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terça-feira, agosto 02, 2022

É fácil falar contra a censura quando estamos sobre um legado cultural formado com ela




Se o infanticídio for descriminalizado, eu não vou ficar surpresa. Tampouco vou ficar surpresa com o rebaixamento da moralidade pública entre os médicos. 

Por Bruna Frascolla (foto)

Volta e meia nos deparamos com o neorracismo negro sendo defendido às claras. Dia desses me chegaram imagens de um perfil pan-africanista do Instagram que mandava negros não terem filhos com brancos, pois são uma raça de estupradores. Mandava negros não terem relações nem de amizade com brancos. Não é nenhuma surpresa para mim, já que procuro esse tipo de coisa. Esse tipo de coisa está nos grandes portais de ex-jornalismo também, os quais às vezes resolvem explicar ao leitorado os conceitos racistas de “palmitagem” e “amor afrocentrado”. Se a grande mídia faz isso, qual a surpresa com uma conta obscura numa esquina da internet?

Isso é abjeto. Por isso mesmo, o Brasil tem lei contra racismo. E se algum neonazista fizesse as mesmas coisas numa esquina obscura da internet, a Polícia Federal iria bater à porta dele. De minha parte, acho muito bom que seja assim. E por isso mesmo acho revoltante que o neorracismo não só seja cultivado impunemente em esquinas obscuras da internet, como reine pela imprensa comum.

Nessas horas, sempre aparece quem diga que a censura é inócua, de modo que mais vale deixar o povo falar as piores coisas do mundo, mostrando bem a sua cara feia. A mera sanção social daria conta do recado, e o feioso ficaria em ostracismo. Será?

Talvez sim, talvez não. Depende da cultura do país, e depende – eis o motivo da minha preocupação – da camada social de onde brote. No Brasil, o neorracismo é claramente um fenômeno de elite, e uma imposição de cima para baixo. Muito se diz que o marco da derrocada da nossa Constituição é a manutenção dos direitos políticos de Dilma após o impeachment. Discordo. O marco é a liberação do racismo de Estado, ocorrida em 2012.

Nós no Brasil

O racismo é malvisto entre nós desde sempre. Tanto é que, quando se queria difamar o nosso país, sacavam estatísticas que mostravam que quase todo brasileiro negava ter preconceito quanto à cor, mas um monte de brasileiro conhecia gente preconceituosa. Isso seria uma hipocrisia, e os brasileiros deveriam assumir de uma vez que são racistas. Ora, se substituíssemos “gente preconceituosa” por “médico”, o resultado seria ainda mais contraditório: só uma porcentagem ínfima da população é médica, mas é factível chutar que menos de 1% dos brasileiros não conheça nenhum médico. Daí não se segue, porém, que no fundo, no fundo, todo brasileiro seja um médico. Além disso, o mais importante para conhecer a moralidade de uma sociedade é justamente o seu aspecto público. Com certeza mais homens ingleses do que brasileiros relutariam em admitir, num censo, que têm uma amante ou até um amante do sexo masculino. Estaria correto quem considerasse, ao menos lá nos anos 60, que os ingleses têm uma moral sexual mais rígida do que os brasileiros – que tradicionalmente estão acostumados à figura da “teúda e manteúda”, bem como à ideia de que machos podem penetrar o que bem entenderem – mulheres, homens, cabras, porcas – sem deixarem de ser machos. E quem presumir que a moralidade pública têm influência sobre as práticas privadas não estará sendo nem um pouco audaz.

Do mesmo jeito, se alguém, lá nos anos 60, consultasse os norte-americanos e os brasileiros para saber se eles reputavam os negros inferiores aos brancos, poucos brasileiros teriam coragem de assumir que pensam uma barbaridade dessas. Não à toa, os norte-americanos tinham segregação racial, e nós não. Não à toa, os propositores da nova discriminação racial querem que nos autodeclaremos racistas.

Eles lá nos EUA

Os EUA provavelmente são um caso único na história da humanidade de liberdade de expressão irrestrita. A Primeira Emenda, criada em 1791, resta firme e forte. A estabilidade institucional dos EUA é de fazer inveja ao Velho Mundo. Creio que só a Suíça e a Inglaterra possam se gabar de instituições tão duradouras; ainda assim, a juventude do país americano faz com que a institucionalidade atual praticamente coincida com a existência da identidade nacional. Nós entendemos que a história do Brasil começa em 1500; eles, que a história dos EUA começa com a Independência. Até por isso os progressistas se empenham em mexer com a história dos EUA, antecipando-a para o século XVII, e colocando na conta deles a escravidão praticada por ingleses em solo americano. Os EUA seriam fundados em 1619 pela escravidão, e não mais em 1776 pela liberdade.

Os EUA sem dúvida têm uma Constituição invejável. No entanto, raramente se atenta ao fato de que os progressistas conseguiram avacalhar a Primeira Emenda. O assunto é pouco comentado e já tratei dele aqui. Sob Woodrow Wilson, os EUA já tiveram polícia secreta e já criminalizaram toda crítica ao governo.

Tirando isso, o progressismo conseguiu empurrar, via Suprema Corte, duas de suas grandes pautas: a segregação racial (Plessy v. Ferguson, 1896) e o aborto sem prazo como um direito humano (Roe v. Wade, 1973). Em ambos os casos, a corte aparelhada deu tratos à bola: a igualdade virou igualdade entre raças separadas e o direito à privacidade virou direito ao aborto em qualquer época da gestação. Roe v. Wade foi derrubada pela Suprema Corte este ano, mas Plessy v. Ferguson nunca foi.

