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sábado, outubro 07, 2023

Questão de estilo: por que não quero Dino no STF




Nossa corte já tem sua cota de juízes midiáticos. Lula deveria indicar um ministro discreto e técnico, como foi Rosa Weber. 

Por Jerônimo Teixeira 

Manifestos, panfletos e abaixo-assinados não são minha praia. O barato desta coluna é a crítica, não a reivindicação. Mas as especulações sobre o próximo ministro do STF despertaram ímpetos carbonários em mim. Decidi que era o caso de lançar meu “ele não!” particular. Lá vai:

Não quero que Flávio Dino seja ministro do Supremo Tribunal Federal.

Recém saído de uma cirurgia no quadril, é possível que Lula busque alívio para o desconforto pós-operatório na indicação imediata de seu favorito à corte máxima. Quando esta coluna for publicada, Dino talvez já seja ministro do STF (ou quase: dizem que ele enfrentaria resistências no Senado). Assumo o risco de publicar um artigo defasado. Aliás, até torço para que este texto se revele inútil. Vale dizer, torço para que outra pessoa se instale na cadeira ocupada por Rosa Weber até o fim do mês passado.

Não questiono as qualificações de Dino. Ele é brasileiro nato, adulto, e parece dominar o aparato legal – gosta de rechear seus discursos com referências a artigos da Constituição. Minha objeção a seu nome tampouco é de natureza ideológica. O país optou por um presidente de esquerda e é prerrogativa desse mandatário eleito escolher um juiz progressista.

O que considero realmente perigoso é assentar na corte um homem tão enraizado no solo da política mais comezinha – e tão habituado a responder às oscilações sísmicas desse solo. Trata-se de um ex-governador de estado que se converteu na figura mais briguenta do governo federal (o próprio Lula disputava essa primazia, até encerrar sua birra com o presidente do Banco Central). A beligerância de Dino às vezes se expressa de forma franca e direta, ainda que pontuada pela ironia. Quando pressionado pelas circunstâncias, porém, ele tende a dissimular as deficiências de sua própria gestão apresentando-se como um avatar da racionalidade sitiado por uma indefinida massa de críticos ignaros ou mal-intencionados.

Foi com esse gênero sinuoso de argumentação que o ministro tentou responder à explosão de violência que vem assolando o país. No Twitter (aliás, X ) e no discurso no qual apresentou, na segunda-feira, o plano de seu ministério para combater o crime organizado, Dino criticou o que chama de “extremismos” no exame da polícia brasileira. Os extremistas querem fazer crer ou que a polícia está sempre certa, ou que está sempre errada – mas as duas posições são equivocadas, afirmou Dino no discurso. No Twitter, a crítica voltou-se só contra quem acha que a polícia nunca tem razão: “Outra tese estranha é a de culpar as polícias em face do avanço das organizações criminosas nas últimas décadas. É injusto e não é construtivo. Como fazer Segurança Pública sem as polícias? Ou contra as polícias?”.

A polícia acerta e erra, e sem ela não se faz segurança pública. Isso soa muito sensato e óbvio, não? Mas é preciso atentar para o que Dino silencia: ele não diz quem são os tais extremistas da segurança pública.

Nem precisa adivinhar quem defende a infalibilidade dos policiais: Bolsonaro e sua turma. Quem seriam os defensores da tese de que a polícia é culpada pelo crescimento do crime? Grosso modo, essa é uma ideia disseminada na esquerda. Dino estaria criticando correntes de seu próprio campo ideológico?

Acho que não. Minha hipótese é que o desastre baiano obriga o ministro da Justiça a desqualificar os críticos da polícia. Dados do Anuário de Segurança Pública do Brasil mostraram que a Bahia abriga a polícia mais letal do país, e ações policiais recentes vêm produzindo cadáveres às dezenas – 70 mortos só em setembro. A possibilidade de uma intervenção federal no estado já foi aventada, mas Dino a descartou. A conta da matança fatalmente cai no colo de Dino e do partido do governo: a Bahia é governada pelo PT há 17 anos.

O vezo de responder a críticos espectrais e de contestar teses falsas que ninguém levantou faz parte do arsenal retórico de Dino. Permite que ele seja incisivo, agressivo até, sem sujar as mãos, pois não está nomeando ninguém em particular. No mesmo post em que contestou a tese antipolicial, porém, esse recurso foi empregado de forma pouco elegante. Para melhor “aquilatar” sua gestão em segurança pública, Dino sugeriu que ela seja comparada “com outros momentos do Ministério da Justiça, onde criminosos lá habitavam ou eram lá protegidos”. Certo, todo brasileiro que acompanha o noticiário pode adivinhar de quem ele está falando. Ainda assim, a denúncia, formulada dessa forma ampla e vaga, projeta a sombra da suspeita sobre todos os ex-ministros da Justiça (dois deles, aliás, hoje são ministros do STF). Disse há pouco que isso é uma deselegância? Me corrijo: isso é uma grosseria.

Percebo agora que minha bronca com Dino diz respeito principalmente a questões de estilo. E o estilo é o homem, ensinava um naturalista francês que ficou mais famoso por essa frase do que por seus achados científicos. A julgar por suas bravatas, suas expressões extravagantes (falei do “faroeste cibernético” e do “disco voador” em colunas anteriores), suas performances lacradoras em discussões com os mais toscos parlamentares bolsonaristas no Congresso, Dino seria mais um ministro midiático no STF. Chega de espetáculo: quero uma ministro discreto, que fale só nos autos. Um ministro não-pirotécnico, de votos técnicos e aborrecidos, como foi Rosa Weber.

Prefiro até que o popular “Bessias” seja o próximo integrante do STF. Ou que Janja convença o maridão a indicar uma jurista preta trans. Flávio Dino, não!

Revista Crusoé

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