Lílian Machado
Uma das figuras centrais da campanha vitoriosa do PT à Presidência da República, o publicitário baiano João Santana, mais conhecido como Patinhas, em passagem pela Bahia, fez uma avaliação do trabalho de marketing das eleições 2010 e chamou atenção para as qualidades da nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo, ele deu o seu recado: “não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente”.
O publicitário, com histórico de êxitos em três eleições presidenciais - atuou na campanha do presidente Lula, em 2006, e na eleição do presidente de El Salvador, Mauricio Funes, em 2009 – condenou as “análises apressadas” sobre a primeira presidente do país. Segundo ele, a petista chega “com tudo” para ocupar o espaço da ausência da grande figura feminina na República brasileira.
Na entrevista exclusiva, publicada neste fim de semana, Santana contestou os questionamentos referentes ao fato de que dificilmente a nova presidente preencherá o vazio sentimental e simbólico que será deixado pelo presidente Lula.
“Bobagem. Não há dúvida de que a ausência de Lula deixa uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única, que uma nação precisa de séculos para construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por este vazio, será beneficiada por ele. Basta saber aproveitar - e acho que ela saberá - a oportunidade única e rara, que tem nas mãos, de se tornar conhecida e amada ao mesmo tempo”.
O publicitário chamou a atenção para as “paixões múltiplas” do povo brasileiro e como essa característica pode se apresentar favorável à nova presidente. “O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo. E há na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia, que chamo metaforicamente de cadeira da rainha, e que poderá ser ocupada por Dilma”.
Segundo ele, até o momento a República do Brasil não havia produzido uma única grande figura feminina, “nem mesmo conjugal”. “Para um homem sim, seria uma tarefa hercúlea suceder a Lula. Para uma mulher, não. Em especial, uma mulher como Dilma. Lula sabia disso e este talvez seja o conteúdo mais genial da sua escolha”.
A escolha da ex-ministra pelo presidente para a disputa, conforme o marqueteiro, foi um dos trunfos. “Foi uma das maiores provas da intuição e da genialidade política do presidente Lula. Eu tive o privilégio de ser uma das primeiras pessoas a saber da decisão do presidente e a fazer estudos sobre isso, a pedido dele.
Desde o início ficou claro que a transferência de votos se daria de forma harmônica e fluídica. Está provado que a transferência, na maioria das vezes, se dá mais pelas características do receptor do que do doador.
De todos os possíveis candidatos, Dilma reunia as melhores condições para isso. Era mulher, ocupava um papel-chave no governo, tinha passado e presente limpos, era competente, firme, corajosa, combativa e tinha fidelidade absoluta ao presidente”.
Caso Erenice leva ao 2º turno
Em sua análise sobre os desafios do pleito presidencial, o caso Erenice Guerra foi o principal motivo para existência do segundo turno – possibilidade que ele só veio reconhecer de forma concreta no dia da eleição. “O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil.
Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da Casa Civil. Na cabeça das pessoas, a Casa Civil estava se transformando numa espécie de gabinete paralelo da Presidência. E o escândalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce”, enfatizou. Segundo Santana, apesar de admitir, ainda nos últimos dias da campanha, “fortes indícios de perda de substância” da candidatura de Dilma, ele não assumia com facilidade a possibilidade de segundo turno. “Os indicadores nos davam uma relativa segurança de que ganharíamos no primeiro turno.
Ao contrário da eleição de 2006, quando eu fui o primeiro a alertar o presidente Lula de que iríamos para o segundo turno, desta vez eu fui um dos últimos a admitir isso. Acompanhando a apuração no Alvorada, ao contrário de 2006, eu era um dos poucos que ainda acreditava que ainda ganharíamos por uma margem estreita”, assumiu.
A decisão em segundo turno foi um recado dos eleitores para os dois principais candidatos, conforme avaliação do marqueteiro. “No nosso caso foi: - Olha, eu aprovo o governo de vocês, mas não concordo com tudo que acontece dentro dele; adoro o Lula, mas quero conhecer melhor a Dilma.
No caso do Serra: - Seja mais você mesmo, porque desse jeito aí você não me engana; mas afinal, qual é mesmo esse Brasil novo que você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a pastor ou a presidente?.