O aborto irrestrito nunca foi, nem é, um desejo comum à população dos EUA. Pode-se dizer que foi, mesmo, um movimento de elite intelectual. Não é à toa, portanto, que o nome da decisão está na ponta da língua dos interessados pelo tema. Por outro lado, a segregação racial encontra desde sempre amparo na população dos EUA. Esse país se dividiu, em guerra civil, entre aqueles que queriam a segregação racial para manter os negros como escravos e os abolicionistas, que pensavam em mandar os negros “de volta” para a África. O projeto hipersegregacionista de enviar os negros “de volta” para a África foi uma empreitada abolicionista. A fracassada Libéria, um dos mais pobres países da África, foi criada com negros deportados pelos abolicionistas. A cidadania, lá, é condicionada à raça.

No que concerne à raça, a moralidade pública dos EUA é e sempre foi inferior à do Brasil. Ainda assim, a moralidade pública dos EUA por 50 anos não foi capaz de segurar as elites progressistas. Será que a Primeira Emenda sobrevive por sua clareza e pela força das instituições, ou porque os progressistas conseguem dar um balão nela? Esse balão são os cancelamentos e o ESG; ou seja, num país de grande atividade empresarial privada, o fim da liberdade de expressão poderia ser conseguido por meios privados. Mas se a Primeira Emenda subsistir pela força das instituições, então eu não tenho dúvidas de que a Constituição dos EUA seria melhor sem ela, ou com uma inequívoca criminalização do racismo, igual à lei brasileira.

Eles lá na Alemanha

Liberais de verdade, não os de modess, gostam de apontar que Weimar tinha leis contra crime de ódio. Evidentemente, não funcionou – e não só não funcionou, como a censura estatal alemã foi instrumentalizada pela elite progressista para tratar o povo como criminoso.

No entanto, se formos condenar toda lei por causa de sua má aplicação, sem dúvida acabaríamos com a punição para homens que batem em mulheres ou as estupram, já que a deturpação progressista faz com que a “palavra da vítima” sirva para abusos contra os acusados. Se pegarmos as deturpações dos “direitos dos manos”, então… Não sobra lei nenhuma. Teremos de liberar tortura, estupro e espancamento conjugal, no mínimo. Além do próprio crime de racismo, já que hoje qualquer coisa que desagrade militante identitário pode ser racismo.

No mais, a ineficácia final das leis de crime de ódio em Weimar não apontam para a sua ineficácia absoluta. Talvez fosse ruim com ela e pior sem ela. Hoje com o narcotráfico temos guerra civil, mas podemos dizer, quanto à criminalização dos homicídios, que está ruim com ela, mas estaria pior sem ela.

O fato é que os alemães de Weimar só sentiram a necessidade de criar tal lei porque a moralidade pública alemã ia muito mal das pernas. Não me parece sensato comparar a turbulenta República de Weimar, com restrição à liberdade de expressão, à pacífica população dos EUA, com sua Primeira Emenda. Um povo guerreiro e etnocêntrico, belicoso frente ao Ocidente, tem uma cultura bem diferente da dos EUA, fundados por protestantes muito religiosos e trabalhadeiros. É como dizer que não adianta nada ter 190 porque um marido bruto matou a mulher a despeito disso, e marido pacato vive muito bem com a sua esposa a despeito da falta de linha telefônica em sua cidade.

Prova da eficácia pretérita da censura

Enquanto teoria científica, o racismo apareceu e se difundiu por países protestantes. O racismo se baseava na versão laica da heresia do pré-adamitismo. Deus não teria criado só Adão e Eva, mas casais diferentes globo afora. Era uma teoria difundida na modernidade, impactada pelas grandes navegações. Se houver só Adão e Eva – como sustentava a Igreja –, toda a humanidade é irmã, a despeito de suas diferenças físicas. Porém, se Deus tiver criado vários casais, não há mais esse vínculo universal. Tem-se a hipótese da poligenia humana, que deu origem ao racismo propriamente dito.

Não é à toa que os países de formação católica sejam muito menos propensos a aderir ao racismo. Resta inferirmos que o fato de a Igreja ter queimado em seus domínios os pré-adamitas mais recalcitrantes teve um impacto sobre a moralidade pública dos católicos. Impacto benéfico, diga-se. E cabe pontuar que a Igreja gozava de autoridade moral perante a população das regiões católicas, de modo que não podemos resumir a eficácia da censura a uma ameaça de fogueira.

É muito fácil falar contra todo tipo de censura quando estamos sentados sobre um legado cultural formado com ela. Agora vemos cursos de ética e bioética por todo o Ocidente adotando as ideias de um filósofo que defende a licitude de matar bebês dentro e fora do útero (refiro-me a Singer). Em meados do século passado, um teólogo protestante que dava aulas de ética virou best-seller ao defender o aborto à luz do amor cristão, alegando inclusive que em caso de estupro o embrião era “culpado” (refiro-me a Joseph Fletcher com seu Situational Ethics: The New Morality, de 1966). Pouco depois, apareceu Roe. Se o infanticídio for descriminalizado, eu não vou ficar surpresa. Tampouco vou ficar surpresa com o rebaixamento da moralidade pública entre os médicos.

Gazeta do Povo (PR)

Democracia




Para se materializar, um golpe precisaria do apoio da sociedade, do suporte internacional e da participação dos militares. Sem isso, só se tem uma ópera-bufa.

