Carlos Chagas
Para Dilma Rousseff e José Serra será bobagem ficar atrás dos votos de Marina Silva mais ou menos como um bebê espera a mamadeira, ou seja, chorando. O que estão devendo são propostas de governo. Diretrizes e projetos que não explicitaram como deveriam, na campanha do primeiro turno, tornam-se agora essenciais para o sucesso de um deles, no segundo. Coisa grande, profunda, em condições de mudar a vida de todos nós.
Não deu para o gasto falar na criação de seis mil creches em todo o território nacional, ou prometer o aumento do salário mínimo para 600 reais. Deveriam, os dois candidatos, voltar-se para lições do passado. Getúlio Vargas elegeu-se em 1950 quando pontualmente anunciou a criação da Petrobrás e a ampliação dos direitos trabalhistas. Juscelino Kubitschek, quando sustentou a implantação de Furnas, Três Marias, da Belém-Brasília e da própria nova capital. Aquelas mensagens tiveram começo, meio e fim, envolvidas em slogans como Energia e Transporte ou O Petróleo é Nosso, atingindo a alma do eleitor.
Novos objetivos capazes de sensibilizar a população não faltam, acima e além de ficar prometendo continuar a obra do presidente Lula ou afirmando ser o candidato “Do Bem”.
Que tal anunciar intensa campanha para em quatro anos tornar o Brasil auto-suficiente na produção de trigo para fazermos o nosso próprio pão, em vez de importarmos milhões de toneladas da Rússia? Por que esquecer, como fizeram até agora, a exploração imediata do pré-sal? Seria anacronismo lembrar a importância da volta à estabilidade no emprego e do salário-família, compensação para a redução de impostos nas folhas de pagamento das empresas? Rever as privatizações contrárias à soberania nacional ou demonstrar a oportunidade com que foram feitas? Interligar o país com ferrovias cujas obras, até agora, arrastam-se a passos de tartaruga, servindo apenas para governantes tirarem fotografias? Apresentar um elenco de projetos detalhados para mudar a Constituição e o Código Penal, de forma a não deixar fora da cadeia um só criminoso de colarinho branco?
Essas e outras propostas seriam capazes de eletrizar o eleitorado e decidir uma eleição que promessas capengas e formuladas em pílulas não decidiram no primeiro turno. Será que falta coragem, grandeza ou sensibilidade aos dois candidatos?
SÓ DEPENDE DO SUPREMO
Depende do Supremo Tribunal Federal acabar com a confusão sobre a validade da lei ficha limpa e dar destino aos milhões de votos conquistados por 208 fichas sujas nas eleições de domingo. Basta um ato de vontade para fazer entrar em pauta um dos múltiplos recursos de candidatos que tiveram negados seus registros mas puderam ser votados. Filigranas jurídicas e ausência de prazo para a mais alta corte nacional de justiça dirimir essa dúvida fundamental transformaram-se numa caixa preta cada vez mais difícil de ser aberta, dado o empate de 5 a 5 entre seus ministros, na apreciação da matéria.
Só como piada pode-se aceitar o raciocínio de que, para decidir, o Supremo deve esperar a nomeação, pelo presidente Lula, do décimo-primeiro ministro do Supremo. Até porque seria delegar a solução do impasse ao chefe do governo, abdicando o Poder Judiciário da maior de suas atribuições, no caso, de interpretar a Constituição. Quem o Lula convidasse para desempatador chegaria ao plenário com a decisão tomada e conhecida, quem sabe até pelo palácio do Planalto.
AUMENTARÁ A ABSTENÇÃO?
Admite-se uma convenção extraordinária do Partido Verde visando decidir para quem irá a maioria dos votos conquistados por Marina Silva no primeiro turno. Pode ser que não adiante nada, que os nossos caciques ambientalistas se dividam entre Dilma e Serra. Também, se mesmo por milagre, em uníssono, os convencionais optassem por um dos dois candidatos, qual a garantia de que os eleitores de Marina cumpririam a decisão?
Enquanto os verdes não se decidem, aumenta o risco de abstenção por parte dos que votaram na senadora acreana. Não quiseram nem Dilma Rousseff nem José Serra, por isso escolheram Marina. Poderão continuar não querendo.
A abstenção domingo passado chegou a 24,6 milhões de eleitores. Como a terceira candidata recebeu quase 20 milhões de votos, já imaginaram se resolvem agregar-se? Claro que jamais 40 milhões de ausentes, mas 30 já seria um desastre.
SOBRE A VONTADE TRAIR
Dizia o senador Benedito Valadares, de Minas, que “em eleição secreta dá uma vontade danada de trair…” Já imaginaram se no próximo dia 31 os eleitores do DEM resolverem votar na Dilma ou votar em branco para vingar-se das tentativas do alto tucanato de livrar-se do insípido candidato a vice, Índio da Costa? Porque esta semana a hipótese chegou a prosperar, mesmo condenada pelo ex-governador de São Paulo. Poder, pode. A lei eleitoral admite a retirada de candidatos e sua substituição, às vésperas da eleição, por impedimento físico ou vontade pessoal.
O principal argumento para a manutenção do silvícola na chapa oposicionista foi precisamente baseado em Benedito Valadares: mandar o candidato a vice de volta para a selva seria abrir a possibilidade de perder preciosos votos do partido aliado. Traição com traição se paga…
Fonte: Tribuna da Imprensa