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terça-feira, setembro 17, 2024

Livro mostra a saga do comunista que virou espião do regime militar


Severino Theodoro de Mello em seu apartamento em Copacabana, no Rio, em 2018, cinco anos antes de morrer, aos 105 anos

Severino ajudou a destruir o Partido Comunista Brasileiro

Naief Haddad
Folha

A partir da decretação do AI-5 (Ato Institucional número 5), em dezembro de 1968, a repressão militar intensificou o combate aos grupos que recorriam à luta armada para se opor ao governo autoritário. Eram organizações egressas do PCB (Partido Comunista Brasileiro), como a ALN (Aliança Libertadora Nacional) e o MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).

Seis anos depois, esses grupos estavam destruídos ou muito fragilizados. Foi a partir daí que a ditadura militar decidiu enfrentar com mais ênfase o PCB propriamente, o mais importante partido de esquerda no Brasil ao longo do século 20.

NA CLANDESTINIDADE – Àquela altura, em meados dos anos 1970, os comunistas estavam na clandestinidade no país, mas mantinham discussões sobre os rumos políticos e lançavam publicações.

Nessa nova etapa, uma das estratégias da inteligência militar era cooptar militantes comunistas, como Severino Theodoro de Mello, o mais importante desses infiltrados entre os integrantes do PCB. Ele é uma das figuras centrais de “Cachorros – A História do Maior Espião dos Serviços Secretos Militares e a Repressão aos Comunistas até a Nova República”, livro de Marcelo Godoy, repórter e colunista do jornal O Estado de S. Paulo.

Os militares chamavam de “cachorro” aquele que tinha mudado de lado e que contribuía com relatos orais, documentos, fotos e outros tipos de dados das organizações de esquerda.

DOUTOR PIRILO – O outro nome-chave do livro é o capitão da Aeronáutica Antônio Pinto, que manteve um “canil” ao longo do regime autoritário e mesmo nos primeiros anos da redemocratização. Durante 20 anos, Mello ficou sob o controle do Doutor Pirilo (o codinome de Pinto), com quem falava com frequência.

Esses dois homens, como escreve Godoy, “estiveram no centro da mais duradoura operação de espionagem política da República”. Embora tenham sido determinantes para o enfraquecimento do PCB, ambos foram até então poucas vezes lembrados em produções jornalísticas e acadêmicas.

As informações passadas por Mello – cujo codinome era Vinicius – para os militares tiveram efeito devastador para a sigla comunista. As delações dele foram a base para uma operação que causou a morte de pelo menos dez dirigentes do partido, em geral depois de longas sessões de tortura.

TUDO CONFIRMADO – “Entrevistei diversos agentes militares, e todos me falaram que as quedas relacionadas ao PCB tinham vindo do Mello. Me diziam que só tinham conseguido avançar na repressão ao partido por causa dele”, conta Godoy, que em 2014 lançou “A Casa da Vovó: uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o Centro de Sequestro, Tortura e Morte da Ditadura Militar”.

A revelação de que Mello era um espião a serviço da caserna veio à tona na entrevista do ex-agente Marival Chaves ao repórter Expedito Filho, da revista Veja, em 1992. Mas os colegas de militância custaram a crer que ele pudesse ser um infiltrado, afinal, havia sido próximo de Luís Carlos Prestes durante décadas, inclusive em uma longa temporada na União Soviética, e integrado o comitê central da organização.

“Não havia nenhuma desconfiança em relação ao Mello. Ele era um companheiro antigo – era de 35 – e depois sempre foi de toda a confiança da direção e sempre esteve ligado aos aparelhos do partido”, disse Anita, filha de Prestes e Olga Benario, ao autor do livro (Anita se refere à revolta dos comunistas em 1935, uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas).

EXPULSO DO PPS – Só em 2016 o PPS (Partido Popular Socialista), que sucedeu o PCB, retirou Mello dos seus quadros. Naquela ocasião, as provas da traição tinham se tornado incontestáveis.

Caso tivesse iniciado hoje sua pesquisa, Godoy não chegaria ao mesmo resultado, já que seus dois protagonistas, que concederam entrevistas, morreram nos últimos anos: Pinto em 2018 e Mello cinco anos depois.

O oficial da Aeronáutica respondeu a dezenas de dúvidas do jornalista em trocas de e-mails. O infiltrado, além de mensagens, falou longamente a Godoy em seu apartamento em Copacabana em 2018.

MUITAS FONTES – “Cachorros” não se baseia apenas nesses depoimentos. O repórter se valeu de outras entrevistas, além de um vasto cardápio de fontes documentais.

As falas de Pinto e Mello, no entanto, ocupam papel central no relato. A partir da trajetória dos dois, o autor monta um painel da acidentada história do PCB, fundado em 1922, e do sistema repressivo organizado durante a ditadura militar.

Mello, o comunista que virou cachorro, morreu aos 105 anos. Nenhum camarada esteve no seu enterro.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG 
– Depois das reveladoras entrevistas do famoso Cabo Anselmo, com livros e até documentários, fica faltando apenas a biografia do “Barba”, codinome de Lula da Silva, que no regime militar prestava serviços de espionagem à Polícia Federal, reportando diretamente ao delegado Romeu Tuma as atividades de seus colegas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Para disfarçar, os militares chegaram a prender Lula durante um mês, e assim ele ganhou prestígio com os verdadeiros esquerdistas. Em matéria de cachorrada, o “Barba” era imbatível. (C.N.)

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