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

A política bolsonarista tem como característica principal estar baseada na distinção entre amigos e inimigos, os primeiros sempre sendo variáveis ao sabor das circunstâncias, enquanto os segundos têm demonstrado invariância, centrando-se nas urnas eletrônicas, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os amigos mostram a volatilidade de suas alianças, sem nenhum princípio fundado em ideias ou valores morais, onde se encontra ausente qualquer noção de lealdade. Veja-se o que fez com aliados civis de primeira hora, depois abandonados, e com generais importantes que foram simplesmente descartados, segundo o seu arbítrio.

Os inimigos foram se afunilando, chegando à campanha eleitoral em posição de destaque as instituições democráticas. Seu discurso e suas ações decorrentes, em coerência, diga-se de passagem, concentraram-se nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, sem deixar, porém, de atacar o Supremo. Se conseguiu cooptar – melhor dito comprar – o Legislativo, sobretudo a Câmara dos Deputados via orçamento secreto e outros tipos de emenda, num sequestro flagrante dos recursos públicos e das funções legislativas, o mesmo não aconteceu com o Judiciário. Ministros não se curvaram e souberam fazer frente aos seus arroubos.

Ocorre que seus arroubos não são mera retórica ocasional, mas fruto de uma política que tem o ódio e a morte como alicerces, algo que causou espanto no tratamento da pandemia de covid, em que sentimentos morais e compaixão não se fizeram presentes. Ora, tal tipo de política mira a democracia enquanto inimigo a ser aniquilado, como se qualquer crítica ou dissidência devessem ser sufocadas. Ela não se presta à escuta e ao diálogo visando ao bem comum. O autoritarismo é o seu cerne, e não qualquer efeito colateral.

Nessa perspectiva, o embate deixa de ser partidário para se tornar institucional. Num pleito partidário, democrático, partidos e candidatos se defrontam pela conquista do poder, disputando ideias e concepções, segundo regras reconhecidas por todos, situadas para além de qualquer agremiação partidária. Disputa-se segundo regras previamente estabelecidas e aceitas, e não conforme o questionamento das mesmas regras que tornam a disputa possível.

Na medida em que Bolsonaro foca a sua ação no questionamento destas regras suprapartidárias, ele se coloca numa posição antidemocrática e liberticida, nada reconhecendo senão o seu arbítrio e o seu próprio projeto de poder. A democracia torna-se uma palavra vazia, oca, visto que, para ele, unicamente conta o atendimento ou não de sua vontade. Se ela é atendida, considera a medida democrática; se não o for, é coisa de “comunista” ou outro bicho a ser inventado na ocasião.

Eis por que manifestos como o da Faculdade do Largo de São Francisco e outros que estão sendo lançados, com apoio de entidades empresariais, sindicais e profissionais, são da máxima importância, uma vez que se posicionam em defesa da democracia e de suas instituições. Não estão baseados em concepções partidárias, particulares nesse sentido, mas têm uma visão coletiva, institucional.

Nestas últimas semanas e, sobretudo, nestes últimos dias o Brasil está presenciando um despertar da sociedade civil, preocupada com questões atinentes à liberdade, aos ritos eleitorais e, principalmente, contra quaisquer tentativas de perturbação da ordem pública – tentativas essas cujos traços essenciais se voltariam contra o resultado das eleições. Na visão simplória dos bolsonaristas, se ganharem a eleição, é porque as regras democráticas foram observadas; se perderem, é porque houve fraude. Ou seja, só não haverá fraude se Bolsonaro for o vencedor! O resto é apenas areia nos olhos.

O grotesco foi simplesmente constrangedor quando o presidente chamou embaixadores para apresentar suas supostas provas de fraude. Primeiro, é propriamente inacreditável que um presidente, no exercício de suas funções, chame representantes de outros países para falar mal do seu próprio país. Certamente, ficaram estupefatos com tal atitude. Segundo, apenas reiterou suas teorias conspiratórias de supostas fraudes eleitorais, tanto mais que se elegeu, junto com seus filhos e apoiadores, segundo estas mesmas urnas eletrônicas que tanto abomina. De fato, não dá para entender! Terceiro, causou um imenso dano à imagem exterior do País, algo que foi sempre prezado por diplomatas e militares brasileiros. Por último, recebeu reações de autoridades americanas, inclusive militares, de que as urnas eletrônicas brasileiras são um exemplo para o mundo.

Vivendo em sua própria bolha e vendo a sua derrota se aproximar, conforme um movimento antibolsonarista equivalente ao movimento antipetista que o elegeu, o presidente lança ameaças de golpe. Ora, um golpe, para se materializar, precisaria, principalmente, do apoio da sociedade, do suporte internacional e da participação dos militares. Estando esses fatores ausentes, sobra-lhe uma ópera-bufa, com péssimos atores.

*Professor de filosofia na UFRGS.

O Estado de São Paulo

As sanções da UE contra a Rússia estão funcionando?




'Josep Borrel reconhece que a UE continua a comprar energia da Rússia, mas afirma que quadro está mudando'

À DW, o chefe da diplomacia da UE avaliou que, mais cedo ou mais tarde, a economia da Rússia vai desmoronar. É uma opinião compartilhada por vários pesquisadores, mas outros não estão tão convencidos.

Por Bernd Riegert

Desde a invasão russa da Ucrânia no final de fevereiro, a União Europeia (UE) cortou quase completamente as relações econômicas com seu antigo parceiro comercial ao impor seis pacotes de sanções.

