberania, para servir ao povo brasileiro.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO – Temos capacidade tecnológica para tanto, mas as armadilhas da tradição exportadora de produtos primários nos fez refém de importações que destroem nossas indústrias privadas.
E quem trabalhou em laboratórios como o Instituto de Pesquisas Biológicas de Porto Alegre, Instituto Adolfo Lutz, Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Evandro Chagas, Instituto Vital Brazil e outros, sabe da capacidade nacional, que é atropelada pela importação, mas também pela falta de planejamento na saúde
Assim, somos levados a pensar no tipo de legado para o SUS, agora. A defesa da indústria nacional é vital para os sistemas de saúde, especialmente nos momentos de crise. Enquanto a criação do Serviço Nacional de Saúde inglês alavancou a indústria britânica de medicamentos, que passou a exportadora, não criamos as bases para isso na farmoquímica brasileira.
IMPORTANDO TECNOLOGIA – Na área de imunobiológicos, liquidamos ossos produtos pioneiros por falta de inovação e passamos a importar tecnologia das multinacionais.
Esse fato demonstra que um projeto nacional de desenvolvimento é condição necessária para o fortalecimento do SUS. E para ele estabelecer um planejamento do Ministério da Saúde que o respeite e para ele contribua – uma interação necessária.
Fortalecer o SUS é propiciar educação para todo o povo brasileiro para que possa se proteger e cuidar dos seus familiares. Assim, o SUS poderia dedicar-se ao que é central na sua missão como sistema de saúde universal, que garanta a prestação de serviços de saúde adequados à população brasileira com equidade.
PROBLEMAS E ENTRAVES – Das atuais características do SUS resultam alguns problemas que precisam ser sanados para que seja fortalecido internamente.
Vamos focar em apenas dois deles. Um é a fragmentação dos prestadores por entidades com abordagens e interesses diferentes, reduz a capacidade de planejar nacionalmente e mesmo localmente, resultando daí a má distribuição dos recursos, provocando inequidade no acesso e na qualidade dos serviços.
A outra questão se refere aos recursos humanos para a saúde, pois não se permitiu a criação nacional de uma carreira de servidores do SUS. Ora, há prestação por entidades públicas de saúde federais, estaduais e municipais e privadas. E mesmo na área pública, inclusive com políticas neoliberais de precarização de contratos trabalhistas e de legislação de controle fiscal, grande parte dos trabalhadores da saúde são hoje terceirizados ou seja, não têm a característica de estabilidade para o treinamento continuado e o convívio prolongado com as comunidades, que são a melhor característica da atenção primária de qualidade.
ARRISCANDO A VIDA – Os servidores do front sanitário, particularmente nos hospitais públicos, são os mais expostos ao risco de adoecer e morrer.
Nessa pandemia, a sociedade tem manifestado seu reconhecimento pela dedicação e tem valorizado os trabalhadores da saúde, em todo o mundo. Na Espanha criou-se um ritual matinal de aplaudir das janelas os trabalhadores da saúde que vão assumir seus postos.
E mais deveriam ser aqui no Brasil, onde suas condições de contrato e trabalho são muito precárias. Não é incomum que um técnico de enfermagem trabalhe em até três hospitais diferentes, no regime de plantão, com contratos diferentes, para poder ganhar o suficiente para manter sua família. Com isso, também são vetores de transmissão da doença para seus parentes e comunidades.
FALTA UM PLANO NACIONAL – Por tudo isso, está na hora de um plano nacional de carreira na Saúde Pública. De preferência, com dedicação integral. É tão estratégico quanto a atuação das Forças Armadas para a segurança nacional.
Se tomarmos as devidas providências, realmente a pandemia do coronavírus poderá nos deixar um legado indelével do enfrentamento a outras ameaças sanitárias, e isso vai nos servir por mais 100 anos.
Os profissionais que hoje enfrentam a doença serão sempre lembrados por sua dedicação ética, seu destemor e sua disciplina profissional.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Muito oportuno o artigo enviado por Sergio Caldieri, ex-diretor da ABI. É preciso fortalecer o SUS, para que as populações de baixa renda tenham realmente garantia do direito constitucional à vida. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Muito oportuno o artigo enviado por Sergio Caldieri, ex-diretor da ABI. É preciso fortalecer o SUS, para que as populações de baixa renda tenham realmente garantia do direito constitucional à vida. (C.N.)