Por Paulo Castelo Branco
A mídia nacional e internacional expõe as vísceras de Brasília como se fosse de um cadáver dissecado em mesa de cirurgia cercada por quinze estudantes. Observando a acomodação da população em virtude das férias e festejos de final de ano, resta a impressão aos demais brasileiros que nós, brasilienses, somos todos coniventes ou cúmplices com os desmandos filmados e gravados pelo diretor de cena do próprio estúdio estatal.
Na verdade, os estudantes, parece, são os únicos interessados no futuro do Distrito Federal. Sob cascos de cavalos, porradas de cassetetes, empurrões e ameaças de grupos remunerados com o dinheiro público, saem às ruas enfrentando a repressão. Sem a colaboração do tal de Pedro, recebem munição não letal em forma de ovos que, se deixam mau cheiro, não superam o fedor de podridão das falcatruas.
A falta de espírito público dos governantes já era óbvia quando surgiram as primeiras imagens que devastaram a antiga imagem de que a corrupção era importada dos outros estados por políticos corruptos que, protegidos por mandatos parlamentares, maculavam a inocência da cidade criada para ser o símbolo da uma grande nação.
Com a violação da nossa inocência, a falta de vergonha se confundiu com a miudeza dos procedimentos dos políticos envolvidos na trama. Que bom seria se o governador e seus asseclas, tocados por uma força superior, resolvessem entregar seus cargos e nos deixassem em paz. É sonho, é utopia, dizem os céticos ou beneficiários dos dinheiros públicos. É... pode ser.
Nos debates sobre as questões complexas que se multiplicam a cada dia, a interferência do Poder Judiciário tem sido fundamental para tornar as demandas mais claras perante a população. Os adeptos da solução demorada até as eleições bradam que os poderes são independentes e que o judiciário não pode interferir nos procedimentos da Câmara Legislativa. Esse argumento é, de há muito, superado pelos princípios democráticos que nos regem. Basta lembrar que o impedimento do presidente Fernando Collor foi presidido, conforme previsto na Constituição Brasileira, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. O Poder Judiciário é o fiel da balança entre os poderes. Se, como no caso do Distrito Federal, o poder legislativo está contaminado, e seus membros não conseguem ou não desejam solução rápida para a questão, é evidente que a Justiça deve agir.
É claro que as decisões tomadas no calor da disputa podem trazer em seu bojo imperfeições que serão sanadas nas instâncias superiores. Foi o que aconteceu com a decisão que afastou, de algumas atividades, parlamentares envolvidos nas denúncias do absurdamente denominado Secretário de Assuntos Institucionais. A solução adotada nos leva ao que o presidente Lula costuma fazer em seus discursos desde que o mensalão do PT arrasou o seu governo. Lula, em nenhum momento apareceu em imagens comprometedoras como o fez o protagonista de Brasília. O presidente se utiliza de comparações com o futebol em todas as situações em que fica difícil explicar ao povão a realidade das coisas; como diz ele. No caso do governo federal, os três principais denunciados foram expulsos de campo, substituídos por reservas, e, hoje, mesmo sem julgamento final, voltam a campo para tentar marcar gols de mão nas eleições que se aproximam. Não se incomodam com os apupos das arquibancadas; vestem as camisetas e entram em campo. Uns cabisbaixos, outros de nariz empinado, garantindo que demonstrarão suas inocências.
Na disputa local, os parlamentares sob investigação deveriam ser afastados de seus mandatos e, em seu lugar, assumir os suplentes com todas as prerrogativas. A Constituição define que a bancada legislativa do Distrito Federal é do triplo da bancada dos deputados federais; portanto, 24 parlamentares. É como se fosse um time de futebol. Para cada jogador que sai de campo entra um reserva para exercer suas funções plenamente. Como decidido, a Câmara Legislativa passará a contar com 32 deputados. Os convocados só poderão participar de algumas jogadas, no bom sentido. É como se fosse possível, a cada infração, o juiz determinar a entrada do jogador Roberto Carlos para bater a penalidade. Seria bom, desde que o petardo servisse para os dois lados. Ai, sim, seria justo.
A continuar o imbróglio político, sem a desistência dos envolvidos, ou uma proposta ao Ministério Público de “delação premiada” por parte do governador, a situação do Distrito Federal poderá se agravar até que a intervenção do Governo Federal se faça necessária com a chancela do Poder Judiciário.
O desserviço que nos prestou o governo Arruda poderá nos levar ao antigo Distrito Federal, quando o poder era exercido por um prefeito nomeado pelo Presidente da República com uma representação de deputados e senadores encarregada de legislar. Desde a criação da Câmara Legislativa e do governo eleito, vivemos sob a égide do populismo, da inércia, e/ou do ataque aos cofres públicos. É desanimador constatar que tantos de nós lutamos pela independência política e hoje, envergonhados das nossas escolhas, andamos com tarjas no rosto, como marginais.
Paulo Castelo Branco é advogado e ex-secretário de Segurança Pública do DF.
Revista Consultor Jurídico
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