Mas há exceções: gás, petróleo fornecido por meio de oleodutos, alimentos, cereais e certos tipos de fertilizantes não estão sujeitos às sanções. O Conselho da União Europeia, o órgão que representa os 27 países-membros, informa que foram impostas sanções contra 1.212 indivíduos e 108 empresas e outras entidades. Os indivíduos incluem o presidente russo, Vladimir Putin, seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, e diversos oligarcas do círculo de influência do Kremlin.

Metade das reservas do Banco Central da Rússia foi congelada, os bancos russos foram cortados do sistema de pagamento internacional Swift. As exportações de itens de tecnologia ocidental, aeronáutica, eletrônica e artigos de luxo foram proibidas. Mais de mil empresas ocidentais retiraram-se da Rússia. Além da UE, os EUA, Canadá, Japão, Suíça e Reino Unido também impuseram sanções contra a Rússia.

Em seu Monitor de Sanções, a rede de pesquisa Correctiv enumerou 6.825 medidas tomadas pela comunidade internacional desde o início da guerra de agressão russa. Nunca na história foram impostas tantas sanções contra um único país.

Efeitos

A questão agora é: como funcionam essas sanções, e elas podem levar a uma mudança no curso da guerra do Kremlin? O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, disse em entrevista à DW na última sexta-feira que as sanções estão atingindo "duramente" a economia russa. "A produção econômica russa está diminuindo em 10%. Eles sofrerão a pior recessão desde o final da Segunda Guerra Mundial".

A UE ainda depende do abastecimento energético russo, admitiu Borrell, mas acrescentou que isso deve mudar dentro de alguns meses. "Continuamos a comprar gás, mas já reduzimos as importações pela metade. Não podemos fazer milagres". Mesmo com os lucros da venda de gás, os russos não podem mais comprar nada no Ocidente, como, por exemplo, tecnologia para seus tanques, aponta Borrell. "Eles têm dinheiro, mas não conseguem comprar nada."

Vários estudos de universidades e institutos de pesquisa econômica abordam os possíveis efeitos das sanções e seu impacto na Rússia e nos países do Ocidente que as impuseram. Todos indicam declínio no desempenho econômico da Rússia neste ano. Em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que a contração do PIB russo poderia chegar a 8,5%. Mais recentemente, o fundo revisou sua previsão para 6%, indicando que o país tem conseguido contornar parte dos problemas gerados pelas sanções.

A economista Maria Shagina, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), em Zurique, projeta um declínio de 6%. 

'Sanções ainda não fizeram Putin mudar de rumo na Ucrânia'

Setores afetados

"A Rússia continua a vender petróleo e gás a preços recordes e assim enche seu cofre de guerra, algo que já vinha fazendo antes mesmo da guerra. É por isso que temos esta situação única que indica que a Rússia não está sendo particularmente afetada por sanções", diz Shagina, do IISS.

"No nível microeconômico, entretanto, o quadro parece bastante diferente, especialmente na indústria automobilística e aeronáutica. Nelas são observados declínios de 80-90%", afirma.  

A Rússia tem agora que mudar seu modelo econômico pela falta de acesso ao capital e mercado financeiro ocidentais, diz a pesquisadora. "A Rússia terá uma reversão da industrialização. A grande questão é com qual rapidez a Rússia poderá lidar com isso e unir forças com a China ou a Índia", diz.

Poucas alternativas

As sanções contra a Rússia estão tendo efeito, afirma Julian Hinz, do Instituto Kiel para a Economia Mundial. A opinião de que o Ocidente sofre mais com suas próprias medidas do que a Rússia é incorreta, avalia. "Se você olhar para as estatísticas, verá que a economia russa está sofrendo maciçamente com as sanções. Muito mais do que a economia europeia. Não há comparação", diz.

Ele também aponta que será difícil para a Rússia produzir alternativas nacionais às mercadorias importadas, porque a indústria local necessita de matérias-primas e conhecimento técnico do exterior. Finz ainda avalia que o Kremlin terá dificuldades para encontrar compradores para o petróleo e o gás que não estão sendo mais enviados para a UE e os EUA. "Não há oleodutos disponíveis [para outros mercados]. Há alguma capacidade de oleodutos indo para a China, mas eles não chegam a 10% da capacidade do que poderia ser enviado para a Europa ao mesmo tempo. Nada disso, em termos de capacidade, é capaz de substituir os oleodutos que vão para a Europa."

Borrell: "Putin não se importa com seu povo".

Borrell argumenta que a Rússia vai acabar isolada. "Uma economia moderna não pode funcionar se o vínculo com o resto [dos] poderes econômicos e poderes tecnológicos for cortado. Isso prejudicará muito a economia russa - não amanhã: a guerra continuará, infelizmente continuará. Mas a economia vai sofrer muito", disse o chefe da diplomacia europeia. "Putin terá que escolher se quer ter armas ou manteiga para seu povo. E sei que ele não se importa muito com seu povo."

A questão crucial, então, é se as sanções econômicas acabarão ajudando a mudar a vontade política do regime autoritário em Moscou. Alexander Libman, professor de política russa e do Leste Europeu na Universidade Livre de Berlim, está cético. Recentemente, ele disse à emissora pública alemã Deutschlandfunk que Putin não está impressionado com os danos à economia russa.

