Carlos Chagas
Na posse das informações sobre a inusitada visita, escrevi um artigo para “O Estado de S. Paulo”, sob o título “Brasília não vê JK chorar”, reproduzido em seguida por diversos outros jornais. Começou ali meu relacionamento com o presidente, a quem tinha visto e entrevistado no passado apenas de forma profissional. Seguidas vezes, aos domingos, ia visitá-lo na fazendinha. Ele não era daqueles políticos cheios de informações, que fazem a felicidade dos jornalistas. Dele fluíam sentimentos, assim como memórias permanentes. Fui tomando conhecimento, ao vivo, de centenas de episódios da vida dele, de seu governo e de seu calvário político.�
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Contou-me, por exemplo, que ainda governador de Minas, mas já pré-candidato à presidência da República, compareceu ao palácio do Catete para uma audiência com o então presidente Café Filho, adversário implacável de sua candidatura. O tema que ia tratar dizia respeito aos preços mínimos do café, que seu estado produzia aos montes. Lá em cima, primeiro a surpresa: Café Filho tratou-o com desmesurada gentileza, chegando a levantar-se da cadeira presidencial e pedindo que ele nela sentasse. Meio sem jeito, sentou, quando o presidente mudou de tom, tornou-se agressivo e disse: “Esta foi a primeira e a única vez que você ocupou essa cadeira. Você não será presidente, até porque os ministros militares não querem!”
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Irritado, JK deu a audiência por terminada e desceu até a sala de imprensa. Os jornalistas não tinham a menor idéia do que se passara. Foram logo perguntando sobre o café, claro que não o presidente. Vingou-se: “De que café você está falando, meu filho, do vegetal ou do animal?”
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Naquela noite a Hora do Brasil divulgou o manifesto dos ministros militares, contra sua candidatura. Reunido com amigos em seu apartamento, em Copacabana, aceitou a sugestão de Augusto Frederico Schmidt, telefonou para o “Correio da Manhã” e ditou sua reação, começando com a frase lapidar de que “Deus poupou-me o sentimento do medo”.
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Não é essa a oportunidade para referir o que foi o governo de Juscelino Kubitschek, muito menos para concordar com um certo sucessor dele, responsável pela falsa imagem de que a paciência era sua maior qualidade. Bobagem. Ele era a impaciência em pessoa, queria tudo pronto e resolvido o mais breve possível, como ainda há dias retificou sua filha Maristela. Tão impaciente que mudou o Brasil.
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Homem de coragem física. Sabendo por amigos comuns que Jânio Quadros faria violento discurso contra o seu governo, na hora da transmissão da faixa presidencial, mandou avisar que reagiria. Chamou o chefe da Cerimonial e indagou como seria a solenidade. Informado de que logo atrás dele estaria o seu ministério, assim como o ministério de Jânio atrás do novo presidente, pegou o mapa e, com um lápis vermelho, mudou a disposição. Queria ficar frente a frente com o sucessor, a menos de um metro um do outro. E os ministros bem atrás.
Disse-me anos depois estar pronto para, se ofendido em sua honra, dar um passo à frente e um soco na cara de Jânio. Ia ser um escândalo internacional, mas estava decidido. Os tais amigos comuns souberam, avisaram o novo presidente e, na hora da passagem do governo, Jânio foi todo sorrisos e elogios.
Ao deixar o palácio do Planalto, JK foi acompanhado por grande multidão até o aeroporto que hoje leva o seu nome. No Galeão, voaria direto para Portugal, com a família. A aeronave começava a sobrevoar o Atlântico quando o piloto chama-o à cabine. Colocou os fones de ouvido e percebeu que Jânio discursava, na “Hora do Brasil”. Dizia tudo aquilo que não tivera coragem de dizer com os olhos nos olhos. Voltou á sua poltrona e pensou como o Brasil ainda tinha muito a percorrer em matéria de democracia.
Muito mais tarde, com os dois já cassados, foi ao Guarujá para uma palestra. Descansava depois do almoço, no quarto do hotel, quando escutou um vozerio na porta. De repente, quem irrompe pelo aposento, sentando-se na beirada da cama? Jânio Quadros. Nunca mais se tinham encontrado e o ex-presidente, segurando seu braço com as duas mãos, exclamou aos berros: “Errei, meu amigo, errei. Também, eu nem tinha lido antes o discurso que escreveram para mim…”
Quando da renúncia de Jânio Quadros, a imprensa encontrou Juscelino na sede do extinto PSD, no Rio. Só teve um comentário: “É doido mesmo…”
Integrou-se à campanha de Leonel Brizola pela posse de João Goulart, mas, já senador por Goiás, insurgiu-se contra a decisão do Congresso de implantar o parlamentarismo. Era candidatissimo a voltar ao poder em 1965. Só que, pouco antes de deixar o governo, fechou a cara para Tancredo Neves, seu dileto amigo, diante da proposta de ver votada emenda constitucional permitindo sua reeleição. Nem quis ouvir falar no assunto…
Em 1963 e 1964, estava em plena campanha. Adotou o costume de visitar jornalistas, mais do que ser visitado por eles. Foi ao apartamento do saudoso Oyama Telles, do “Correio da Manhã”, conversar com cinco ou seis repórteres políticos, entre os quais eu estava incluído. Semanas depois, a vez da casa do também hoje desaparecido Heráclio Salles. Estava marcada para o final de abril de 1964 sua ida ao meu apartamento, no Flamengo. Não deu, por conta do golpe militar. (continua amanhã) .
Fonte: Tribuna da Imprensa