“A democracia brasileira experimentou progressos notáveis nos últimos 25 anos. Os profissionais da política precisam, porém, honrar melhor a sua profissão”
Raimundo Caramuru Barros*
Os espectadores e telespectadores - que acompanharam com olhos um pouco mais críticos o debate dos presidenciáveis no último dia do mês setembro de 2010, fechando o desempenho antes da eleição do último domingo - entraram na madrugada do dia primeiro de outubro com dois sentimentos até certo ponto antagônicos: alívio e preocupação. Esses críticos sentiram alívio pelo nível civilizado adotado pelos quatro contendores que tentaram explicar em uma linguagem polida - sem descer a vis baixarias - as razões que os levavam a postular a Presidência da República. Trocaram apenas farpas de extrema finura, dirigidas com elegância a seus adversários políticos. O show foi bem conduzido sob a orientação de renomados publicitários - nos mínimos detalhes -, desde a maquiagem até o gestos dos protagonistas.
O debate ensejou, porém, uma radiografia do sistema político brasileiro e levantou três preocupações com respeito à sua solidez. Em primeiro lugar, o debate deixou transparecer a fragilidade dos partidos políticos. Todos eles são dominados por suas respectivas cúpulas, cujo objetivo quase exclusivo consiste em promover a eleição do grupo que o domina e a de seus respectivos apaniguados. O partido acolhe também como seu candidato líderes carismáticos bons de voto, que necessitam apenas de uma legenda partidária para atender às normas estabelecidas pelo regime de uma democracia representativa. Terminado o pleito eleitoral, porém, partido e candidatos de ocasião seguem suas respectivas agendas e interesses, sem nenhum compromisso um com o outro.
Em segundo lugar, os programas partidários são na maioria das vezes peças acadêmicas destinadas apenas a satisfazer exigências da legislação eleitoral. Com freqüência, carecem de uma visão estratégica sobre o destino que se deseja imprimir ao país nas próximas décadas. Além disso, os debates e campanhas não demonstram a mínima vinculação de uma visão estratégica com as políticas propostas para os quatro anos do mandato que seus candidatos postulam.
Em terceiro lugar, as propostas dos candidatos assumem chavões de extrema generalidade, quando não abraçam projetos para fins nitidamente eleitoreiros. No debate, todos os candidatos foram favoráveis à construção de metrôs em grandes capitais do país a custos astronômicos. Não analisaram, porém se o solo brasileiro de mais de oito milhões de quilômetros quadrados deve continuar demograficamente vazio para concentrar toda a população do país em algumas megalópoles estupidamente verticalizadas. Ao abordarem o sistema de transporte, os candidatos recorreram a chavões cediços, por não se darem conta de que os sistemas de movimentação de cargas e passageiros dependem crucialmente das opções de uso do solo nacional, adotadas por este país, e dos seus fluxos de intercâmbio com o resto do Planeta.
A democracia brasileira experimentou progressos notáveis nos últimos 25 anos. Os profissionais da política precisam, porém, honrar melhor a sua profissão não apenas em matéria de caráter ético e de carisma político, mas também de competência profissional. Além disso, a democracia representativa se aperfeiçoa na medida em que for associada a fortes doses de democracia participativa e direta para que o poder seja efetivamente exercido pelo povo, com o povo e para o povo. Tal complementação ficou evidente no caso da Lei conhecida como “Ficha Limpa”.
*Filósofo e teólogo, com mestrado em Economia nos EUA, foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e atuou como especialista nas áreas de transportes, trânsito e meio ambiente, dedicando-se em seguida à assessoria de diversas organizações não-governamentais. É autor de Desenvolvimento da Amazônia – como construir uma civilização da vida e a serviço dos seres vivos nessa região (Editora Paulus, 2009), entre vários outros livros
Fonte: Congressoemfoco