"As sanções não mudarão nada dentro de semanas ou meses", avaliou Libman. "É preciso ser honesto: as sanções são um instrumento – há muita pesquisa sobre isso – que geralmente não funciona. Na maioria dos casos, as sanções não influenciaram o comportamento dos Estados sancionados."

Deutsche Welle

"Visita de Pelosi a Taiwan tem alto risco e pouco benefício"




Em entrevista à DW, diretor da Aliança pela Preservação da Democracia questiona o valor estratégico da possível viagem da presidente da Câmara dos EUA a Taiwan, que tensiona a relação entre Washington e Pequim.

Por Michaela Küfner

Menos de uma semana depois de uma conversa telefônica entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente americano, Joe Biden, a possível visita da presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan, tem potencial para gerar atritos entre Pequim e Washington.

Pelosi está fazendo um giro pela Ásia e poderia tocar o solo taiwanês já nesta terça-feira (02/08), mesmo após Xi ter alertado Biden que os Estados Unidos não deveriam "brincar com fogo" sobre esse tema – a visita ainda não foi confirmada. Biden já havia indicado que o próprio Exército americano não considera uma boa ideia a visita de Pelosi neste momento.

Taiwan é uma ilha autogovernada, com um regime democrático e politicamente próxima de países do Ocidente, e uma importante produtora de chips eletrônicos. A ilha declarou sua independência da China em 1949, mas Pequim a considera parte de seu território. Apenas 14 países do mundo mantém relações diplomáticas oficiais com Taiwan, que conta com o apoio dos Estados Unidos.

Em entrevista à DW, o diretor-adjunto da iniciativa Aliança pela Preservação da Democracia (Alliance for Securing Democracy), Zack Cooper, avalia que a viagem pode acarretar riscos para os três países envolvidos: "Questiono a sensatez dessa visita, porque penso que ela não vai gerar grandes resultados", afirma.

Na semana passada, após a conversa entre Biden e Jinping, o porta-voz do Ministério da Defesa da China, Tan Kefei, advertiu que os militares chineses não ficarão de braços cruzados diante de uma possível visita de uma representante americana de alto escalão a Taiwan, o que não ocorre desde 1997.

Mesmo assim, Cooper se diz relativamente otimista quanto à possibilidade de se resolver a crise: "A viagem pode ser apenas um pequeno incômodo e não um grande incidente", diz.

DW: A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, ainda não definiu se visitará Taiwan durante sua viagem à Ásia. Você teria alguma explicação para isso?

Zack Cooper: Meu palpite é que ela gostaria de manter todas as opções em aberto, mas acredito que esteja bem claro no momento que ela irá a Taiwan. Ficaria surpreso se ela não fizesse isso.

Quais seriam os riscos de uma viagem como essa do ponto de vista dos EUA?

Primeiramente, gostaria de salientar que Nancy Pelosi tem todo o direito de viajar para Taiwan. Quanto a isso, não há dúvidas. Não há nada na política ou no direito americano que a impeça de fazer isso.

Mas há uma série de riscos. Na minha opinião, o sentimento de Pequim de que os EUA poderiam, aos poucos, passo a passo, restringir aspectos da sua política sobre Taiwan. Joe Biden fez três fortes declarações equivocadas sobre a política dos EUA em relação a Taiwan. E dois republicanos respeitados, Mike Pompeo e Mark Esper, estiveram recentemente em Taipei e propuseram que os EUA abandonassem a "política de uma só China". Além disso, o Congresso americano está negociando uma nova legislação que mudaria uma parte das relações entre Estados Unidos e Taiwan.

Aos olhos da China, portanto, tratam-se de uma série de iniciativas. E agora há também a possível visita de Pelosi. Presumo que Pequim deverá fazer algo para expressar sua forte desaprovação em relação a essa visita. O que será exatamente feito, eu não sei. O medo é de que os chineses possam promover algum tipo de escalada.

Quais são os objetivos que Nancy Pelosi quer alcançar? E o que, na sua opinião, é realizável para ela?

O motivo pelo qual questiono a sensatez dessa visita é porque acredito que ela não vai gerar grandes resultados. E acho que a visita prejudica a unidade política. Joe Biden defende agora uma posição diferente de Nancy Pelosi sobre uma questão política que até certo ponto é importante, e isso não é saudável. Suspeito que Pelosi queira visitar Taiwan porque há muito tempo ela é uma crítica do Partido Comunista Chinês. Ela esteve na Praça da Paz Celestial em 1989 e apoiou os manifestantes. Portanto, essa abordagem não é nova.

Mas não está claro como isso ajudará Taiwan de forma concreta. E esse é o problema desse tipo de visita. Taiwan precisa de muita ajuda quando se trata de relações econômicas com os EUA ou mesmo cooperação militar. Mas visitas e retórica não ajudam muito. Portanto, para mim, essa é uma viagem de alto risco e pouco benefício.

Na conversa telefônica entre Joe Biden e Xi Jinping, há alguns dias, houve ameaças do lado chinês, enquanto Joe Biden tentou claramente assegurar que não haveria nenhuma mudança na política entre EUA e China, em particular em relação a Taiwan. Quais são as perspectivas dessa viagem?