Ao destacar a questão, ele lembrou ainda da figura da ex-candidata Marina Silva (PV), que alcançou expressiva votação na primeira etapa eleitoral. “Parte do eleitorado tinha um fabuloso atalho, que era a candidatura Marina, para praticar o voto de espera, o voto reflexivo. E utilizou este ancoradouro, este auxílio luxuoso que era sua candidatura, para mandar alguns recados para os dois principais candidatos”, disse.
Desafio de popularizar a petista
Com o aval de quem acompanhou de forma bastante próxima o governo Lula e o período de pré-campanha, inclusive com a escolha de Dilma para disputa, o publicitário baiano, ao relatar o desafio de popularizar a imagem da candidata petista, disse que essa foi uma das eleições mais complexas e estratégicas dos últimos tempos. “Nós tínhamos um presidente, em final de mandato, com avaliação recorde, paixão popular sem limite e personalidade vulcânica.
Um caso único não só na história brasileira como mundial. Uma espécie de titã moderno. Do outro lado, tínhamos uma candidata, escolhida por ele, que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial, porém muitíssimo pouco conhecida.
Tínhamos que transformar a força vulcânica de Lula em fator equilibrado de transferência de voto, com o risco permanente da transfusão virar overdose e aniquilar o receptor.
Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao mesmo tempo amada; uma personagem original, independente, de ideias próprias e, ao mesmo tempo, uma pessoa umbilicalmente ligada a Lula; uma pessoa capaz de continuar o governo Lula mas também capaz de inovar”.
Algumas questões, segundo ele, impactaram ainda mais no processo de trabalho, como o curto prazo, o modelo de propaganda eleitoral, “que é ao mesmo tempo o mais permissivo e restritivo do mundo, e um dos calendários eleitorais hipocritamente dos mais curtos, e, na prática, dos mais longos do mundo. Isso é dose. É um coquetel infernal”, externou.
Com a clara visão de quem já deixou pra trás o processo, e de quem tem “história de sobra” para contar, o baiano avaliou as facilidades e dificuldades da campanha. “Acho que o que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas que a oposição, secundada por alguns setores da mídia, foi construindo sistematicamente. E se aferrando desesperadamente a elas, mesmo que os fatos fossem derrotando uma após outra”.
Passada a campanha, o baiano João Santana vai decidir sobre as propostas profissionais que tem recebido. Ele recebeu convites para atuar em eleições presidenciais de cinco países: Peru, Argentina, Guatemala, República Dominicana e México. Além disso, quer terminar dois livros que está escrevendo e se dedicar à música.
Religião em debate
Ao ser questionado sobre a influência da questão religiosa na campanha, ele concluiu que o assunto não interferiu de “forma irreversível” na mobilização pró Dilma. Entretanto, a oposição acabou perdendo com difusão de temas como o aborto.
“Acho, inclusive, que no final o feitiço virou mais contra o feiticeiro. As questões do aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito, apenas vírgulas”. Em sua avaliação, a oposição abusou da dose quando colocou as questões de cunho moral-religioso.
“Provocou no final a rejeição dos setores evangélicos que interpretaram o fato como jogada eleitoral e afastou segmentos do voto independente, principalmente de setores da classe média urbana, que se chocou com o falso moralismo e direitização da campanha de Serra”.
Apesar de ressaltar o lado positivo da presença do presidente Lula na campanha, Santana também apontou críticas. Ao ser perguntado se o presidente teria exagerado nos comícios, ele admitiu: “De certa forma, sim. Mas isso é até explicável. A presença de um político no palanque permite certo tipo de arroubo que a propaganda eleitoral não comporta.
Acontece que alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência”. Em sua análise, o presidente, por ter uma personalidade “vulcânica e ter muita intuição emocional, faz com que ele acerte bastante, e às vezes cometa erros. Mas o saldo nesta e em outras campanhas sempre foi muito positivo”.
João Santana teve como última tarefa, na semana passada, dirigir o depoimento do presidente à nação – com o agradecimento pelo resultado eleitoral - transmitido na sexta-feira à noite, em cadeia de rádio e de TV.
Fonte: Tribuna da Bahia