Tenho uma sensação melhor do que há dois ou três dias. O encontro virtual entre Biden e Xi correu da melhor maneira possível. Porque não há mundo no qual Xi Jinping diria: "tudo bem quanto à viagem de Pelosi, não vamos responder". Mas há também um mundo em que os chineses poderiam ter sido muito mais diretos e ficado muito mais irritados do que eu acho que estavam na reunião. Por isso, estou cautelosamente otimista de que há algumas formas de sair dessa crise. Temos que ser realistas de que teremos uma semana tensa. O período de um a dois dias próximos da visita de Pelosi pode ser muito tenso. Mas estou confiante de que uma crise no Estreito de Taiwan pode ser evitada – a última ocorreu em 1995-1996. A viagem pode ser apenas um pequeno incômodo e não um grande incidente.

O quão perto estaríamos de um confronto militar se Nancy Pelosi colocar os pés em solo taiwanês?

Estimo o risco em 10% a 20%. É possível que Pequim coloque em prática uma escalada significativa. E outra rápida observação: há três partes envolvidas em um possível conflito aqui – China, EUA e Taiwan – e elas têm que encontrar uma saída para essa crise.

Deutsche Welle

Por que o gás dos EUA não vai resolver a crise na Europa




Guerra na Ucrânia provocou boom na exportação de gás liquefeito produzido nos EUA, mas gargalos impedem que o país compense a perda do fornecimento da Rússia. Além disso, metas climáticas ficaram em segundo plano.

Por Teddy Ostrow

Enquanto a União Europeia (UE) diminuiu suas compras de gás russo em reação à invasão da Ucrânia, a demanda do bloco por gás natural liquefeito (GNL) vem subindo a níveis jamais vistos.

Os EUA são agora o maior exportador mundial de gás natural, mas limites políticos, econômicos e técnicos impedem que o país possa correr ao resgate da Europa. Ainda que o setor esteja em plena expansão, a falta de capacidade de exportação continua sendo um gargalo para o abastecimento da Europa e do resto do mundo.

Enquanto isso, ambientalistas insistem que o rápido crescimento das exportações de GNL é uma forma destrutiva de lidar com a crise energética e apontam que existem outras soluções que poderiam contemplar o cumprimento das metas climáticas globais.

"Este é um caminho arriscado em termos de nossas necessidades energéticas e do nosso clima", afirma Robin Schneider, diretora-executiva da ONG Campanha do Texas para o Meio Ambiente, sediada nos Estados Unidos.

Crise energética na Europa

Os preços do gás natural dispararam desde que Moscou restringiu o fluxo dos gasodutos e a UE passou a agir para diminuir sua dependência do gás russo.

Os preços saltaram 25% na semana passada, quando a Rússia anunciou que seu gasoduto Nord Stream 1 para a Alemanha forneceria apenas 20% de sua capacidade normal. Em maio, o país já havia respondido às sanções europeias interrompendo completamente o fluxo de gás para a Europa através do gasoduto Yamal.

As nações europeias estão se esforçando para armazenar gás suficiente à medida que o inverno se aproxima. Há receio da imposição de um eventual racionamento para o aquecimento de residências e o uso pela indústria e empresas, além do temor de que a crise energética possa provocar uma recessão. O continente depende do gás natural para o aquecimento doméstico, bem como para a produção de eletricidade e funcionamento da indústria.

Vários países estão adotando uma série de iniciativas para ajudar as famílias e as empresas a pagar a conta, como a Alemanha, que está aumentando os subsídios para os serviços públicos de gás, e a França, que anunciou a estatização total da empresa de energia EDF.

'Países como a Alemanha correm contra o tempo para construir terminais com o objetivo de receber gás de fora da Europa'

EUA ao resgate?

Os EUA solidificaram sua posição como o maior exportador mundial de GNL no primeiro semestre de 2022, de acordo com a Administração de Informações sobre Energia dos EUA (EIA). A exportação média diária do país aumentou 12% nos últimos seis meses, para 11,2 bilhões de pés cúbicos (bcf) por dia.

Substituindo a Ásia como o principal importador de GNL dos EUA, o Reino Unido e a UE receberam 71% dessas exportações – e estão pagando mais pelo combustível. Países como o Brasil e Bangladesh não conseguem competir com a Europa na disputa pela compra. Alguns exportadores até quebraram contratos com países em desenvolvimento para redirecionar o combustível para a Europa, obtendo lucros maiores apesar das penalidades.

De acordo com Eugene Kim, diretor de pesquisa da consultoria Wood Mackenzie, os EUA emergiram como um dos únicos fornecedores confiáveis de GNL. Consideradas áreas de potencial de crescimento antes da invasão russa da Ucrânia, as indústrias de gás da Austrália e da África Ocidental enfrentam problemas políticos e econômicos.

"O Catar e a América do Norte são as únicas áreas que vão crescer no fornecimento de GNL no futuro", disse Kim à DW. Mas os problemas logísticos em ambos os lados do Atlântico estão limitando a capacidade de os EUA suprirem a demanda europeia.

O presidente americano, Joe Biden, prometeu em março exportar mais GNL para a Europa, mas o setor dos EUA já está no limite. Além disso, devido à dependência de oleodutos da Rússia, grande parte da Europa carece de infraestrutura de importação suficiente, mesmo que os EUA se mostrassem capazes de exportar mais GNL.

No curto prazo, as exportações de GNL a partir dos EUA devem cair significativamente devido a uma explosão que danificou em junho o terminal Freeport LNG, no Texas, por onde passam 20% do gás exportados pelos EUA. De qualquer forma, os EUA não tinham capacidade para abastecer a Europa mesmo antes do incidente na planta do Texas. "Antes da explosão do Freeport LNG no início de junho, a exportação de GNL dos EUA já estava atingindo a capacidade máxima", avaliou Kim.

"Supondo que tudo esteja funcionamento nos conformes em 2023, ainda estaremos com volume máximo de 12 bcf por dia. Não há nenhum novo projeto no curto prazo que possa aumentar substancialmente nossas exportações de GNL", acrescentou.

A capacidade existente está em boa medida vinculada a contratos de longo prazo com nações não europeias, e a próxima rodada de construção de infraestrutura de exportação não deve estar pronta até 2024 ou até mesmo depois. Ainda assim, Kim aponta que não haveria capacidade suficiente para abastecer a Europa.

'A explosão no terminal de Freeport afetou 20% das exportações de gás dos EUA'

Além das limitações de capacidade, grupos empresariais e de consumidores dos EUA estão impacientes com os preços mais altos, puxados pelo aumento das exportações de GNL dos EUA. Paul Cicio, diretor-executivo da associação Industrial Energy Consumers of America, disse ao Wall Street Journal que "o consumidor americano, a economia americana, a segurança nacional americana estão em risco, a menos que mantenhamos estoques excedentes".

De fato, os preços subiram à medida que o uso de ar-condicionado aumentou durante as recentes ondas de calor, contrariando a perda de demanda pela explosão da instalação do Freeport, que manteve nos EUA gás que seria destinado à exportação. A EIA informou recentemente que os estoques dos EUA estão 12% abaixo da média dos cinco anos anteriores para esta época do ano.

Metas climáticas deixadas de lado

O gás proveniente dos EUA também provoca oposição de ambientalistas. Grupos de defesa do clima argumentam que a expansão da infraestrutura de GNL necessária para aumentar as exportações significa abandonar as metas de redução das emissões de combustíveis fósseis.

"Uma grande preocupação é que as empresas exportadoras de GNL estão usando [a crise energética da Europa] como desculpa para tentar apressar o licenciamento para a construção de novos terminais de exportação e também evitar leis de poluição do ar", disse Schneider, da Campanha do Texas pelo Meio Ambiente.

Os ativistas apontam que o GNL é responsável por um terço das emissões de carbono dos EUA e quase metade das de metano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) rotula o metano, um gás de efeito estufa especialmente potente liberado pelo processo de fracking, como um dos grandes vilões da crise climática.

Além disso, pesquisas mostram que os processos de extração e liquefação de gás natural podem ser extremamente perigosos e poluentes. Além do metano, o fracking pode liberar produtos químicos cancerígenos e nocivos no ambiente ao redor das instalações. O processo de liquefação também está sujeito a incêndios e explosões, como se viu nas instalações do Freeport, no Texas.

'Empresas de combustíveis fósseis estão enquadrando o GNL como de baixa emissão de carbono, rotulando seus produtos como "gás de origem responsável"

Schneider disse à DW que a explosão do terminal de Freeport é "um exemplo de por que tudo isso é perigoso". "Estamos assustados. Poderia ter sido muito pior."

Apesar dos riscos climáticos, a UE passou a incluir o gás natural em sua lista de energias sustentáveis, e os exportadores de gás dos EUA assinaram muitos contratos para atender parte da demanda europeia.

De acordo com Kim, houve uma mudança nas prioridades energéticas da Europa. "A transição energética costumava ser o tema dominante, mas agora a segurança energética entrou em cena para substituí-la."

Schneider avalia que a Europa poderia buscar um caminho mais limpo, investindo mais fortemente em energia renovável, por exemplo. As novas instalações de exportação de GNL dos EUA não ajudariam a situação por mais três anos, disse, acrescentando que a Europa poderia "usar esta crise para implementar a transição para combustíveis mais sustentáveis".

Deutsche Welle

Como recuperar a agenda contra a corrupção nos próximos quatro anos




Diante de um cenário eleitoral em que os cidadãos brasileiros parecem dispostos a deixar de lado o tema da integridade para optar entre Lula e Bolsonaro, o caminho que resta para recuperar a luta contra a corrupção é o de eleger deputados federais e senadores comprometidos com o tema da ética pública. 

Por Diogo Schelp (foto)

Ao longo dos anos 90, até a eleição de Lula, em 2002, o PT se apresentava aos cidadãos brasileiros como o único partido verdadeiramente imaculado, contra a corrupção dos partidos "de elite" que comandavam o país. A experiência nos municípios e estados geridos pelo PT até então demonstrava que não era bem assim, mas o país precisou viver os dois mandatos de Lula e o mandato e meio de Dilma Rousseff para finalmente ver derrubada a máscara da ética petista.

Jair Bolsonaro foi eleito na esteira da decepção dos incautos dos tempos do PT e com a promessa de extirpar a prática do toma lá da cá da chamada velha política. O ex-capitão e deputado federal de muitos mandatos de fato conseguiu convencer uma parcela significativa do eleitorado de que era o autêntico candidato contra a corrução.

Mas antes mesmo de ele assumir a Presidência, já se revelavam para o Brasil as maracutaias típicas do baixo clero parlamentar que ocorriam nos gabinetes da famiglia, como a prática da rachadinha.

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro não avançou na pauta contra a corrupção, seja por não mover uma palha pela aprovação do projeto nesse sentido de seu então ministro e ex-juiz Sergio Moro, seja por não ter apoiado a Operação Lava Jato como havia prometido na campanha. E pensar que muita gente acreditou que faria isso.

Depois, passou a minimizar as evidências de que a corrupção continuou existindo na cúpula do Poder Executivo, como se fosse inevitável.

Mas é injusto afirmar que o presidente é o único responsável pelo retrocesso na agenda contra a corrupção no país. Os ocupantes do Congresso Nacional têm sua parcela significativa de culpa. Esquerda, direita e o velho Centrão uniram-se para esvaziar leis que coibiam o comportamento antiético na gestão pública e para tirar o poder investigativo do Ministério Público. E juntaram-se para reconduzir à chefia do MP um procurador-geral da República que se gaba de "não criminalizar a política" — o que para bom entendedor significa pegar leve com malfeitos por parte daqueles que deveriam representar o povo, em vez de expoliá-lo.

Diante de um cenário eleitoral em que os cidadãos brasileiros parecem dispostos a deixar de lado o tema da integridade para optar entre Lula e Bolsonaro, o caminho que resta para avançar, ou recuperar, a agenda contra a corrupção é o de eleger deputados federais e senadores comprometidos com o tema da ética pública.

É nesse caminho que aposta um novo movimento da sociedade civil chamado Projeto 200+, que pretende apoiar a eleição de parlamentares que se comprometam a atuar e votar no Congresso Nacional em favor de uma lista básica de questões consideradas essenciais para criar um ambiente de maior integridade ética na política.

A lista de compromissos que precisa ser assinada pelos candidatos que pretendem aderir à proposta consiste em fortalecer a democracia com práticas de maior transparência e fiscalização e com a rejeição do uso do orçamento em troca de apoio político; reduzir o fundo eleitoral; apoiar a prisão em segunda instância e o fim do foro privilegiado; renunciar caso seja condenado por corrupção e crimes afins; capacitar-se constantemente para o exercício do mandato.

Para os candidatos que já exercem um mandato legislativo, há a exigência adicional de que tenham trabalhado e votado contra o aumento do fundo eleitoral, contra a PEC que tentou reduzir o poder de atuação do MP e contra a mudança na Lei de Improbidade Administrativa.

Os fundadores do Projeto 200+, que já conseguiram a adesão de candidatos de mais de uma dezena de estados e partidos, afirmam que a iniciativa pretende-se apartidária e aberta a todas as ideologias.

"Sem entrar no mérito do porquê, mas o fato é que a agenda contra a corrupção regrediu nos últimos anos. E percebemos isso porque vimos um corrupto sendo solto e porque continua existindo corrupção no alto escalão do governo", diz Charles Putz, um dos coordenadores do projeto.

"Atualmente, em qualquer discussão sobre política as pessoas começam a falar sobre a disputa para a presidência. Já o voto para o Legislativo não está recebendo a atenção que merece. Esse é o poder mais importante, que escreve as leis nas quais o Judiciário vai ter que se basear para julgar e que o Executivo terá que seguir, além de ter a responsabilidade de fiscalizar o governo e aprovar o orçamento", lembra Putz.

"A gente precisa aproximar o Congresso dos eleitores", complementa Guy Manuel, também coordenador do Projeto 200+.

A diversidade ideológica e a adesão de candidatos de diferentes regiões do país são importantes para os organizadores da iniciativa, pois estão convencidos de que essa não é uma pauta exclusivamente de direita ou de esquerda, urbana ou dos rincões do país.

Segundo um levantamento feito pelo grupo, na atual legislatura não chegou a 8% a proporção de parlamentares que votaram de acordo com a lista acima. Aqueles que atuaram em favor dessa agenda pertencem a quinze partidos diferentes e apenas dois, de espectros políticos antagônicos, têm uma maioria de deputados que votaram de maneira consistente pela pauta da integridade: o Novo e o Psol.

Guy Manuel atribui esse dado em parte ao fato de ambos os partidos terem linhas ideológicas coerentes e por haver um alto grau de coesão de seus integrantes a essas linhas. Mas isso não significa que outros partidos não possam vir a ter também essa característica de adesão majoritária à agenda da integridade ética. Basta mudar a "música que toca no Congresso", segundo a metáfora usada por Charles.

A meta do Projeto 200+, como o próprio nome indica, é eleger mais de 200 deputados federais e senadores que se comprometam com a lista acima. Mas por que 200 e não a totalidade dos deputados e senadores? Afinal, o desejável seria que todos dançassem conforme a música da ética pública.

Charles Putz explica que, em um grupo de pessoas, haverá sempre uma minoria que está sempre fazendo coisa errada e, no outro extremo, uma minoria radicalmente íntegra e correta. No meio há uma massa grande de pessoas que dançam conforme a música. "Dentro dessa lógica, entendo que no Congresso está tocando a música errada. Se colocarmos lá 20 parlamentares compromissados com essa agenda, vamos provocar bastante ruído na música atual. Se colocarmos 200 ou mais, porém, esses serão capazes, talvez, de mudar a música que está tocando."

"Trata-se de uma barreira de 40% contra práticas não republicanas na política", resume Guy.

E o que fazer com os candidatos que, depois de eleitos, resolverem virar as costas para o compromisso assumido com a agenda contra a corrupção? Aí entra o trabalho mais importante e mais difícil da atuação cidadã: acompanhar, fiscalizar e cobrar a atuação dos parlamentares. Aqueles que descumprirem a promessa serão expostos publicamente. Em última instância, podem até ser processados.

Da mesma forma que ganharam vitrine para alavancar suas candidaturas, virarão vidraça caso se afastem dos compromissos firmados.

Gazeta do Povo (PR)

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